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Tu ne sais pas que mon haleine
Sur mes lèvres n'ose passer,
Que mon pied muet foule à peine

La feuille qu'il craint de froisser!

He breve no dizer a nossa lingua, mas quanto não admiraremos sempre a nervosa concisão da latina? Ubi solitudinem faciunt, facem appellant — Oderint dum metuant. metuant.-Non ignara mali miseris succurrere disco. Bene qui latuit, bene vixit,

etc. etc.

Temos, e ainda bem, alguns termos que outros povos nos invejão, saudade, bonina, primor, mavioso, etc.; ¿mas quantos nos faltão dos muitos energicos e quasi intraduziveis de outras linguas?

Sou obrigado a correr veloz; mas basta este leve reparo para que se evite a exageração no modo de encarar as cousas n'este particular. Estudemos profundamente a nossa lingua, e cada vez comprehenderemos mais o enthusiasmo que inspirou os seguin

tes versos:

Floreça, falle, cante, oiça-se e viva
A portugueza lingua, e lá onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva.

mas ao mesmo tempo comprehenderemos a necessidade de não sahir dos verdadeiros limites da admiração.

CAPITULO II.

LOUVORES QUE A LINGUA PORTUGUEZA TEM MERECIDO.

Alabaron... su... graciosa lengua con quien sola la portuguesa puede competir, en ser dulce, y agradable. (CERVANTES.)

¿O CONHECIMENTO dos eximios dotes, e nativos foros da excellencia do nosso idioma será acaso inutil?

¿Será verdade que a ignorancia da gentileza e primores da lingua portugueza he a primeira causa, e a mais substancial, de a haverem deixado em tamanho esquecimento?

A estas perguntas responde assim um habil presador das nossas lettras:«Quem não sabe d'arte, não a estima, disse <«< com sobeja rasão o nosso poeta; e mal póde presar-se per <«< quem a não conhece, nem a tracta, uma lingua, cujos dotes, «<e subidos quilates de sua valía desconhecem.»-1

He, pois evidente o interesse que aos estudiosos resultará 'de consultar e ler detidamente os escriptores que desenhárão o quadro das excellencias da nossa lingua, tão rica, tão euphónica, tão variada, e tão propria para os differentes estylos, e para os varios assumptos em prosa e verso.

N'esse sentido vou apresentar a resenha dos classicos portuguezes, que tomárão a defeza da nossa lingua, e a encarecêrão com louvores. Serei muito resumido no extracto das suas doutrinas, bem como nas observações que ellas suggerem, porque só pretendo indicar, e não-proceder a um longo exame critico; tanto mais quanto-no Diccionario da Academia encontrarão os curiosos quanto lhes baste,-e para aquelles que quizerem inteirar-se do assumpto, lá estão as obras originaes.

-JOÃO DE BARROS.-« Prologo ou Diccionario da Cartinha, em a introducção da Grammatica da Lingua Portugueza. » «Grammatica da Lingua Portugueza (corpo da obra). » )) (( Dialogos em louvor da nossa Linguagem. »

João de Barros, nos louvores da lingua portugueza, he um tanto hyperbolico. Por exemplo, no «Prologo» diz que a linguagem portugueza em Europa he estimada, em Africa e Asia por amor, armas e leis tão amada e espantosa, que por justo titulo lhe pertence a monarchia do mar, e os tributos dos infieis da terra.

No demais, louva a lingua portugueza pela sua conformidade com a latina, pela sua gravidade e força, e finalmente pela abundancia de vocabulos.

-O AUTHOR DA COMEDIA «Eufrosina. »

Entende que a linguagem portugueza não cede à latina em gravidade, graça, laconismo, e boa pronunciação. Por isso eu quero, diz elle, raivar com seus naturaes que a tacham diffamando-a de pobre.

1 Veja a Chron. Litt. da Nova Academ. Dramatica do anno de 1840 nos excellentes artigos que têem por titulo-Considerações sobre a lingua portugueza e seu estudo.

DUARTE DE RESENDE.-« Traduçção dos Tractados da Amizade, Paradoxos, e Sonho de Scipião de Cicero. >>

Na Dedicatoria diz que nenhuma das linguas de Hespanha se avantaja á nossa para tratar de graves e excellentes materias.

Observarei de passagem, que muito recreia a leitura deste livrinho. Os bellos e philosophicos pensamentos de Cicero, como que nos aprazem mais, reproduzidos na ingenua e desaffectada phrase do traductor portuguez.

-FRANCISCO DE MORAES.-«Chronica de Palmeirim d'Inglaterra. >>

No prologo louva a lingua portugueza pela capacidade de palavras.

Os gabos de Moraes são de grande valia, pois que a Chronica de Palmeirim de Inglaterra he escrita com uma pureza, correcção e elegancia taes, que nada deixão a desejar. Em quanto houver bom gosto, será sempre lida com deleite uma obra, em que a cada passo se encontrão bellezas de dicção, como as dos seguintes trechos:

«........... e as paredes da parte de fóra cobertas de era, que << trepava por ellas tão verde e tecida nas mesmas pedras, que, << além de darem graça á antiguidade do edificio, o sostinhão que << de todo não cabisse. >>

<«< Cada um houve tamanha vergonha de ver que sua porfia «durava tanto, que, deixando as espadas, que de bôtas não cor<< tavão, se travarão a braços. »

«..... alli estava de cuidados tão acompanhado, e tão sóo, <«<té que a lua se pòs, a tempo que já os ruysinóes e outros pas<«<sarinhos alegres manifestára a chegada d'alvorada com sua doce <<< harmonia. >>

<< Era tão bem desposto, e gentil homem de rosto, que dava «azo a o olharem com affeição.

