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« (a arca de Noé) tantos animaes, tão grandes e tão feros? O « Leão, para quem toda a Lybia era pouca campanha; a Aguia, << para quem todo o ar era pouca esfera; o Touro que não cabia <«< na praça: o Tigre, que não cabia no bosque; o Elefante que « não cabia em si mesmo!»=

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As flores, diz algures esse grande mestre da nossa lin«gua, as flores anoitécem murchas, e quasi secas; mas com o or« valho da noyle amanhecem frescas, vigorosas, resuscitadas.

Esse mesmo athleta da palavra, querendo encarecer o merecimento da abdicação de Carlos Quinto, emprega estas energicas expressões:

« Arrima o bastão, renuncía o Imperio, despe a purpura, e tirando a coróa imperial da cabeça, poz a coróa a todas as suas victorias; porque saber morrer he a maior façanha...... RecoTheo-se, ou acolheo-se ao Convento de Juste, metteo tempo entre a vida e a morte.»

¿ Quem o diria? O proprio Fr. Luiz de Sousa, o mais suave, o mais mimoso dos nossos prosadores, maneja de vez em quando a lingua portugueza, com uma valentia sem igual!

Durava havia grandes horas huma desenfreada tempestade. O mar andava em serras e montes, e com tal braveza vinha quebrar em terra, que parecia quererem mar e vento sovertê-la.

E com tudo, he este o suavissimo escriptor que em todas as suas paginas sabe encantar o leitor, pela brandura e amenidade de seu magico dizer!

.....

—........... enlevado na saudade que fazem as montanhas e as serranías vistas ao longe, que parece se juntão com as estrelas, e levão traz si o espirito, tinha com os montes devotos colloquios, como abrasando-se em ansias de sobir com elles.

¿Quem haverá que não se arrebate ao ler a bem conhecida passagem do nosso Vieira, relativa ao estatuario?« Arranca o <«<estatuario huma pedra dessas montanhas, tosca, dura, infor<< me; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço, e o <«< cinzel na mão, e começa a formar hum homem, primeiro mem<«<bro a membro, e depois feição por feição até a mais miuda: «<ondea-lhe os cabellos, aliza-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, af<< fila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, tornêa-lhe «o pescoço, estende-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe <«<os vestidos: aqui despréga, alli arruga, acolá recama, e fica <«<hum homem perfeito, e talvez hum Santo, que se póde pôr «no altar.» )) =

Nenhum povo da terra poderá levar a mal que tenhamos ufania de possuir uma lingua, na qual se encontrão expressões tão energicas, tão vivas, tão proprias e imaginativas!

Quando o mesmo Vieira, o Bossuet portuguez, quer pintar os effeitos de uma secca, eis o quadro temeroso, que offerece á nossa imaginação:=« Elle foy «Elle foy o que mandou ás nuvens que << não chovessem sobre a terra, sem dar licença á Aurora para << que destillasse sobre ella huma só gota de orvalho. Seccárão-se <«< os rios, as fontes, os montes, os campos, os valles, sem se ver « huma folha verde naquelle perpetuo, e tremendo Estio, sem <«< Inverno, nem Primavera. Abrazavão-se os gados, as feras, as <«< aves, os homens: mirrava-se a vegetativa, mugia a sensitiva; << clamava ao Ceo a racional, e não havia vida, ou cousa vivente, « que não morresse, e estalasse á sede. »>=

Mas prosigamos:

-FERNÃO ALVAres do OrientE. «Lusitania Transformada.»>> Chama á lingua portugueza um ramalhete composto de diversas flores, porque, no seu conceito, encorporou em si a graça da pronunciação e dos melhores vocabulos das outras.

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Cre elle, como ainda hoje crê muita gente, que a nossa lingua he singular, pela circumstancia de que os estrangeiros a não podem nunca pronunciar bem, ao passo que nós pronunciâmos tão facilmente e com tanta propriedade as outras linguas.

