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ordem, os pastores da segunda ordem, ou como se explica Gerson: Os prelados maiores, e os prelados menores.

He com referencia a este juizo critico que o Sr. A. Herculano, considerando as expressões alto clero e baixo clero como metaphisicas, intende que não podem ser consideradas como privativas antes de uma nação do que de outra; e sustenta a indispensabilidade do seu uso na lingua portugueza, com o fundamento de que a distincção social completa que havia entre clero e clero na idade media, por nenhumas palavras se exprime com maior clareza do que por aquella.

Aqui apparece pois a necessidade de averiguar, se por vezes convirá sacrificar o rigor linguistico á exactidão historica, e até ás exigencias scientificas.

Ha quem pense, e desta opinião he formalmente o Sr. A. Herculano, que he possivel conduzir prudentemente, para que não desfeche em anarchia, a transformação operada na nossa lingua pela invasão das idéas, e livros francezes, mas que será vão empenho tentar destrui-la.

¿Porque? Porque para destruir essa transformação, só ha um meio, e he o de destruir a influencia da acção intellectual da França em Portugal, o que he impossivel. «Como actúa, per«gunta o Sr, A. Herculano, a lingua franceza em a nossa?— «Unicamente pela imprensa, pelos livros; mas cada livro é como «um individuo daquella nação que vem fallar no meio de nós; <<<individuo por via de regra mais civilisado, mais rico da idéas, «ou pelo menos de idéas mais bem ordenadas, que os que o es«cutão. Reflectidas em nossa alma essas idéas, que muitas ve<«<zes não é facil achar a formula nacional que as represente como «as concebemos, até porque haverá casos em que tal formula não «<exista, exprimimo-las involuntariamente com a phrase pere<«<grina. Então aquellas idéas, partindo de sujeitos superiores em <«<civilisação e cultura de espirito, vasadas no molde estrangeiro, «derramam-se entre o povo, e passados poucos annos vamos én<«< contra-las trajando já o burel popular no mercado, na taberna, «<e até nos logares que mais resistem ás innovações de todo o <«<genero, nas povoações ruraes.>>

Depois da lingua franceza, as linguas modernas que sobre a nossa teem tido alguma influencia, são a italiana e a ingleza; mas essa influencia não alterou a indole da portugueza, e tem sido vantajosa, porque nos ha subministrado muitos vocabulos no dominio das Bellas-Artes, do Commercio, da Politica e da Industria.

CAPITULO VII.

DOS SUBSIDIOS LITTERARIOS QUE POSSUIMOS EM QUANTO AOS SYNONIMOS.

Pluribus autem nominibus in eâdem re vulgo utimur; quo tamen, si diducas, suam propriam quandam vim ostendunt.

(QUINT. 6. 3. Inst. Orat.)

DECOMPONDO a palavra Sinonimos, podemos dizer: Vocabula sinonima sunt diversa ejusdem rei nomina. E com effeito, tal parece ter sido a primitiva ideia ligada a esta palavra.

He curioso vêr a accepção em que Aristoteles tomou esta palavra. Citarei as proprias expressões de um escriptor inglez, que reproduz o pensamento do Stagirita: those words are synonimes in which both the name is common, and the definition of the substance with reference to the name is the same; for instance, both man and ox are «animal»; for both are called by a common name, and the definition of the substance is the same; for if a man gives a definition of each, what is meant by each being animal, he will give the same definition.

De sorte que, na opinião de Aristoteles, a sinonimia das palavras mais era revelada por uma operação silogistica, do que pela identidade de significação das mesmas A palavra homem e a palavra boi, dizia elle, são sinonimas, porque o homem e o boi são designados por um nome commum, e definidos por uma ideia commum, qual a de animal.

Posteriormente, porém, intendeu-se por sinonimos aquellas vozes que o uso, ou ainda a authoridade tem applicado á expressão das mesmas ideias, e assim dizemos que são sinonimos os termos: mutuo, reciproco;-quietação, repouso, descanço, etc.

