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A vida de Francisco Dias Gomes he notavel na republica litteraria, pelo phenomeno de apresentar um Poeta elegante, um erudito de grande força, e um critico de authoridade, na pessoa humilde de um homem, a quem a cega fortuna desviou da carreira universitaria, que começára a seguir, para o lançar na administração de uma loja de mercearia! Mas esse homem, com quem a fortuna foi injusta, como sóhe ser de ordinario com o merecimento verdadeiro, esse homem, digo, havia estudado nas escholas da Congregação do Oratorio, e ahi ganhára amor ás Lettras, e paixão pela leitura; de sorte que, ainda no modesto trato da sua mercearia, aproveitava todos os instantes disponiveis para versar de continuo os livros, chegando a adquirir a mais vasta lição na Litteratura antiga e moderna, e conseguindo dest'arte não só resistir ao damno, que ao espirito podia causar-lhe o theor do seu viver, senão tambem apurar o gosto, e preparar-se para a composição poetica, e para a critica.

Não entra no meu proposito julgar as suas Poesias; cabeme unicamente a missão de recommendar as Notas das differentes Elegias, Odes, e Cantos, como sendo um precioso thesouro de philologia, de erudição, e de boa critica.

Os juizos de Francisco Dias Gomes são de muito pezo e authoridade.

A Breve Noticia da Vida e Obras do Author, escripta em 1799 pelo sabio Stockler, he um bello pedaço biographico e critico, que merece ser lido por quem quizer ter conhecimento de Francisco Dias Gomes, e das suas obras.

Terei occasião de citar de novo as obras de Francisco Dias Gomes, quando tratar da Critica Litteraria.

CAMOES.-Ode do Cavalheiro Raynouard..... traduzida em verso portuguez por Francisco Manoel (Filinto Elisio), Vicente Pedro Nolasco, e F. L. Verdier.—Correta e annotada.... por Heleodoro Jacinto d'Araujo Carneiro. -Lisboa. 1825.

Este opusculo, em presença dos elementos que contém, póde ser considerado como um bom trabalho philologico, pois que proporciona uma opportuna occasião de estudar com proveito a nossa lingua, offerecendo ao leitor tres diversas traducções, em verso portuguez, de uma Oanceza, muito apreciavel, com algumas annotações criticas, muito proprias para ajudar um estudo reflectido.

M. Raynouard, secretario perpetuo da Academia Franceza, compoz a celebre ode a Camões, que começa assim:

Habitans des rives du Tage,
Dirigez mes pas incertains:
J'apporte non pieux hommage

Au Chantre heureux des Lusitains..

etc.

O nosso Francisco Manoel traduziu esta ode em verso portuguez, sendo muito para notar que contava já 85 annos de idade, quando se deu a esse trabalho! Esta Ode, diz elle em uma nota, que o meu Amigo Constancio me pediu que mui breve lh'a traduzisse, dous dias nella trabalhei d'affogadilho. Apezar, porém, de ser feita essa traducção em tão curto praso, e de estar já o traductor em tão avelhentada estação,— notão-se todavia naquelle trabalho os brilhantes rasgos do eximio Poeta, que caracterisão as composições de Filinto Elysio.

O Dr. Vicente Pedro Nolasco, não satisfeito com a traducção de Francisco Manoel, e pretendendo demonstrar que a ode de Raynouard podia ser vertida com maior fidelidade e primor, fez uma nova traducção em verso portuguez.

E finalmente Verdier traduziu tambem em verso portuguez a mesma Ode.

No opusculo de que tratamos inseriu o author a ode original de Raynouard, e as tres traducções portuguezas; habilitando deste modo os leitores, não só para confrontarem de perto as linguas franceza e portugueza, mas tambem para apreciarem a excellencia da ultima.

As notas a cada uma das traducções são interessantes, não só debaixo do ponto de vista poetico, mas tambem, e principalmente, do philologico.

