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E comtudo o resultado não foi outro senão o de ficarem entre os hespanhoes muitos vocabulos, phrases, idiotismos, e modos do fallar arabes, que aliás não extinguirão o seu idioma natural.

Conclusão. Parece, pois, inadmissivel o privilegio que se entende tiverão os romanos de fazerem esquecer aos habitantes indigenas a lingua natural, para adoptarem um idioma estrangeiro.

Differença de genio, indole e caracter das duas linguas.-Reconhecida a intima e essencial ligação que tem a linguagem com o pensamento, he obvia a difficuldade, ou antes impossibilidade da mudança total da linguagem antiga portugueza para a latina, maiormente dando-se entre ellas tamanha differença de genio, indole e caracter.

¿Em que consistem o genio, a indole e caracter dos varios idiomas? Em que consiste aquelle pensar proprio de cada um delles?-Na estructura e construcção desses idiomas,-na ordem e ligação com que dispõem os seus vocabulos, a fim de fazerem mais clara e energica a imagem do pensamento,―nas differentes fórmas grammaticaes, com que modificão os vocabulos, -no emprego e logar que lhes dão no discurso. Não são, diz Girard, os vocabulos que as linguas tomão umas das outras, nem as etymologias, que nos hão de dar a conhecer a origem e o parentesco dos idiomas; mas sim o genio e caracter de cada um.

Comparemos debaixo deste aspecto as duas linguas:

Casos.-A lingua portugueza não tem (senão sómente em alguns pronomes) aquellas variadas fórmas, a que os grammaticos latinos chamão casos, e pelas quaes exprimem, bem como os gregos, em um só e o mesmo vocabulo, varias e differentes relações da mesma idéa.

Transposição.—Carece, por consequencia, da ampla liberdade de que a lingua latina usa na sua construcção, e não lhe são naturaes e proprias as inversões, que encontrâmos nos nos¬ sos escriptores, principalmente dos seculos xiv, xv e xvi.

Verbos.-He differente o uso que cada uma das duas linguas faz dos verbos:

Têem os latinos as vozes passivas dos verbos formadas das proprias vozes activas, modificadas com diversas terminações; e os portuguezes não têem essas particulares fórmas.

Se os verbos auxiliares, empregados na formação das vozes

passivas, privão a lingua portugueza da concisão latina, por outro lado dão-lhe a vantagem da variedade, e de maior exactidão de pensar; assim, por exemplo, a fórma latina lego póde ser reproduzida no portuguez do seguinte modo: leio, estou lendo, ando a lér, venho de lér, etc.

O verbo auxiliar estar, que de algum modo póde considerar-se um como segundo verbo substantivo, exprime uma idéa de coexistencia no estado actual, que não se reproduz no latim com igual simplicidade. Assim, dizemos Pedro he doente, Pedro está doente, e o latim diz sempre Petrus est, etc.

He particularissimo o idiotismo com que a lingua portugueza dá á fórma dos verbos no infinitivo as inflexões proprias e caracteristicas das pessoas e dos numeros, fazendo, v. g., do infinitivo ser as fórmas pessoaes e numericas seres, sermos, serem.

Adverbios.-Admira, que, sendo a lingua portugueza filha primogenita da latina (como querem), não herdasse della uma só das fórmas ou terminações em ter dos adverbios latinos; adoptando em logar dellas a terminação mente, que, por erro etymologico, se tem pretendido derivar do ablativo latino de mens.

Comparativos, superlativos, diminutivos, augmentativos, particulas. He igualmente para admirar que não passassem do latim ao portuguez senão tres ou quatro fórmas comparativas em or; que só no seculo xv se adoptassem as fórmas superlativas ou ampliativas em issimo, tão frequentes no latim; que engeitasse quasi todas as terminações diminutivas e augmentativas dos vocabulos latinos, conservando as suas proprias, ou adoptando outras, que certamente lhe não vierão do latim.

Idiotismos, adagios, rifões.-Temos na lingua portugueza um grande numero de idiotismos ou phrases particularissimas, e não menos de adagios, annexins ou rifões, que se não podem traduzir em latim senão abandonando o sentido litteral.

