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ORIGEM LATINA; IMPUGNAÇÃO DOS ARGUMENTOs precedentes; EXTRACTO DA «REFUTAÇÃO,»

Provas historicas.

Egypto. Se o Sr. S. Luiz quizesse fazer um argumento procedente, não he aos persas, gregos e romanos que o devia ir buscar, mas sim aos actuaes dominadores do paiz: devia provar que o Egypto, depois da conquista de Amrou em 640, apesar da dominação constante dos arabes, ainda hoje conservava a antiga lingua coptica.-Vej. Volney, Voyage en Syrie. tom. 1.o cap. 5.o, e do que elle diz se concluirá:-1.o, que o grego era a lingua que se fallava no imperio dos califas no VII seculo;2.o, que a lingua coptica está inteiramente perdida ha muitos seculos, apesar da supposta impossibilidade que se julga haver para isso. Isto he tambem confirmado pelo Glossario Coptico de Jablonski.

Hebreus. O exemplo dos hebreus não he concludente, por que se trata de um povo sui generis, cuja consolação unica, no meio do vexame dos seus oppressores, era a religião de seus paes; e he uma lei geralmente reconhecida em linguistica, que a lingua do povo vencido se conserva quando a sua religião continúa a subsistir.

Regiões septentrionaes da Africa.-Tambem não tem força o argumento, fundado na authoridade de Santo Agostinho, de que os carthaginezes conservavão ainda a lingua punica no fim do seculo IV e principios do v, maiormente nas povoações ruraes. A essa authoridade oppõe-se a do mesmo Santo Agostinho, o qual, prégando em Africa, dizia: Proverbium notum est punicum, quod quidem latine vobis dicam, quia punice non omnes nostis; punicum enim proverbium est antiquum: Numum quærit pestilentia: duos illi da, et ducat se; donde se conclue que já no seu tempo era o carthaginez uma lingua morta, visto como carecia de traduzir em latim um proverbio punico para se fazer entender, 1

1 Em confirmação devemos accrescentar, que já no 11 seculo Carthago era chamada a Musa de Africa; e já Apuleio dizia: Quæ autem major laus aut certior quam Carthagini benè dicere, ubi tota civitas eruditissimi estis? (Luc. Apul. Florida Lib. 4.) O eloquente M. Villemain, fallando da « Eloquencia Christan no 4.o seculo diz estas significativas palavras : « On ne se figure ordinairement d'autre Carthage que celle d'Annibal. Mais il ne faut pas oublier que l'ancien territoire

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Phenicios e carthaginezes.-O que se diz dos phenicios e carthaginezes tambem não he concludente, porque os negociantes aprendem a lingua dos povos com quem negoceião, e não estes a daquelles. Por certo que taes povos não tiverão tamanho, tão longo, e tão pacifico trato comnosco, qual o que, ha seculos, entretemos com os inglezes... e comtudo, quantas palavras inglezas temos no nosso diccionario?

Alvaro Cordovez e Santo Eulogio.-As duas citações de Alvaro de Cordova e de Terreros y Pando são contraproducentem, por isso que, em vez de provarem que o latim nunca fôra vulgar nas Hespanhas, provão o contrario. O segundo, por exemplo, diz que naquella parte das Hespanhas, que ficou debaixo do imperio dos moiros, se tornára vulgar a lingua arabe, esquecida a latina, propria, diz elle, da nação e da religião, como lamenta em suas obras o martyr Santo Eulogio, eleito arcebispo de Toledo. 1

Vasconco, catalães e valencianos, Fuero Jusgo.-He opinião de Mayans y Siscar (Origenes de la lengua española), que a maior parte do vasconço, bem averiguadas as suas raizes, tem origem latina. Os catalães e valencianos fallam a lingua provençal ou limosina, filha igualmente da latina, como a nossa, mais differente na orthographia e pronuncia do que no material das palavras. O Fuero Jusgo tambem prova que o latim fôra vulgar nas Hespanhas, porque este Codigo regeu toda a Hespanha Gothica, e só foi traduzido em vulgar no anno de 1241.

Rasões philologicas.

