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Na «Refutação» cita-se no mesmo sentido, mas com referencia á lingua portugueza, o exemplo de que amava e arvore são mais chegados ao latim do que aimait e aubre do provençal; e de haver este despresado as fórmas sonoras dos termos romanos, fazendo de aurum, or,—de collum, col,- de versus, vers, de ferrum, fer etc.

«Si vous prenez, continúa M. Villemain, beaucoup d'autres mots, vous trouverez que, dans les langues espagnole et italienne, ils n'ont subi qu'un léger changement, parce detoria, et se sont conservés plus près du latin que dans la langue romane; ce qui prouve qu'elle ne leur a pas servi de communication et de passage.»>

E com effeito, fôra impossivel que nessa lida de alteração e corrupção da formosa lingua latina, trabalhassem todos os povos do meio-dia da Europa, segundo um plano uniforme! Que houvesse concordancia no fim a que se propunhão esses operarios de deconstrucção, ninguem o póde negar, porque todos atiravão ao alvo da simplicidade e da clareza; mas, que houvesse uniformidade nos accidentes das multimodas variações das linguagens que cada povo hia adoptando....... eis o que parece inverosimil, se não absurdo.

D'outra sorte viria a ser a lingua provençal a lingua commum da Europa-o que de certo nunca foi, como o observa o Sr. Garrett na Carta escripta aos dois Socios do Conservatorio, que já citámos: «Ellis, o famoso litterato collector de romances e balladas inglezas, define a lingua romance ou roman;«todos os dialectos das provincias europeas do imperio, cuja base era o latim vulgar, quaesquer que fossem os outros ingredientes que na mesma composição entrassem.» (Leurs, Essay on the origin of the romance lenguage, 1835). Esta he tambem a opinião de Schlegel contraria á de Raynouard que queria fazer o provençal a lingua commum da Europa. O que de certo nunca foi.»

Sobre esta questão especial he mister vêr as seguintes obras:
ÉLÉMENTS DE LA GRAMMAIRE DE LA LANGUE ROMANE,
AVANT L'AN 1000, PRÉCÉDÉS De recherches sur l'ori-
GINE ET LA FORMATION DE CETTE LANGUE.-Par M.
Raynouard.-Paris. 1816.

GRAMMAIRE ROMANE, OU GRAMMAIRE DE LA LANGUE DES
TROUBADOURS.Par M. Raynouard.-Paris 1816.

CHOIX DES POÉSIES ORIGINALES DES TROUBADOURS. (Pelo mesmo Author.)

LEXIQUE ROMAN OU DICTIONNAIRE DE LA LANGUE DES
TROUBADOURS, comparée avec les autres LANGUES DE
L'EUROPE LATINE, PRÉCÉDÉ DE NOUVELLES RECHERCHES
HISTORIQUES ET PHILOLOGIQUES, D'UN RÉSUMÉ DE LA
GRAMMAIRE Romane, d'un noUVEAU CHOIX de poésies
ORIGINALES DES TROUBADOURS, ET D'EXTRAITS DE POE-
MES DIVERS.-Par M. Raynouard.-Paris 1838.
COURS DE LITTÉRATURE FRANÇAISE. LITTÉRATURE DU
MOYEN-AGE, EN FRANCE, EN ITALIE, EN ESPAGNE, ET EN
ANGLETERRE.-Par M. Villemain.-Paris 1830.
OBSERVATIONS SUR LA LITTÉRATURE PROVENÇALE.-Par
M. A. W. de Schlegel. (Este erudito escripto vem no in-
teressante livro, que tem por titulo: «ESSAIS Littérai-
RES ET HISTORIQUES, par M. A. W. de Schlegel. Bonn.
1842.»)