E aqui apparece a indispensabilidade de dar uma precisão philosophica á theoria dos sinonimos.

Se ha vozes applicadas á expressão das mesmas ideias, acóde naturalmente ao pensamento a observação de Du Marsais: Se existissem sinonimos perfeitos, haveria duas linguas em uma mesma lingua; pois seria uma superfluidade procurar um novo signal de um ideia, quando já tivessemos um signal exacto.

Se diversas vozes exprimissem, exacta e indistinctamente,

as mesmas ideias, he claro que essa pluralidade e abundancia de palavras tornaria esterilmente rica uma lingua, á similhança dos thesouros do avarento;-essa pluralidade seria puramente numeral, e por consequencia superflua. «Si les mots, diz Girard, ne sont variés que par les sons, et non par le plus ou le moins d'énergie, d'étendue, de précision, de composition, ou de simplicité, que les idées peuvent avoir; ils me paraissent plus propres à fatigner la mémoire, qu'à enrichir et faciliter l'art de la parole.>>>

=

A riqueza de uma lingua não se revéla tanto pelo numero de vocabulos, como pelo numero de pensamentos que póde exprimir. De que serviria que, para declarar o mesmo pensamento, houvesse um grande numero de vozes articuladas, ou vocabulos, embora diversos ou distinctos nos sons, e no material de suas respectivas composições, mas reproduzindo as mesmas ideias ?

Conseguintemente, se nas linguas cultas se conservão e deixão co-existir palavras sinonimas, he evidente que entre estas se dão differenças reaes de significação, que he indispensavel apreciar, quando se quer dar á linguagem uma precisão philosophica.

Este modo de vêr as cousas não he um descobrimento da grammatica philosophica moderna; já os antigos o apresentão nas obras immortaes que nos legárão. Cicero estava bem penetrado de taes convicções, quando disse: «Quanquam enim vocábula prope idem valere videantur, tamen quia rei differebant, nomina rerum differre voluerunt.» E dir-se-hia que pretende elle justificar esta asserção, quando no Livro 4.° das Tusculanas apresenta uma serie de vocabulos sinonimos, e marca a differença de significação que os distingue.-Angor est ægritudo premens:-Luctus, ægritudo ex ejus qui carus fuerit interitu. acerbo:- Mæror, ægritudo flebilis:-OErumna, ægritudo laboriosa:- Dolor, ægritudo crucians:-Lamentatio, ægritudo cum ejulatu:-Sollicitudo, ægritudo cum cogitatione:-Molestia, ægritudo permanens:-Affiictatio, ægritudo cum vexatione corporis:- Desperatio, ægritudo sine ulla rerum expectatione meliorum.

Neste ponto apresenta-se Cicero estabelecendo principios como Grammatico Philosopho; mas nas suas obras vemos a applicação pratica da sua theoria, e mais de um exemplo encontramos alli da alta intelligencia e finissima delicadeza, com que o grande mestre da palavra tecia o discurso, fazendo uma apu

rada escolha de vocabulos, e exprimindo o seu pensamento com uma precisão invejavel.

«Quis erat, diz elle em uma das Epistolas, quis erat qui putaret ad eum amorem quem erga te habebam posse aliquid accedere? Tantum accessit, ut mihi nunc denique amare videar, antea dilexisse.»

a

Este formoso trecho encontra-se na Epistola 14 do Liv. 9.o, a qual se refere ao seu amigo Dolabella, à quem Cicero queria dar um testemunho da affeição que lhe consagrava, e que de dia em dia se ía augmentando, com quanto parecesse impossivel que viesse a ter maior desenvolvimento. He pois facil de vêr a admiravel propriedade de termos com que Cicero distingue a intensidade do seu affecto em dous periodos: «Quem julgaria que a amisade que eu te dedicava podésse jamais ter augmento? E comtudo, tanto ha ella crescido, que me parece que só agora começo a amar-te, e que ao principio só tinha para comtigo uma inclinação gostosa!»>