Esta crença he destituida de fundamento, e parece nascer de falta de attenção e de seguido tracto com estrangeiros. Em regra geral, conhecer-se-ha sempre imperfeição na pronuncia de uma lingua estranha, e as excepções d'esta regra tanto se verificão, por exemplo, de inglezes e francezes para com portugnezes, como vive-versa.

« Il n'y a rien de si délicat et de si difficile, diz M. de « Stael, que l'accent. On apprend mille fois plus aisément les <«< airs de musique les plus compliqués que la pronunciation d'une « syllabe; une longue suite d'années ou les premières impres«sions de l'enfance peuvent seules rendre capable d'imiter cette « prononciation qui appartient à ce qu'il y a de plus subtil et de <«< plus indéfinissable dans l'imagination et dans le caractère na<«<tional. >> Esta doutrina he applicavel a todas as linguas, e se alguma modificação podesse soffrer, seria certamente no sentido de apresentar, como mais faceis de pronunciação, as linguas da familia romana, entre as quaes está a portugucza.

FR. BERNARDO DE BRITO.-«Monarchia Lusitana. >>

O prologo da primeira parte d'esta obra he digno de ser lido, porque o elegante chronista narra com ingenuidade as incertezas com que luctou a respeito da lingua em que havia de escrever. Quasi o tiverão abalado os amigos que lhe aconselhárão, que escrevesse na lingua latina, não só para bem de sua reputação, mas principalmente para se divulgarem por mais partes os seus escriptos. Outros lhe dizião que compozesse a obra em lingua castelhana; a estes nunca o chronista fez rosto, attendendo a que seria arguido de indigno do nome portuguez, em ter tão pouco conhecimento da lingua propria, que a julgasse por inferior á

castelhann.

Brito preferiu a lingua portugueza, querendo extremar-se d'esses filhos tão ingratos, que a modo de venenosas viboras lhe rasgão a reputação e o credito devido.

«

Nobre e muito nobre indignação! Ainda hoje a comprehendemos, ainda hoje nos inflamma, do mesmo modo que nos impressiona vivamente o desafogo de um grande talento contemporaneo (o sr. Garrett) ácerca de Sá de Miranda: «Não posso << deixar de querer mal a tam illustre portuguez pelo muito que << escreveu n'essa lingua estranha (castelhana); com que não só privou a natural do fructo de suas tarefas, mas fez maior damno <<< ainda com o exemplo que abriu; exemplo funesto que nos cer<«< ceou a litteratura, que nos defraudou de uma Diana de Monte<<< maior, de tantas boas cousas mais, e ao cabo ía perdendo a lin<< goa.»

Cousa notavel! Brito lastimava-se de ter pouca noticia da lingua, e declarou no prologo que teria mais os olhos em apurar a verdade, que em buscar invenções exquisitas, com que pintar a Historia; e comtudo, as suas producções são primorosas em pontos de linguagem e estylo, sem que outro tanto se possa dizer no que toca ao merecimento historico.

-VASCO MOUSINHO DE QUEVEDO.-«Affonso Africano. » Tambem quiz, diz elle, mostrar (aos metrificadores d'esta idade) a copia da nossa lingoa, não me sendo necessario ajudar-me em todo este livro de verso que seja agudo.

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No artigo anterior apontámos o que mais de substancial se encontra nos escriptos deste erudito portuguez.

Cumpre porém observar que o Discurso 2.o de Faria he digno de ser lido com toda a attenção na sua integra, porque ali he tratado o argumento da excellencia da nossa lingua com todo o desenvolvimento, critica e erudição.

