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nal, se encontrão muito circumstanciadas noticias sobre as Sciencias e Lettras em Portugal. Extractar o que ali se lê, fôra fazer um livro, e ainda assim muito imperfeito, sobre muito extenso. Remettemos por tanto o Leitor para o Ensaio Statistico do illustre Balbi no original, depois de pagarmos o tributo de louvor e de gratidão ao sabio estrangeiro, que tão desvelado se consagrou á tarefa de fazer conhecido, e a muitos respeitos vantajosamente, o nosso paiz.

Força he, porém, confessar que na parte litteraria das cousas portuguezas, unica de que agora nos he permittido tratar, alguma cousa ha que allegar contra o que diz Balbi; nem admira em verdade que um estrangeiro, que aliàs só residio em Portugal por espaço de vinte mezes, recebesse informações menos exactas, ou não podesse penetrar o amago das cousas, em um grande numero de casos. Um só exemplo bastará para demonstrar o quanto de meditação, e de profundas averiguações precisa empregar um estrangeiro para avaliar convenientemente os homens de um paiz, que lhe he estranho. Leia-se a serie de nomes que elle cita em diversos ramos dos conhecimentos humanos, e vêr-se-ha que entre homens verdadeiramente distinctos por seus talentos e escriptos, enuméra alguns, que hoje nem se quer nos lembrão,-tão pouco luminoso foi o rasto que deixárão na vida!

Esta circumstancia, e outros descuidos, exagerações, ou erros, forão parte para que um Portuguez se impuzesse o dever de fazer alguns reparos á Obra de Balbi, na sua geographia litteraria de Portugal, como se vê do seguinte opusculo:

OBSERVAÇÕES CRITICAS SOBRE ALGUNS ARTIGOS DO ENSAIO
ESTATISTICO DO REINO DE PORTUGAL E ALGARVE, PUBLI-
CADO EM PARIS POR ADRIANO BALBI- -seu auctor Luiz
Duarte Villela da Silva. Lisboa 1828.

Disse Balbi que a Statistica, considerada na sua maior extensão, era ainda pouco cultivada em Portugal.-Villela citaThe a Chorographia de Antonio Carvalho da Costa; a Geographia do P. D. Luiz Caetano de Lima; de Antonio de Oliveira Freire; o Mappa de Portugal de João Baptista de Castro; os trabalhos de Martinho de Mendonça de Pina e Proença sobre o Cadastro geral do Brazil; a Chorographia Brazilica; as Descripções physicas e economicas de algumas comarcas do Reino; o Mappa Estatistico de Casado Giraldes; e depois destas cita

ções, estranha que Balbi cahisse em dizer que estavamos atrasados em conhecimentos statisticos!

Nesta parte, a rasão estava, e desgraçadamente continúa ainda a estar hoje, do lado de Balbi. Todos os trabalhos que Villela cita, e outros mais que podéra allegar, são certamente muito recommendaveis; mas estão muito longe do typo statistico, de que nos fornecem modelos a França, a Inglaterra, e outras nações cultas dos nossos dias. Deixemos, porém, este ponto, que nos he agora estranho, e passemos a dar conta de outros reparos mais justificados.

Balbi deu preferencia aos authores não portuguezes, no que diz respeito á situação politica de Portugal nos primeiros seculos da monarquia.-Villela faz ver que será difficultoso encontrar em nação estranha escriptores tão ingenuos como Fernão Lopes, Gomes Eannes de Azurara, Affonso Cerveira, Rui de Pina, etc.

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Balbi pretendeu que a lingua portugueza se fixou definitivamente no anno de 1495;-Villela combate esta asserção, e com grande vantagem. ¿Como póde asseverar-se que uma lingua se fixa definitivamente em um determinado anno? Como póde dizer-se que uma lingua está de todo fixada? O que he certo, he que a lingua portugueza floreceu grandemente, e chegou a um elevado grao de perfeição no seculo 16, e de então para cá tem tido varias alternativas.