Na Epistola 15. do Liv. 5.° ha tambem um exemplo muito notavel. Lucceius escreveu a Cicero, dando-lhe os pezames da morte de Julia, filha do Orador Romano, e este lhe responde: «Omnis amor tuus ex omnibus se partibus ostendit in his litteris quas a te proximé accepi; non ille quidem mihi ignotus, sed tamen gratus et optatus, dicerem jucundus nisi hoc verbum in omne tempus perdidissem.»-A tua amisade patenteia-se em todas as partes da tua ultima carta; não he novo para mim esse testemunho, mas agrada-me e lisongeia-me, e diria até que me causa alegria, se para sempre não tivesse eu perdido essa palavra!

E não só em Cicero encontramos exemplos, senão tambem em outros escriptores da antiguidade. Quem proporcionou ao douto D. Francisco de S. Luiz a ideia da judiciosa distincção entre os vocabulos homem e varão? Forão os nossos Classicos Arraez e Vieira; o primeiro dos quaes disse: «Se os homens tivessem hum pouco de coração, e fossem varões, não temerião a morte»; e o segundo disse: «Este mesmo nome (varão) não só significava o sexo, senão tambem o juizo, o valor, a experiencia.... e todas as outras qualidades, de que se compoem um heroe perfeito.» E quem suggerio a estes nossos Classicos a distincção que apresentão? Foi Seneca, o qual na Consol. ad Polyb. 36 disse assim: «Non sentire mala sua, non est hominis, non ferre, non est viri.»

Deixando outros exemplos, que nos tomarião grande es

paço, limitar-nos-hemos a transcrever uma passagem de Varrão (De Lingua Latina, v. 8.), na qual he explicada magistralmente, e com toda a clareza, a diversa significação de tres verbos sinonimos:«Propter similitudinem agendi, et faciendi, quidam error heis qui putant esse unum. Potest enim quis aliquid facere et non agere; ut poeta facit fabulam et non agit, contra actor agit et non facit; et sic a poeta fabula fit et non agitur, ab actore agitur et non fit: contra imperator, qui dicitur res gerere, in eo neque agit neque facit, sed gerit, id est sustinet; translatum ab heis qui onera gerunt, quôd sustinent.»>

Assentemos, pois, a doutrina de que os vocabulos sinonimos, que em cada lingua culta se conservão e coexistem, exprimem sim uma ideia principal, que lhes he commum, mas se distinguem entre si por differenças de significação, que lhes imprimem um caracter proprio, singular e privativo. Assim, por exemplo, os vocabulos mutuo e reciproco exprimem ambos a ideia principal de proveniencia de uma parte e de outra; mas differenção-se entre si, porque o primeiro refere-se propriamente a entidades espontaneas, voluntarias, livres, e o segundo envolve já uma ideia de recompensa, de dever, de obrigação; e neste sentido chamaremos reciprocas as obrigações que se dão entre amos e criados, e mutuos os obsequios que os amigos fazem uns aos

outros.

Essas differenças serão por vezes muito subtís, por ventura em alguns casos um tanto methaphysicas, e não será raro que uma demasia de analyse, um excessivo empenho de rigorismo, vão esquadrinhar analogias ou dissimilhanças, onde realmente não existem. Não obsta isso, porém, a que, em regra geral, seja muito proveitoso apreciar profundamente o valor das palavras, e desentranhar dos sinonimos as differenças de ideias accessorias, que os tornão diversamente proprios para exprimir o pensamento com maior clareza, elegancia, energia, extensão, e exactidão.

O celebre La Bruyère observa no Cap. 5.o dos «Caractères»> o seguinte: «<entre toutes les différentes expressions qui peuvent rendre une seule de nos pensées, il n'y en a qu'une qui soit la bonne: on ne la rencontre pas toujours en parlant ou en écrivant; il est vrai néanmoins qu'elle existe, que tout ce qui ne l'est point est faible et ne satisfait point un homme d'esprit que veut se faire entendre.»>=

E nestes nossos tempos, assim se exprimío M. Guisot:=

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