MANOEL DE FARIA E SOUSA.-« Advertencia ao principio do Commento aos Lusiadas de Camões. >>

=<«.............. El Maestro Vicente Espinel me dixo algunas veces, que era un encanto la lengua Portuguesa en la suavidad del sonido. Lope de Vega en la descripcion de la Tapada, despues de aver hecho cantar dos Ninfas, una Italiana, otra Latina, dize de la Portuguesa que les sucedió deste modo:

Assi cantando fué la Portuguesa

Con celebrado aplauso larga historia,
A quien por la dulçura que professa,
Entrambas concedieron la victoria.

<< I essa dulçura confessada a boca llena, no procede si no de lograr las cinco partes de perfecion qui ai diximos.» (Estas cinco partes são as que Severim de Faria assevera darem-se na lingua portugueza.)

<«< Nuestro sentimiento acerca desto (diz a final Faria e Sousa) es creer que la lengua portuguesa sin ser inferior a ninguna, excede a muchas, en lo dulce, i en lo grave; i en la singular propriedad de muchas palabras, que no se roçan con otra ninguna lengua, para exprimir lo que significan: ni aun con variedad, i elegancia de circumloquios. >>

da

-ALVARO FERREIRA DA Vera.—«Breves louvores da Ling. Port. >>

Reproduz o que disserão Brito e Faria, e pouco mais acrescenta, a não serem algumas ponderações historicas acerca das linguas em geral, e da nossa em particular.

-DUARTE RIBEIRO DE MACEDO.- « Advertencia á vida da Emperatriz Theodora. >>

Lastima-se de que sendo a lingua portugueza elegante, copiosa, e clara, a escurêção com termos peregrinos.

ANTONIO DE SOUSA DE MACEDO.-« Flores de España, Excellencias de Portugal. >>

Reproduz e desenvolve o que disserão Brito, Barros, Duarte Nunes de Leão, e Manoel Severim de Faria.

«

Convém ponderar que este e outros authores nossos devem ser lidos, nesta parte, com alguma prevenção, porque nem sempre os guiou a mais apurada critica.-Macedo, por exemplo, no cap. 22 das Flores d'España, diz o seguinte: «Finalmente Manuel Severim de Faria en un discurso, que excelentemente es«crivió desta materia, prueba bien, que la lengua portuguesa << tiene todas las qualidades, que se requeren, de modo, que haze «vantaja a muchas, y a todas iguala. Y basta en lugar de lo mu<«< cho que pudiera decir-se lo que succedió a S. Antonio de Lis<< boa, que predicando una vez salieron los pexes con las cabe<«<ças fuera del agua a oirle: otra vez predicando en Roma a un << auditorio de muchos cardinales, prelados, y personas de dife<«<rentes estados, y naciones, le entendieron todos tan perfeta<<< mente, como si a cada uno hablara en su misma lengua, com«municandole Dios a este gran Santo la gracia, que avia dado a «sus Apostoles, que lo proprio hazian. Y aunque el entonces no <«<predicó en portugues, con todo, es gran honra nuestra aver « dado Dios tan soberano don a una lengua portuguesa, y oy se << conserva incorrupta: que maior excelencia! >>

-JACINTO FREYRE DE ANDRADE. «Vida de D. J. de Castro. >>> <<< Se me notarem o livro de ruim, não negarão que he breve e escripto em lingua portugueza, que tantos engenhos modernos ou témem, ou desprezão, como filhos ingratos ao primeiro leite, servindo-se de vozes estrangeiras, por onde passárão como hospedes, sem respeito a aquellas veneraveis cãs e ancianidade madura de nossa linguagem antiga.

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-FR. ANTONIO DA PURIFICAÇÃO.—«Chron. da antiq. Prov. de Port. da Ord. dos Eremitas de Santo Agostinho. >>

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Cita em tudo quanto diz de louvor da nossa lingua o Disc.

2.o de Sev. de Faria, por occasião de expôr os motivos por que compozéra a sua Chronica na lingua materna.

—D. RAPHAEL BLUTEAU.-«Catalogo Alphabetico, topographico, e Chronologico.... >>

=«Pello contrario a Lingoa Portugueza, como lingoa viva,

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