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Juiso critico sobre a opinião dos que sustentão a origem celtica da nossa lingua. «Admittindo o principio, aliás falso, diz o Sr. A. Herculano (Introd. á Hist. de Port.), de que as filiações das linguagens humanas se devem exclusivamente buscar nas similhanças de syntaxe, e concedido que na realidade se dão grandes differenças de indole entre o portuguez e o latim, a consequencia legitima disso fôra unicamente que deste não proviera aquelle. Para provar, porém, a sua origem celtica, era necessaria mais alguma coisa: devia-se expôr a indole da antiga linguagem dos celtas de Hespanha, e achar as analogias intimas entre essa linguagem e a nossa, e o contraste de ambas com o latim. Eis o que se não fez, e o que he impossivel fazer-se. A hypothese de que o portuguez procede do celtico tem a ruina na base. Essa lingua primitiva passou sem deixar monumentos: o que hoje subsiste he um certo numero de dialectos, que se crêem celticos, mas cuja similhança relativa com o idioma de que procedêrão, ninguem ousaria determinar, tanto mais que entre elles se dão gravissimas differenças. He o ersa, o gaélico, o armorico, ou o welsh o representante mais proximo do antigo celtico? Era esta uma lingua commum a todos os povos da mesma raça, ao menos dos que estanceavão pela Peninsula? Sobre taes questões apenas se poderão fazer conjecturas mais ou menos arriscadas, et

que todavia fôra preciso resolver com clareza de converter a hypothese em these. Isso, porém, repetimo-lo, he impossivel, posto que uma passagem de Strabão (Utuntur et reliqui hispani grammatica, non unius omnes generis: quippe nec codem quidem sermone), passagem de que aliás os defensores das origens celticas crêrão tirar vantagem, decidiria negativamente a segunda, se por ventura se admittisse que o geographo grego alludia nesse logar a variedades da lingua celtica. Em tal caso importaria determinar de um modo positivo qual dessas linguas diversas, de que se crê que elle falla transfundiu para a da nossa lingua.»

Alatinar as palavras da lingua portugueza.—O Sr. S. Luiz disse na sua «Memoria» que os nossos escriptores se deixárão por ventura levar de uma especie de admiração e respeito supersticioso para com os romanos, e talvez assentárão, que era glorioso á lingua portugueza tirar a sua origem de um povo, que subjugára tantos outros, e que em toda a parte fizera temidas as suas armas, e obedecidas as suas leis. Cita as palavras pae e mãe, dizendo que os nossos escriptores quizerão em vão tira-las da sua nativa simplicidade, para lhes dar a fórma latina padre e madre; mas que a despeito da innovação systematica, voltárão ao estado, provavelmente primitivo, deixando as fórmas latinas á linguagem ecclesiastica, aonde ainda se conservão.

«Bem longe de se alatinarem as palavras, responde o author da «Refutação», por innovação systematica, para as aproximar do latim, pelo contrario, he disso precisamente que os nossos fugião. A prova acha-se no cap. 99 do Leal Conselheiro, em que o Sr. D. Duarte entre os preceitos da traducção nos dá o seguinte: Ossegundo que non ponha palauras latinadas, nè doutra lynguagem, mas todo seja nosso lynguage scripto mais achegadamente ao geeral boo costume de nosso falar que se poder fazer.-Quem isto aconselha, nem elle nem os seguintes authores escreverião constantemente padre e madre se este não fosse o fallar mais achegado ao bom e geral costume, e esta fórma não fosse a primitiva. Que ella o he, não precisa de prova; porque todo o mundo sabe que as nossas palavras procedem regularmente do ablativo latino, e algumas do nominativo, em menor numero. As linguas modernas tem-se aperfeiçoado á medida que tem perdido as fórmas latinas, e a este aperfeiçoamento he que devemos as palavras pae e mãe, e muitas outras mais suaves ou mais harmoniosas do que as primitivas: assim oito, noite,

reino, são mais doces do que octo, nocle, regno, etc. » (Nota 52, pag. 75.)

Os cinco mappas polyglottos de M. Balbi.-Ao author da «Refutação» não escapou apresentar como argumento da origem latina da nossa lingua, o processo genealogico que a respeito de quasi 700 linguas e dialectos empregou M. Balbi no seu «Atlas Ethnographique.»-O argumento consiste na seguinte idéa:tomando-se 26 palavras verdadeiramente essenciaes, que exprimão as idéas mais simples, e sem as quaes seja impossivel ao homem viver no estado social, e confrontando-as com as suas correspondentes de outras linguas, obter-se-ha o conhecimento das relações mais ou menos intimas entre as diversas linguas. -¿Quaes palavras escolheu M. Balbi? As seguintes: Sol, Lua, Dia, Terra, Agua, Fogo, Pae, Mãe, olho, cabeça, nariz, boca, lingua, dente, mão, pé, um, dois, tres, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez.-¿Quaes palavras correspondem a estas no latim? As seguintes: Sol, Luna, Dies, Terra, Aqua, Focus (ignis), Pater, Mater, oculus, caput, nasus, bucca (os), lingua, dens, manus, pes, unus, duo, tres, quatuor, quinque, sex, septem, octo, novem, decem.—¿Quem não vê as mesmas palavras nas duas linguas? Quem não vê a derivação facillima que ao primeiro intuito se conhece entre vocabulos dos dois idiomas, vocabulos que designão os objectos mais interessantes ao homem, e indispensaveis ao tracto social?

