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são arabicos.-Palavras portuguezas arabicas se encontrão, sem ol, como por exemplo Adail, Arrabil; o que dá logar a ponderar que tambem o elemento da pronunciação deve ser tido em grande conta nos estudos ethnographicos, pois que neste caso a lingua portugueza adoptou as palavras arabicas, taes como as pronunciavão os arabes. Dizião elles Aldail, Alrabil, mas pronunciavão Addail, Arrabil; ao passo que escrevião e pronunciavão como nós Almofaada, Almofaça, Almanjarra; o que vai prender com a divisão do alfabeto arabe em letras Solares e Lunares, como póde vêr-se no prologo citado. Cumpre notar que encontramos esta voz ál, como artigo, em Fr. Gaspar da Cruz, (Tratado em que se contão muito por extenso as cousas da China etc.)-passim -«Rendião só os direitos do sal em Cantão al rei trezentos picos de prata.»>

Nos nossos classicos encontramos esta voz al no sentido de outra cousa, abreviatura da latina aliud. Mor. Palm. d'Ingl. 1 -15-«Vendo que não podia fazer al, senão seguir sua ordenança;» e até em adagios antigos: «Como vires o faval, assim espera pelo al; » e finalmente ainda em depoimentos de testemunhas se lê: e al não disse (et aliud non dixit.)

Em duas linguas tão diversas entre si, no que toca principalmente ao formal das palavras, e especial organisação de alphabetos, necessariamente havia de succeder que os portuguezes, ao adoptarem termos arabicos, augmentassem, ou diminuissem, ou trocassem lettras; e já se vê o quanto de cuidado deve haver da parte do etymologista em reparar em taes alterações, pois que he pela orthographia que mais facilmente se póde descobrir a origem das palavras. Ha, por exemplo, no alphabeto arabico algumas lettras de difficultosa pronunciação, gutturaes de diversas especies, que por não terem correspondentes na lingua portugueza, indispensavelmente havião de ser suppridas por outras que pouco mais ou menos reproduzissem os mesmos sons. Deve, porém, notar-se que não só esta circumstancia influío na corrupção que observamos nas vozes arabicas, adoptadas pelos portuguezes, mas tambem, e talvez principalmente, o pouco conhecimento que os nossos primeiros authores tiverão do caracter da sua lingua materna.-Fr. João de Sousa parece ter tido muito em vista estes principios, segundo concluimos das ponderações que faz a este respeito; o que muito abona em verdade o seu trabalho.

Suum cuique. Nos «Vestigios» as palavras precedidas do signal S são adiccionadas por Fr. José de Santo Antonio Moura,

e as que levão o signal † forão subministradas pelo Sr. D. Francisco de S. Luiz.

Pelas citações de authores que se encontrão nos «Vestignios » e de que no principio se apresenta o catalogo, vê-se que forão consultados muitos dos nossos classicos, historiadores, chronistas, e bem assim differentes Diccionarios e obras scientificas.

Passemos agora a fazer ponderações de outra ordem, que lamentamos não encontrar no prologo da importante obra de que estamos fallando.

Os profundos trabalhos dos ethnographos modernos têem demonstrado que do conhecimento das linguas, e do seu exame comparativo, póde tirar-se grande partido em beneficio das indagações historicas e geographicas, e até das scientificas. Nestal conformidade está consagrado em ethnographia o seguinte principio, que pode ser applicavel até certo ponto á nossa hypothese: «Un philologue veut-il savoir de quel peuple telle ou telle nation a reçu sa civilisation? Il examine les mots de son vocabulaire qui expriment les animaux domestiques, les métaux, les fruits et les plantes économiques, les instruments aratoires et autres choses semblables, ceux qui désignent les idées morales et méthaphisiques, ceux qui se rapportent aux divinités, aux sacrifices, aux fètes, aux dignités, au gouvernement, à la guerre, à la législation, au commerce, à la navigation, à la littérature et aux sciences; il les compare avec les mots correspondans dans d'autres langues, et s'ils sont identiques ou ressemblans, il en déduit que cette nation a reçu sa civilisation primitive, sa religion, son systéme politique ou sa littérature, de telle ou telle autre. (Balbi. Introd. à l'Atlas Ethnographique).