ANTONIO FERREIRA.-« Poemas Lusitanos. >>

Citar os louvores, que á lingua portugueza teceu Ferreira, fôra quasi transcrever todas as obras d'um escriptor, que, dando á patria tantos versos raros, um só nunca lhe déo em lingua alheia. Ferreira foi o mais desvelado cultor que tem tido a nossa lingua, chegando a possuir-se de enthusiasmo, de paixão, e diria até de furor nos combates contra os que a menospresavão:

«E nós ainda estaremos duvidando?

«E o vivo fogo, que se em nós levanta,

«<A outra lingoa, ah crueis! iremos dando?»>

Esse patriotico empenho, esse porfioso lidar tornárão-no digno de que a posteridade consagrasse com a sua approvação o vaticinio de outro poeta:

<«<Ah! Ferreira, dirão, da nossa lingoa amigo. >>

Foi Ferreira quem escreveu estes sentidos versos:

Docemente suspira, doce canta

A Portugueza Musa, filha, herdeira
Da Grega, e da Latina, que assi espanta.

-DIOGO BERNARDES.-« Lima. »-Carta 4.a

Ditosa lingoa nossa, que estendendo
Vás já teu nome tanto, que seguro
Inveja a toda outra irás fazendo.

a

-PEDRO DE MAGALHÃES DE GONDAVO.-« Dialogo em defensão da lingoa portugueza.»

Demonstra que a nossa lingua se avantaja á castelhana, e he de todo ponto propria para todos os estylos, sobre ser muito suave. He curiosa a ultima coarctada que um dos interlocutores do << Dialogo >> dá a outro que pugna pela superioridade da lingua castelhana:-<<Emfim, que se alguma (lingua) com razão se póde <«< chamar barbara, he a vossa, a qual toma da lingua arabiga a <«< maior parte dos vocabulos, fallais de papo, com aspiração; e «assi fica huma lingoagem imperfecta, e mais corrupta do que «< vós dizeis que a nossa he.

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DUARTE NUNES DE LEÃO.—«Origem da Lingoa Portugueza. >>

Diz que as linguas de Galliza e Portugal erão antigamente quasi uma mesma, mas que posteriormente a nossa se avantajou muito áquella na cópia e elegancia, o que attribue á circumstancia de ter havido em Portugal Reis e Côrte, que he a officina onde os vocabulos se forjão e pulem, e donde manão para os outros homens.

De proposito omitto o que este e outros authores dizem da nossa lingua, suppondo-a filha da latina, porque reservo esses apontamentos para quando chegar a vez de tratar aquella questão.

O que, porém, não posso deixar de fazer notar já, he que Duarte Nunes de Leão, e varios escriptores nossos, tanto dos já mencionados, como dos que posteriormente hei de mencionar, tinhão em grande conta a nossa lingua, e a encarecião, considerando como um titulo de gloria a circumstancia de ser fallada na Europa, na Africa, na Asia, na America, e em differentes Ilhas do Oceano. He assim que Duarte Nunes de Leão, arrebatado de enthusiasmo patriotico e religioso, applicava aos portuguezes o que diz o Psalmista: In omnem terram exivit sonus eorum, et in fines orbis terræ verba eorum.-Se este juizo não tem grande valor á luz da philologia, he comtudo respeitavel, como‘inspirado pelo santo amor da patria, e por venerandas crenças religiosas, lisongeados n'este ponto pelo facto de haver sido annunciada na lingua portugueza a doutrina do Christianismo a tantas gentes, e de tão remotas e estranhas provincias.

-FRANCISCO RODRIGUES LOBO.—« Côrte na Aldêa. »

Este precioso livro anda, felizmente, nas mãos de todos, e fòra por certo uma superfluidade transcrever aqui os louvores que elle tece à nossa lingua, bastando citar um periodo, que admiravelmente resume o seu conceito:-A lingua portugueza não desmerece lugar entre as melhores, para nella se escreverem materias levantadas, aprasiveis, proveitosas e necessarias.

Na occasião em que escrevo estas linhas, tenho, por acaso, diante de mim um volume das Decadas de Couto, que havia marcado ao ler a narração do naufragio da náo S. Thomé. Eisaqui as ultimas palavras d'essa narração: «........ dando a náo hum << arranco, como ultimo suspiro de hum moribundo, entranhou<< se pelo mar dentro, e desapparecêo para sempre com quanta <«<gente tinha, ficando muita d'ella sobre a agoa bracejando, pelejando com a morte até que de todo se afogou.» Uma lingua, em que se exprime com tal valentia o pensamento, tem na verdade bastante direito aos gabos do nosso grande prosador, e grande poeta bucolico, Francisco Rodrigues Lobo.

Quem não admirará a propriedade de vozes, e a viveza de expressão, que brilhão no seguinte trecho do Padre Antonio Vieira?:

«Como póde ser, que coubessem em tão pequeno logar

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