Confrontemos agora os 26 vocabulos portuguezes, com os correspondentes do gaélico, e do welsh, representantes do antigo celtico:

PORTUGUEZ. Sol. Lua.

Dia.

Terra.

Agua.

Fogo. Pae.

GAÉLICO. Grian. Gealach. La; Latha. Ter, fonn, talamah. Uisge, a, abh. Teine. Athair,
WELSH.
Haul, tes Llenad. Dydd.

Tir, daiár.

Dwr, aweddo. Tan. Tadwys, tad

Mas para não cançarmos os leitores, não continuaremos na confrontação, e os remettemos para o Tableau Polyglotte des Langues Européennes do Atlas Ethnographique de M. Balbi; ahi verão que a dessimilhança entre o portuguez e o celtico prosegue tão pronunciada nas demais palavras, como nas que deixamos mencionadas.

As 26 palavras escolhidas por M. Balbi são mais do que sufficientes para fazer conhecer a familia a que uma lingua pertence; mas deve notar-se que este expediente só foi empregado para

servir de regra nas linguas, a respeito das quaes não ha outros documentos, pois que nada adianta em quanto á classificação systematica dos dialectos de cada lingua, nem em quanto á demarcação que separa duas linguas muito similhantes, como por exemplo a castelhana e a portugueza. Vê-se pois que esta regra, se não he applicavel as hypotheses que acabamos de apontar, he todavia muito concludente para estabelecer entre o latim e o portuguez esses laços de familia, que se pretendem demonstrar; ao passo que assignala a pronunciada diversidade que se dá entre a nossa lingua e a celtica.-Note-se igualmente que, se M. Balbi tratasse de confrontar sómente o latim com as linguas derivadas dessa origem, poderia fazer uma vastissima escolha de palavras; mas o seu intento foi comparar 700 linguas e dialectos, e por isso escolheu 26 palavras, e designadamente as que preferiu, por isso que são aquellas que effectivamente os viajantes recolherão no maior numero de linguas, incluindo as dos selvagens. Demorámo-nos neste ponto um pouco mais do que o author da «Refutação», porque se trata de um assumpto que precisa de ser bem esclarecido.

Idioma dos nossos documentos e monumentos.- -Não he debaixo do ponto de vista da Paleologia e Diplomatica, que apresentamos as seguintes breves indicações dos nossos documentos e monumentos, mas sim como argumento linguistico, o qual terá tanto maior força na hypothese de que tratâmos, quanto esses esclarecimentos são fornecidos por um author que impugna a origem latina da nossa lingua, e admitte a conservação da lingua original das Hespanhas atravez da dominação romana, e ainda dos godos, suevos e arabes.—João Pedro Ribeiro, na Dissertação 5.a, que já citámos em um dos artigos antecedentes, considerando os nossos documentos com relação ao idioma, assigna duas epochas: -1.a Até o estabelecimento da Monarchia;— 2.a Desde aquelles tempos, e principios do seculo XII até o presente. -A primeira epocha he por elle dividida em 4 periodos:— 1.° Até o estabelecimento pacifico dos romanos na Hespanha no 1 seculo christão;—2.o Até á invasão dos barbaros no v seculo;3.- Desde o v até o VIII seculo, em que entrárão os arabes;— 4. Do tempo do captiveiro dos mouros, e reinados dos reis de Leão e Galliza, até o estabelecimento do nosso reino. A 2.a epocha he tambem dividida em 4 periodos, sendo o 1.o desde o Sr. Conde D. Henrique até o Sr. D. Affonso 111, o 2.o desde o Sr. D. Diniz até o fim do reinado do Sr. D. Affonso v; o 3.o desde

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