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«proche à l'espagnole, elle a toute la douceur et la souplesse << de l'italienne, la gravité et les couleurs de la latine. C'est dans <«< Camoëns qu'il faut la méditer, et l'on sera étonné avec quel << art il a su la façonner à sont puissant génie. >>

Corri muito apressado nesta parte do meu trabalho, porque urge passar ao exame de pontos mais substanciaes do estudo da nossa lingua. O grande numero de escriptores, tanto anteriores a nós, como contemporaneos, que deixei de mencionar neste capitulo, serão devidamente commemorados, á proporção que for fazendo a resenha dos escriptos mais valiosos.-Dou-me pressa em tratar dos seguintes objectos:

Independencia da Lingua Portugueza.

Sua filiação.

Herança de vocabulos e phrases que diversas linguas lhe legárão.

Influencia que tem recebido das linguas modernas.

Sua indole, revelada pelos escriptos dos classicos..
Orthographia e pontuação.
Grammaticas e diccionarios.

CAPITULO III.

DA INDEPENDENCIA DA LINGUA PORTUGUEZA.

A lingua portugueza nunca poderia ser um dialecto da hespanhola, por quanto, recorrendo aos monumentos historicos da peninsula, em vez d'uma só lingua como origem da nossa, encontramos a fuzão de muitas.

(O INSTITUTO n.o 11. Art. do Sr. Torres e Almeida.)

A TAREFA, em que vamos proseguindo perseverantes, fôra por certo ingrata, principalmente para os leitores, se unicamente nos limitassemos a apontar as fontes onde póde ir beber-se a doutrina sobre os differentes ramos da nossa Litteratura. He por esta rasão que havemos de continuar a amenisar a aridez do nosso trabalho, demorando-nos aqui e acolá em algumas considerações criticas e doutrinaes. Fazendo assim, somos como o viandante, que de vez em quando se assenta á sombra de uma arvore para tomar um pouco de repouso, ou se detem no cimo

da montanha para gozar uma vista graciosa, ou na planicie, et por ventura á borda de um regato, para colher uma florinha.

Já démos noticia dos authores que encarecêrão a excellencia da nossa lingua, e passamos agora a fazer a resenha de tudo quanto de mais importante se tem escripto sobre a sua independencia, filiação, herança proveniente das linguas orientaes, influencia recebida das linguas modernas, sua indole revelada pelos escriptos dos classicos, orthographia e pontuação, grammaticas e diccionarios. Improba tarefa, que nos levará bastante tempo, e dará logar a uma longa serie de artigos! Confiados, porém, na indulgencia dos sabedores, não abriremos mão do nosso humilde trabalho sem o levar ao cabo.

-INDEPENDENCIA DA LINGUA PORTUGUEZA.-Em uma obra franceza, publicada não ha muito, e aliás recommendavel por bastantes titulos, se lê o seguinte periodo: «Le portugais, dia«lècte de l'espagnol, témoigne de son ciel et de son climat pres<«<que africains, par une prononciation plus gutturale et un orien<«<talisme plus prononcé. » '

Custa realmente a conceber que se escreva com tamanha leveza, e ainda mais que assim o faça quem n'outros logares da sua obra dá mostras de profundo saber e de vasta erudição! Pois a lingua portugueza he um dialecto da castelhana? Pois a pronunciação do portuguez he mais guttural do que a do castelhano?

Mas que muito, se tantas outras extravagancias têem publicado estrangeiros sobre as nossas cousas! O general Dumouriez, por exemplo, assevera no «Estado presente de Portugal » que Camões intitulára o seu poema: Lusiada, porque se chamava Luiz! E comtudo, observa judiciosamente um critico, 2 este general é auctor, esteve em Portugal, e escreveu sobre Portugal!

Que se entende por dialecto? Dialecto he a linguagem particular de uma provincia, colonia ou cidade, derivada ou alterada da lingua geral d'onde procede, na pronuncia, accentuação, desinencia dos nomes, etc.-Sermo, quo inter se discernuntur populi, eâdem lingua utentes. Conseguintemente, para que o portuguez fosse um dialecto do castelhano, fôra mister consi

1 Plan d'une Bibliothèque universelle, par L. Aimé Martin.

2 Memoria em defeza de Camões contra M. de La Harpe, por Antonio de Araujo de Azevedo.

derar este ultimo como lingua geral, d'onde procedesse ó primeiro. Mas a historia e a philologia nos ensinão, que, para descobrir o segredo da filiação da nossa lingua, he preciso remontar a mais antiga origem, e que essa origem, commum á castelhana, estabelece entre ambas o estreito laço de parentesco, que no-las faz ter como irmãs. He verdadeiramente n'esta hypothese que se póde dizer com M. Klaproth: Quand on se livre à des considérations sur la parenté des langues, il faut s'habituer à la ligne horizontale, et à voir les choses rangées l'une à côté de l'autre.

He incontestavel que as primitivas linguagens da Peninsula Iberica receberão a influencia dos idiomas dos povos, que successivamente dominárão nas Hespanhas, e que essa influencia foi tanto mais profunda nas diversas fracções de territorio, quanto respectivamente mais duradoiros ou mais intimos forão o tracto e a communicação com esses povos.

Não podia, pois, deixar de haver uma grande similhança entre o castelhano e o portuguez, como descendentes que são das mesmas origens, como sujeitos que forão a quasi identicas influencias; mas nem por isso são menos independentes um do outro, no sentido em que os idiomas se podem dizer independentes.