Dissémos que este principio póde ser applicavel até certo ponto á nossa hypothese, por isso que he elle concebido em tal generalidade e extensão, que não póde referir-se na sua totalidade á lingua portugueza, com referencia ao arabe, visto como o portuguez se deriva essencialmente do latim, e só recebeu dạ lingua arabica uma influencia muito parcial. He, porém, certo, que essa influencia, embora muito parcial, he caracteristica e fortemente pronunciada. Um portuguez, que se deu com grande empenho ao estudo da nossa lingua, o Doutor Constancio, forneceu a M. Balbi alguns esclarecimentos, que muito fazem ao nosso caso: «D'après le nombre et la nature des mots arabes, diz elle, «introduits par les Maures dans les Dialectes du latin qu'on par

<<lait dans la péninsule hispanique avant l'invasion des peuples ma«hométans, il est aisé de se convaincre de la grande influence que «<les arabes exercèrent sur la civilisation des nations Hispano<«<lusitaniennes, dont l'ignorance et la grossièreté formaient un «contraste frappant avec leurs conquérans policés, et aussi ins«<truits dans les arts qu'habiles dans l'administration et la guerre. «En effet, la plupart des mots arabes qui sont restés incorpo«rés dans l'espagnol et le portugais, désignent des charges ci<«<viles, des emplois municipaux, des grades militaires, ou bien cappartiennent à la chimie, à la botanique, à l'agriculture, aux <<poids et mesures à la médicine, à la navigation, aux arts et

<métiers.>>

Muitos exemplos comprovão esta asserção; por brevidade, porém, contentar-nos-hemos com as seguintes palavras: Almoxarife, a qual, segundo o nosso Fr. João de Sousa, vem da palavra arabe Almaxarraf, e vale tanto como eminente, condecorado, constituido em dignidade, honrado, etc.-Almotacel, do arabe Almohtacel, moderador dos preços dos mantimentos; curador, edil.-Alcaide, do arabe Alcaide, vem do verbo Cáda, capitanear, governar, puchar por um exercito, marchar na frente delle.-Alféres, do arabe Alfáres, cavalleiro.-Arrais, Arráes, do arabe, Arraies, o capitão de uma embarcação, ou patrão de uma lancha; vem do verbo rasa, que significa ser eleito por cabeça, chefe, ou governador de um povo.-Almiranta; nem esta palavra, nem Almirante, vem nos «Vestigios.» Parece, porém, ser effectivamente palavra arabica, como se lê no Diccionario Castelhano, onde se diz que vem do nome arabe amil, ou emir, que significa o cabo ou capitão. O nosso Diccionario da Academia tambem o considera assim, e cita em abono desta etymologia Barros, Severim, e Villas Boas.—Alambique, do arabe Alambique; he voz grega, com artigo al arabico.-Almofariz, do arabe Almohrés, derivado do verbo harasa, pizar, maxucar, esmagar. Alqueire, do arabe Alqueile, derivado do verbo cála, medir.-Arroba, do arabe arrobó, derivado do verbo rabbaá, dividir em quatro partes.—Almude, do arabe Almodde, medida dos aridos que corresponde ao nosso alqueire, etc. etc.—Alfandega, do arabe alfandaq, que significa hospicio publico, onde os mercadores estrangeiros se aposentão com as suas mercadorias. Tambem em algumas terras do Oriente, nessas alfandaquas se cobrão os direitos reaes, e nesta accepção se usa entre nós.

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E aqui vem a proposito observar que o «Diccionario da Academia» servío de muito a Fr. João de Sousa, para a formação dos «Vestigios», em todas as palavras que começão pela letra A; pois que no Diccionario são indicadas com todo o cuidado as origens arabicas das vozes portuguezas, e abonadas com authoridades competentes. Novo motivo he este para lamentar que um livro tão precioso não fosse levado ao cabo!