¿Qual he a rasão particular, ou antes esse privilegio, que, a respeito da introducção do idioma dos romanos, se dá?-Pergunta-se qual foi o privilegio que os romanos tiverão para transmittirem a sua lingua ás Hespanhas... Esse privilegio foi a religião, forão as predicas, e a liturgia christã. Nem he tão raro fazerem-se nas linguas mudanças substanciaes e absolutas, como póde vêr-se em Balbi, Introduct. à l'Atlas Ethnogr. du Globe. He terminante a seguinte passagem de Strabão: Turdetani autem, maxime qui ad Batim sunt, plane romanos mores as

de cette république formait une vaste contrée, où se conservait une partie du peuple indigène et quelques restes de mœurs et de la langue punique; mais où le gouvernement, les tribunaux, les spectacles, le luxe étaient importés de Rome. " 1 Eheu latini linguam propriam ignorant.

sumpserunt, ne sermonis quidem vernaculi memores, ac plerique facti sunt latini, et colonos acceperunt romanos; parumque abest quin omnino romani sint facti.

Casos. Todo o argumento tirado dos casos, reduzido á sua expressão verdadeira, consiste em que todas as nossas palavras são indeclinaveis, em quanto que o latim tem um pequeno numero de vocabulos desta natureza. Mas que tem esta circumstancia com a filiação da lingua? Uma palavra muda acaso de natureza, por ser ou não ser declinavel?

Transposição. Se o latim he uma lingua transpositiva, e o portuguez uma lingua analoga, nem por isso daqui póde tirar-se argumento contra a sua affinidade. Nós dizemos: Recebi as tuas cartas; e Cicero disse isto mesmo de tres maneiras, pois que em todas as tres fórmas se encontra nas suas obras: Accepi tuas litteras-Tuas litteras accepi-Litteras accepi tuas. ¿Por que rasão se ha de negar a filiação da lingua, só porque não póde usar senão de uma fórma?

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Verbos. Em quanto á voz activa, não póde pôr-se em duvida que amo, as, at, amavi, amasti, amavit, amavero, is, it, são inteiramente similhantes á conjugação portugueza.-No que toca á voz passiva, os latinos dizião amatus sum ou fui, e nós dizemos como elles-fui ou tenho sido amado. He verdade que para alguns tempos tinhão uma terminação particular passiva, dizendo amor, amabar, eu sou amado, eu era amado; mas tambem dizião amatus sum, eu sou amado, amatus eram, eu era amado. Não he exclusiva da lingua portugueza a significação de coexistencia no estado actual do verbo estar. Os melhores authores dão a stare a significação do auxiliar esse; sto expectans siquid mihi imperent;―stal pectore fixum,—stant lumina flamâ, etc. -Tambem o verbo habere se encontra como auxiliar, por exemplo em Cicero: De Cæsare satis dictum habeo.

(N. B. Este ponto he muito bem tratado na «Refutação >> mas os leitores poderão consultar com proveito sobre elle, além de outras obras, a Litt. au moyen-âge de M. Villemain, 1.o vol. pag. 90, 91 e seguintes).

Adverbios.-Nem todos os adverbios latinos terminão em ter; assim, por exemplo, os latinos dizião juste, pulchre, e não juster, pulchreter. No Leal Conselheiro encontramos similhante por similhantemente; e a terminação adverbial em o ainda hoje he usada, pois que dizemos certo, claro, justo, prompto, por certamente, claramente, justamente, promptamente.-A termi

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nação ter substituiu-se a de mente, ainda que seja de presumir que na sua origem fosse empregado este vocabulo, para designar o estado do espirito e da mente de cada um, com referencia á acção de que se tratava; pois que não póde negar-se que mente seja o ablativo de mens. Encontrão-se innumeros exemplos do emprego desta fórma adverbial nos melhores authores latinos: tu conditá mente teneto-sensit enim simulatá mente locutam, etc.