No artigo Litteratu a he Balbi prodigo em espalhar elogios de profundidade e vastidão de conhecimentos, a muitos portuguezes do tempo da sua residencia em Portugal-e Villela citalhe, muito a proposito, o dito do Bispo de Viseu: Os louvores da ingenuidade, que concede todavia excepções, honrão mais do que os gabos que mostrão por exaggerados, ou o cego enthusiasmo, ou a pouca intelligencia de quem os dá.

Acerca das preciosas Biblias do mosteiro de Belem, que hoje estão na Torre do Tombo, diz Balbi: «On y trouve une superbe Bible manuscripte, dont le pape Jules II fit présent au roi Emmanuel, en reconnaissance du premier or des Indes que ce monarque lui avait envoyé. Ce manuscript, dont les miniatures qui l'embellissent passaient dans l'opinion des connaisseurs portugais pour être de Jules Romain, ayant été examiné par les plus habiles peintres de l'Institut de France, a été reconnu appartenir à un siècle antérieur à celui de Raphael, et même à celui de Pietro Perugino. »

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Villela nota alguns erros nestas asserções. A embaixada que ElRei D. Manoel mandou a Roma foi recebida por Leão X a 20 de Abril de 1514, em quanto que Julio 2.° tinha fallecido em Fevereiro de 1513; logo, se o presente das Biblias foi mandado em reconhecimento da dadiva d'ElRei D. Manoel, seguese que he impossivel ter sido Julio 2.° quem fez esse presente. As miniaturas, emblemas, e allusões dirigidas a ElRei D. Manoel, de que estão enriquecidas as Biblias, forão feitas no reinado deste Monarcha, e não no seculo anterior a Perugino e a Raphael. O 1.o tomo foi acabado no anno de 1495 por Sigismundo de Sigismundis, Ferrariense; o segundo, por Alexandre Verzanus; o terceiro accusa o anno da 1496, sem declaração de nome; o 4.0, 5.o e 6.° não têem declaração alguma; o 7.° só declara o anno de 1497; donde conclue Villela que não estava toda acabada no anno de 1495: dando mesmo de barato que o estivesse, ¿ a quem lembraria dar como author da obra a Julio Romano, que nasceu em 1492? Todo o mundo, diz Villela, conhece alli a escola de Pedro Perugino, que foi mestre do immortal Rafael d'Urbino. O typo, o desenho, o colorido, tudo tem a mesma identidade, tudo tem o mesmo cunho daquelle insigne pintor da escola florentina, que nasceu em 1446, e morreu em 1524, tres annos ainda depois da morte do Senhor Rei D. Manoel.

Não cabe nos estreitos limites do nosso trabalho continuar a acompanhar Villela nos reparos que faz a Balbi sobre os artigos Pintura, Esculptura, Lingua, Eloquencia, Litteratura, Theologia, etc. etc. Direi sómente que he digno de ser lido o seu opusculo, e que em muitos logares corrige os descuidos, erros, ou faltas em que o aliàs benemerito Balbi cahio; supposto que por vezes he Villela um pouco mais severo do que cumpria, para com um estrangeiro sabio e generoso, que pôz todo o cuidado em reunir noticias interessantes sobre Portugal, e mostrou estar animado do desejo de apresentar de um modo lisongeiro o nosso Portugal aos olhos da Europa culta.

As Observações Criticas são uma abundante fonte de noticias para a Historia Litteraria de Portugal, tanto no texto como em as Notas, e particularmente nas de pag. 61 até 83. Terei occasião de mencionar novamente este opusculo, quando tratar da Critica Litteraria.

Subsidios que podem fornecer para a Hist. Litt. as Vidas, Elogios e Biographias de Authores, bem como alguns

Jornaes Litterarios.