Desejáramos que Fr. João de Sousa se tivesse demorado mais em caracterisar a diversidade de pronunciação das linguas castelhana e portugueza, resultante da diversa influencia do arabe nas duas linguas. He certo que fallando de uma das quatro lettras do alphabeto arabico, mais difficultosas de pronunciar, o nosso author compara a sua pronunciação com o J e com o G dos castelhanos, nas palavras ojo, orejas, Angel, Arcangel, -que são proferidas do fundo da garganta com violento esforço; em quanto que no portuguez não ficou similhante pronunciação. Isto, porém, não basta; e parece-nos conveniente encher esta lacuna com o excellente artigo do Doutor Constancio, a que acima alludimos, cortando-lhe tudo o que elle escreveu para se fazer entender de leitores francezes. «Les Espagnols ont con«servé les aspirations et les sons gutturaux de l'arabe (le h, le «x, le j), tandis que les portugais les ont adoucis en changeant «l'aspiration h en f, et le jota en lh. Exemple: Ajujéro espag«nol-agulheiro portug., Aguja, agulha; albaja-alfaia; «almohada-almofada.-Les portugais ont aussi substitué le s <<français au e espagnol, dont la prononciation ressemble à celle «du theta grec ou du th anglais dans thrink-Ex.: Aceite«azeite; Arancel-Aranzel..... Le x espagnol, qui répond au «<son guttural arabe, a été remplacé en portugais par le son ch, «quoique la lettre x ait été souvent conservée en portugais. «Ex.: oxalá se prononce ochalá en portugais.-Il est à propos «de remarquer que la prononciation rude de l'arabe a surtout «prévalu en Espagne, où elle a modifié la plupart des dialectes «du latin, en les rendant gutturaux et pleins d'aspirations. Les «Catalans, les Galliciens et les Portugais, se sont au contraire «rapprochés de la prononciation de la langue romane ou pro«vençale: les derniers seuls ont admis les diphtongues compo«sées d'un son nasal suivi d'une voyelle sourde telles que pão, «e mãe............. Il y a quelques mots dérivés de l'arabe, qui s'écri«<vent par les mêmes lettres en espagnol et en portugais, et se <<prononcent à peu près de même, Algalia, Arrabalde etc.

....

«Beaucoup d'autres s'écrivent par les mêmes lettres dans les «deux langues, se prononcent toutefois très diversement dans «<chacune, par la différente valeur du x, du z, du ç, de l'h et «du g en espagnol et en portugais. L'orthographe de la plupart «des mots arabes différe dans chacune des deux langues.—La «Langue portugaise a admis et peut-être emprunté entièrement «à l'arabe les voyelles nasales et les diphtongues de même na«ture, dont le son est si désagréable, et dont les dernières ne «se trouvent, je crois, dans aucune autre langue d'Europe. Le «caractére nommé til, qui marque le son nasal d'un voyelle en «portugais, semble n'ètre que le signe arabe du nasillement ou «simplifié et placé en travers, au lieu d'ètre posé selon sa hau

«<teur.>>>

A respeito do caracter Til, apenas encontrámos nos «Vestigios» a seguinte explicação, que em verdade achámos excessivamente laconica e deficiente:

S

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Esta mesma nota texdid corresponde ao nosso Til cujo officio he supprir a falta da lettra m, ou n, seja em verbo, ou nome, quando occorrem as duas lettras dupplicadas, assim como Joanna, Marianna, immutavel, que se podem escrever com um m, ou n desta sorte, Joana, Mariana, imutavel, e outros.

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(Veja-se «Vestigios » etc.- Nota que se segue à palavra á adail sobre a natureza dos verbos arabicos.)

Parece-nos bastante o que temos dito para fazer sentir a utilidade da obra do nosso author, que elle recommendou no Prologo à benevolencia dos leitores, dizendo: «Todos sabem, que «não se póde saber uma lingua ignorando-se a propriedade dos «vocabulos, nem esta se alcança sem o estudo etymologico.»> Accrescentaremos sómente que muitos artigos dos «Vestigios>> abundão em erudição e proveitosas noticias.

O Sr. Francisco Recreio leu na Academia um supplemento aos «Vestigios da Lingua Arabe em Portugal.» Esta obra não foi ainda dada á estampa, o que muito lamentamos, porque quizéramos dar noticia della neste nosso apoucado trabalho.

Igualmente o Sr. Manuel Rebello da Silva offereceu á Academia um Compendio Grammatical da Lingua Arabe, no qual corrige e addiciona a Grammatica que até agora tem servido para o ensino desta lingua, e cuja edição está exhaurida.—Não a vimos, e cremos que ainda não corre impressa; alegrâmo-nos porém com esta boa nova, como sendo indicio de que ainda entre nós se consagra algum amor aos estudos da lingua arabe.

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