Fora realmente absurdo considerar o portuguez como um dialecto do castelhano, quando cada uma d'essas linguas se ostenta soberana nos seus dominios, independente nos seus estados, e para o dizer sem figura, quando cada uma d'ellas apresenta uma litteratura propria, distinctamente caracterisada, perfeita, -quando cada uma d'ellas serve para o tracto de um povo culto, differente do outro a tantos respeitos,-quando entre ambas ha tamanha diversidade na indole, nas feições, no genio.

Vejamos o que a este respeito dizem alguns escriptores:

-BLUTEAU. — « Vocabulario Portuguez e Latino. » — Diz que a similhança não he corrupção, e accrescenta: «As linguas portugue a e castelhana são duas irmãs, que têem alguma similhança entre si, como filhas da lingua latina; mas uma e outra logra a sua propria independencia e nobreza, porque nem do portuguez se deriva o castelhano, nem do castelhano descende o portuguez... Cada uma das duas nações pelo seu modo alterou, adulterou e corrompeu a lingua romana ou latina; porém, com tão senhoril fidalguia, que, nas palavras derivadas do latim, nem

o castelhano ao portuguez, nem o portuguez ao castelhano deve a nova fórma da sua locução. »

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-VITERBO. «Elucidario » (Advert. prelim.) Os documentos, que até aos fins do seculo XxI entre nós se exarárão, quasi nada mais têem de latim que a inflexão alatinada dos mesmos termos com que o vulgo se exprimia. O Livro dos testamentos de Lorvão, o Livro Preto de Coimbra, o de D. Mumadona de Guimarães, os documentos de Pedroso, de Braga e outros muitos, que nos seus originaes se conservão, e que n'este Elucidario se accusão, não permittem hesitar, que a lingua portugueza era por este tempo o mesmo que a hespanhola, cujos monumentos Yepes, Flores, Risco, e outros até hoje publicados, hos offerecem antes uma verdadeira identidade, que uma mera similhança. >>

A imparcialidade nos fez transcrever aqui esta opinião, contraria ao que acima deixamos exposto; cumpre, porém, apresentar o reparo que a este respeito faz o erudito author das «<Considerações sobre a Lingua Portugueza » já citado no meu anterior artigo: « A lingua portugueza foi na sua infancia muito parecida com a castelhana, e tanto, que, entre outros, o A. do Elucidario affirma na prefacção ao mesmo, serem ambas uma e a mesma lingua; e ainda que não accedo inteiramente a tal opinião, por sem duvida tenho, que em rasão da similhança, e de muitas locuções communs, grande proveito colherá o estudioso da lição dos documentos antigos em lingua castelhana, de que muitos se acham nos auctores citados, e muitos lançou Sousa no seu vol. das Provas da Hist. Geneal. Convirá por isso muito a lição do Fuero Juzgo, e das Leis das Partidas, fontes de muita de nossa legislação, e costumes patrios. >>

-O SR. ALMEIDA GARRETT.-« Bosquejo da Hist. da Poes. e Ling. Port.»-Grande similhança ha entre o portuguez e o castelhano; nem podia ser menos, quando suas capitaes origens são as mesmas e communs: porém, tão parecidas como são pelas raizes de derivação; no modo, no systema d'essas mesmas derivações, na combinação e amalgama de identicas substancias e principios se vê todavia que diversos agentes entraram, e que mui variado foi o resultado que a cada uma proveio. Filhas dos mesmos paes, diversamente educadas, distinctas feições, vario genio, porte e ademan tiveram: ha comtudo nas feições de ambas aquelle

ar de familia, que á prima vista se colhe.-Este ar de familia enganou os estrangeiros, que, sem mais profundar, decidiram logo que o portuguez não era lingua propria.

-D. GREGORIO MAYANS Y SISCAR. « Origenes de la Lengua Española. >>

«El portuguès, aun que es dialecto distinto del castellano, «es tan conforme a èl, que si uno abre un libro portuguès sin «<saber que lo ès, suele suceder leer algunas clausulas creyendo «que es castellano.>>

Estamos conformes, visto como reconhece a independencia dos dois idiomas, e por outro lado não ha difficuldade em admittir a similhança, que se explica pelo facto da commum descendencia do iberico, celtico, phenicio, grego e punico, e das poste→→ riores transformações operadas pelo idioma dos romanos, dos godos e dos arabes.

-DENINA (L'ABBÉ CHARLES...) « La Clef des Langues, etc.>> Este author, que aliás considera o francez, o italiano, o portuguez e o castelhano como idiomas irmãos, derivados do latim, particularisa com bastante individuação os pontos de similhança e de diversidade, que se dão entre o castelhano e o portuguez, com referencia ao latim, sua origem commum. Vej. Tomo 2.o, parte 4., secção 1.a, Art. 4.° e seguintes.

· Aldrete. « Del origen y principio de la Lengua Castellana, o Romance, que oy se usa en España. »

No livro 2.o, cap. 3.o encontramos dois SS, que se referem ao assumpto de que vamos tratando, e são os seguintes:

<«< La misma entiendo, que es, por que en Portugal ay otra « lengua diversa de la castellana, que sin duvida tiene mezcla de << la francesa. Pegoseles de los Franceses, que truxo consigo D. << Henrique primero, Conde de Portugal, quando D. Alonso el << sexto Emperador de España le dió aquel estado en dote con << Doña Teresa su hija...... El pegar-se algo de la lengua fran<«< cesa fue facil, assi por ser ú Principe de la nacion, a cuyo exem«plo, y uso los vassallos se ajustan, y componen; y tambien, << por que en aquellos principios el Condado tuvo muy cortos ter<«<minos, alargaronlos mucho los Reys successores, dando-les Dios << insignes victorias contra los moros, por las quales el nombre, y <«< esfuerço portugues es muy celebre, e alabado en el mundo. »>

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