-São tambem excellentes subsidios para a Historia da Litteratura Portugueza, muitos dos Elogios historicos, recitados em differentes sessões da Academia Real das Sciencias de Lisboa, e se encontrão nas suas Memorias; taes como o de Fr. João de Sousa, por Francisco Mendo Trigoso; o de D. Frei Manuel do Cenaculo, por Trigoso; o de Muller, pelo mesmo; o do Padre Antonio Theodoro de Almeida, por José Maria Dantas Pereira; o de Pedro José de Figueiredo, por Manoel José Maria da Costa e Sá; o de José Corrêa da Serra, pelo mesmo; etc. etc.

No Titulo 6.o da Bibliographia Historica Portugueza, (do sr. Figanière), de pag. 205 a 229 são indicados varios escriptos, consagrados á exposição das vidas e elogios de varões illustres portuguezes. Muitos dos escriptos ahi mencionados são um excellente subsidio para a Historia Litteraria de Portugal.

-Nas Memorias do Conservatorio Real de Lisboa do anno de 1843, encontrão-se Elogios Historicos de alguns Litteratos Portuguezes dos nossos tempos, escriptos pelos Srs. A. Herculano, Antonio Feliciano de Castilho, e Almeida Garrett. He dizer bastante para recommendar esses Elogios! Outros ahi se encontrão tambem, que lamentamos não poder indicar, por se referirem a personagens exclusivamente politicos; o que sahe fóra do nosso plano.

No anno de 1849 publicou-se em Lisboa um Jornal com o titulo de O Bibliophilo, Elencho methodico e bibliognostico -cujo objecto era expôr um juizo sobre as obras que fossem remettidas á Redacção; apresentar a biographia e necrologia dos homens distinctos nas lettras patrias, artigos de bibliographia portugueza, etc. etc.-Os numeros que forão publicados são uma boa fonte de informações para a Historia Litteraria de Portugal; e lastima he que não durasse muito tempo uma tão proveitosa publicação periodica. A Introducção que vem á frente do 1.° N.o (Abril de 1849) he interessantissima, por muito bem escripta, e por muito rica de noções bibliographicas, e de Historia

Litteraria; sobre dar uma idéa cabal do vasto plano do Bibliophilo, que os Redactores concebêrão com perfeito conhecimento de causa.

No Panorama, bem conhecido em todo o Portugal, ha preciosos artigos de Hist. Litt., ricos de instrucção, e primorosamente bem escriptos. De alguns faremos especial menção quando tratarmos da Critica Litteraria.

Recommendamos igualmente, debaixo deste ponto de vista, a Revista Universal Lisbonense; e temos para nós que não perderá o tempo quem folhear a Revista Litteraria do Porto, a Epoca, a Revista Popular, o Recreio, e outros Periodicos Litterarios portuguezes destes ultimos tempos.

Indicaremos tambem alguns Periodicos portuguezes de mais antiga data, nos quaes se encontrão, aqui e acolá, algumas noticias litterarias; taes são, entre outros, o Investigador Portuguez em Inglaterra; o Observador Lusitano em Paris; o Correio Brasiliense; o Jornal Encyclopedico, para cuja impressão concedeu privilegio a Senhora D. Maria 1.a a Felix Antonio Castrioxto; o Chronista, etc.

Conviera talvez ao nosso plano dar neste logar uma noticia muito desenvolvida de certos trabalhos biographicos, relativos aos nossos principaes escriptores. Assim, por exemplo, podéramos substanciar os escriptos seguintes:

Vida do Padre Antonio Vieira, pelo Padre André de Barros.
A mesma....., pelo Padre Francisco da Fonseca.

Vida de D. Jeronimo Osorio, por Bernardo da Fonseca.
Vida de Francisco de Sá e Miranda, por D. Gonçalo Cou-
tinho.

Vida de Luiz do Couto, por Julio de Mello e Castro.

Vida de Gabriel Pereira de Castro, por Simão Torrezão
Coelho.

etc. etc. etc.

Parece-nos, porém, mais acertado dar conta desses, e de outros escriptos analogos, quando tratarmos da Critica Litteraria, enlaçando então a parte biographica, relativa aos nossos melho

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