A leitura, pois, das tres diversas traducções, a confrontação de umas com outras, e o attento exame das observações criticas do author do opusculo, são um meio muito accommodado para entrar no conhecimento dos grandes dotes da nossa lingua.

REFLEXÕES SOBRE A LINGUA PORTUGUEZA, escriptas por Francisco J sé Freire, publicadas com algumas annotações pela Sociedade dos Conhecimientos uteis.-Lisboa 1842.

Este trabalho he dividido em tres partes. A primeira trata

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do valor das palavras e correcção da Grammatica; a 2.a trata do que pertence á pronunciação; a 3.a trata da nossa linguagem antiga, e comprehende illustrações e additamentos ás Partes 1.a e 2."

a

He precedido de um erudito Prologo do Sr. J. H. da Cunha Rivara, e seguido de interessantes notas, para as quaes tambem forneceu elementos o Sr. Rivara, segundo declarão os Editores. No fim do Prologo, e como parte integrante delle, vem um catalogo de todas as obras que composera Francisco José Freire, mais conhecido pelo nome Arcadico de Candido Lusitano.

O fim principal das annotações he, segundo designadamente apontão os Editores, rectificar ou corrigir idéas e juizos do Author, que em virtude de estudos posteriores são hoje inadoptaveis; e deste modo, he gostoso confessa-lo, as Reflexões são um livro de bastante utilidade, depois das rectificações e correcções das eruditas notas, que vão no fim de cada divisão da obra.Entre essas notas, todas importantes, he especialmente recommendavel a da 1.a Reflexão sobre a authoridade dos Classicos; devendo confrontar-se o que dizem o texto e a nota, com o $ 407 (palavra Classicos) da Noticia Succinta dos Monumentos da Lingua Latina, por José Vicente de Moura, e com a relação dos Authores de que a Academia Real das Sciencias se serviu para a compilação do seu Diccionario.

A Philologia não he puramente um trabalho abstracto de simples erudição grammatical ou linguistica, propõe-se tambem a levar luz á historia, á jurisprudencia, e quiça a outras sciencias. He por isso que nos faremos cargo de mencionar os seguintes subsidios:

OBSERVAÇÕES Sobre a verdadeira significaÇÃO DA PALAVRA PRIVADO, DE QUE USÃO NOSSOS MAIS ANTIGOS DOCUMENTOS E ESCRIPTORES.-Por Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato.

«Duas forão as causas, diz o sabio Trigoso, que tive em vista quando escrevi a presente Memoria; a primeira foi notar a incuria com que os nossos Diccionaristas antigos e modernos confundírão as duas palavras Privado, e Valido, tomando-as como synonymas; a segunda, notar o erro em que ao mesmo respeito cahírão alguns dos nossos Escriptores e Publicistas.»>

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O sabio author das Observações percorre os nossos documentos antigos, os Livros Genealogicos, os nossos Chronistas, e Escritores Classicos, e outros mais proximos a nós, concluindo que até o reinado de D. João 1.o chamava-se Privado áquelle conselheiro que tinha maior trato e conversação com o Soberano nos negocios do estado; e que os que depois se chamárão Validos, erão os que com elle tinhão merecimento ou graça, em virtude da qual conseguião o que lhe pedião; depois porém do reinado de D. João 1.o passou o nome de Privado a ser synonimo de Valido. Apparece a entidade de Escrivão da Puridade; este officio que começou no mesmo reinado (D. Affonso 3.o) em que começou o de P.ivado, e continuou muitos annos depois deste acabar, designava os verdadeiros Ministros do expediente, em quanto que os Privados só o erão do despacho.

Em quanto aos Escrivães da Puridade, temos uma erudita Memoria do mesmo sabio Trigoso, lida na sessão ordinaria da Academia de 4 de Novembro de 1835.