Comparativos.-O numero dos comparativos em or na lingua portugueza ainda he grande, pois temos maior, menor, melhor, peor, superior, inferior, ulterior, exterior, citerior, etc. He porém certo que a nossa lingua não adoptou na generalidade esta fórma, e não será máo que os sabios a ampliem, tanto quanto a euphonia o permittir. Os latinos formavão os comparativos dos casos em i, doctus, docti, doctior, e nós não podiamos assim forma-los, porque não adoptámos os casos.-O ouvido devia resistir a que de sabio se fizesse sabior, de douto, doutior, além de que as vogaes finaes são de difficil pronunciação; por exemplo, o povo diz fadairo em logar de fadario. No latim havia muitos adjectivos que não tinhão nem comparativos, nem superlativos, por exemplos, patrius, legitimus, duplex, claudus, unicus, dispar, arduus, e outros, para os quaes os romanos se servião de magis e maxime ou valde, a fim de formarem os grãos de comparação, o que tambem muitas vezes praticavão com os adjectivos que tinhão comparativos e superlativos.-Povos grosseiros, devião pois adoptar o methodo mais simples, tanto mais quanto lhes era difficil saber quaes adjectivos tinhão comparativos e quaes não.

Superlativos.-Os superlativos em issimo não se encontrão nos escriptores do principio do seculo xv; he comtudo de presumir que já no tempo do Sr. D. Affonso III se usassem, pois que no Livro Velho das Linhagens se diz, fallando-se dos Godinhos, que descendem do nomelissimo sangue dos godos. Mas, pondo de parte estas indagações, ¿que valor tem o argumento de mais moderna ou mais antiga introducção?

Particulas.—Muito haveriamos lucrado em adoptar todas as particulas latinas; mas que idéa podião ligar povos grosseiros a at, sed, quidem, enim, versus, etc., ¿que aliás não têem por si mesmas significação alguma, desacompanhadas das outras palavras, cujo valor não póde ser apreciado senão por um ouvido exercitado?-Se, por exemplo, não adoptárão nunc, porque a

nossa lingua não admitte palavras acabadas em c, adoptámos todavia agora por hac hora.-Logo não póde dizer-se que a lingua portugueza engeitou desdenhosamente as particulas latinas.

Terminações augmentativas e diminutivas.-Não podiamos adoptar as terminações dos augmentativos latinos, pela muito simples rasão de que os latinos não tinhão augmentativos. Tomámos porém delles muitas terminações dos diminutivos, e até os proprios diminutivos formula, libello, conventiculo, etc. Crêse que a terminação em inho e inha vem do latim illus, a, ud, e assim, que de lupillus fizemos lobinho, de mamilla maminha, de murmurillium murmurinho, etc.

Proverbios, ete.-Para que o argumento deduzido dos proverbios portuguezes fosse concludente, fora mister saber-se que todos os proverbios latinos chegárão até nós; mas o contrario d'isso he que he certo. Os proverbios andão sómente na boca do vulgo, e fôra um contra-senso julgar dos proverbios latinos por Virgilio, Horacio, ou Tito Livio. Muitos proverbios temos tirados do latim: Anda o carro adiante dos bois, Carrus bovem trahit; na terra dos cegos o torto he rei, inter cæcos regnat strabus, etc. Não era possivel que conservassemos proverbios allusivos a factos particulares dos romanos, ou aos seus usos e costumes civís e religiosos, que nós não adoptámos; e vice-versa não podião os romanos ter os proverbios que alludem á nossa religião, aos nossos santos e ceremonias religiosas, taes como: Para a ressurreição dos Capuchos; Presumpção e agua benta, etc.; Ensinar o padre-nosso ao vigario, etc.;-nem tão pouco podião adoptar os relativos aos nossos jogos. Os rifões, proverbios, e anexins, como dependentes dos usos e habitos populares, são variaveis como elles; e não tendo a vida social dos romanos sido a mesma que a nossa, não he de estranhar que até nós não chegassem muitos dos seus rifões.

Artigos. Se valesse o argumento de que a lingua portugueza não he filha da latina porque não tem artigos, com muito mais rasão se poderia negar ao latim a sua procedencia do grego. A admissão dos artigos na lingua portugueza prova um aperfeiçoamento, mas não destroe a filiação.

(N. B. Supposto que na «Refutação» seja tratada magistralmente esta materia, julgamos todavia conveniente prevenir os leitores de que deve lêr-se o citado M. Villemain na Litt. au moyen-âge, pag. 88 e 89 vol. 1.)

Interjeições. A excepção de alguns gritos naturaes, indi

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