-Entre as Dissertações do Padre Antonio Pereira de Figueiredo, qua andão nas Memorias da Academia Real das Sciencias de Lisboa, mencionaremos a 2.a e a 6., como versando sobre assumptos philologicos.

A 2. trata da Etymologia dos nomes Iberia, Celtiberia, Hispania, Lusitania; a 6.a trata da Etymologia do nome de Pyreneos.

-A Philologia, applicada á Jurisprudencia, póde chegar a determinar o sentido e a interpretação das leis, e por esse motivo, julgamos ter cabimento entre os trabalhos philologicos a menção das seguintes Memorias:

-MEMORIA SOBRE QUAL SEJA O VERDADEIRO SENTIDO DA PALAVRA FAÇANHAS, QUE EXPRESSAMENTE SE ACHÃO REVOGADAS EM ALGUMAS LEIS, E CARTAS DE DOAÇÕES E CONFIRMAÇÕES ANTIGAS, COMO AINDA SE ACHA NA ORD. LIV. 2 TIT. 35 § 26-Por José Anastacio de Figueiredo.

«Só me occupará, e fará objecto desta breve Memoria, diz «<o author, o subministrar os meios de se poderem fixar as idéas «a respeito de qual seja o verdadeiro sentido juridico, que entre «nós teve, e alcançou a palavra Façanhas.»>

Sem remontar a Leis, e Cartas de Doação, e de Confirma

ção mais antigas, he certo que ainda na Ordenação Liv. 2. tit. 35. § 26 encontramos a seguinte clausula: «sem embargo de «quaesquer Direitos Canonicos, Civis, Costumes, Façanhas e «Stilos, que em contrario d'isto houvesse, em parte, ou em todo.»

Foi Duarte Nunes de Leão o primeiro que se fez cargo de definir esta palavra, dizendo que Façanha he um juizo sobre algum feito notavel e duvidoso, que por authoridade de quem o fez, e dos que o approvárão e louvárão, introduziu um direito, para ser imitado e seguido como Lei, quando outra vez se désse

o mesmo caso.

Veio depois Jorge Cabedo, o qual, no fim dos Arestos da 2. Part. das suas Decisões, conformando-se primeiramente com a opinião de Duarte Nunes de Leão, explica a clausula da Ord. citada por sem embargo de quaesquer determinações em casos notaveis dadas; recorrendo, porém, depois a outros argumentos, apresenta outra interpretação, segundo a qual a dita clausula valeria tanto como se dissesse Sem embargo de quaesquer opiniões ainda que altercadas.—

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O nosso author reprova a 2.a interpretação de Jorge Cabedo, e só se conforma com a de Duarte Nunes de Leão, com a reserva de que o direito (na hypothese sujeita) não provém da authoridade de quem fez o feito, ou dos que o approvárão, mas sim e exclusivamente do Poder Soberano.

Esta Memoria he na verdade cheia de erudição, mas poderia ser mais bem escripta, e ter mais clareza e perspicuidade.

N. B. Como a Ordenação acima citada he o transumpto da famosa Lei Mental, parece-nos a proposito lembrar neste logar a Memoria elegantissima e erudita de D. Francisco de S. Luiz (Cardeal Saraiva), a qual tem por titulo: Memoria em que se ajuntão as Noticias, que nos restão do Doutor João das Regras, e se locão algumas especies ácerca da Lei Mental.

-MEMORIA QUE LEVOU O ACCESSIT EM 12 DE MAIO DE 1790 SOBRE AS BEHETRIAS, HONRAS E COUTOS, E SUA DIFFERENÇA. (Mem. de Litt. Port.)

O author percorre os monumentos de diversas idades da nossa Monarquia, nos quaes se encontrão aquellas palavras; examina os costumes, e direito donde nasceu o de que usárão os primeiros portuguezes; e compára os logares parallelos, que lhe pareceu darem luz á questão proposta; vindo a concluir que Behetrias erão a regalia que tinhão certos povos de escolherem

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