Artigos. Fomos buscar na imitação das melhores linguas da antiguidade os artigos indicativos o, a, os, as, que a nossa presumida mãe ignorava quasi de todo.

Vocabulos vindos do latim.-Os vocabulos e fórmas que a lingua portugueza tomou da latina, nem são tantos em numero, como vulgarmente se suppõe, nem servem todos para demonstrar a supposta filiação. ¿Por que rasão? Por que desse numero devem riscar-se:-1.o, as interjeições, as quaes, de sua natureza, forçosamente se hão de achar, em grande parte, identicas e invariáveis em qualquer idioma; -2.0, os onomatopeicos, ou

imitativos dos sons, ou das outras qualidades sensiveis dos objectos, taes como assobio, grasnar, huivar, grunhir, etc., communs a todos ou a muitos dos idiomas;-3.°, a numerosissima familia dos que compõe o diccionario da infancia, formados de articulações labiaes, identicos ou similhantes, tanto como indispensaveis, communs a todas as linguas, e não susceptiveis de derivação de uma para outra lingua;-4.o, os que têem no portuguez uma raiz donde facilmente podião ser trazidos pelo natural artificio do idioma;-5.o, os que a lingua portugueza derivou e compoz d'um só, ou de poucos vocabulos latinos, v. g., de pedra, pedraria, pedregulho, pedrisco, etc.;—6.o, os que nós e os latinos tomamos da lingua grega;-7.°, os que sendo proprios da antiga lingua lusitana, passárão ao latim.

Introducção no portuguez de pequeno numero de vocabulos antigos.-Vem, pois, a ficar muito reduzido o numero dos vocabulos portuguezes, que em rigor se podem ter como derivados do latim; muitos, porém, desses mesmos, que em realidade nos vierão daquelle idioma, não servem para provar a supposta filiação, porque forão trazidos ao portuguez muito depois da epocha em que se suppõe haver o latim sido vulgarmente usado em Portugal. Nisso tiverão parte os nossos escriptores dos seculos XV e XVI, que trabalhárão em formar, enriquecer e polir o idioma patrio, á custa da lingua latina.

Vocabulos pertencentes á lingua ecclesiastica, á jurisprudencia. Muitos dos vocabulos, tomados immediatamente do latim, pertencem á linguagem ecclesiastica, e outros muitos á da jurisprudencia, e todos estes, constituindo um como idioma universal na Europa, não podem provar a filiação de nenhuma lingua particular.

Juizo sobre certas composições latinas-portuguezas.- Essas composições affectadas e ineptas, que se diz serem juntamente latinas e portuguezas, taes como:

O quam divinos acquires terra triumphos,
Tam fortes animos alta de sorte creando, etc.

nem são verdadeiro latim, nem verdadeiro portuguez, porque não têem o caracter, nem seguem as leis de um ou outro idioma.

ORIGEM LATINA; IMPUGNAÇÃO Dos argumentoS PRECEDENTES; EXTRACTO DA «REFUTAÇÃO. »

Provas historicas.

Egypto. Se o Sr. S. Luiz quizesse fazer um argumento procedente, não he aos persas, gregos e romanos que o devia ir buscar, mas sim aos actuaes dominadores do paiz: devia provar que o Egypto, depois da conquista de Amrou em 640, apesar da dominação constante dos arabes, ainda hoje conservava a antiga lingua coptica.-Vej. Volney, Voyage en Syrie. tom. 1.° cap. 5.o, e do que elle diz se concluirá:-1.°, que o grego era a lingua que se fallava no imperio dos califas no VII seculo;2.o, que a lingua coptica está inteiramente perdida ha muitos seculos, apesar da supposta impossibilidade que se julga haver para isso. Isto he tambem confirmado pelo Glossario Coptico de Jablonski.

Hebreus.-O exemplo dos hebreus não he concludente, por que se trata de um povo sui generis, cuja consolação unica, no meio do vexame dos seus oppressores, era a religião de seus paes; e he uma lei geralmente reconhecida em linguistica, que a lingua do povo vencido se conserva quando a sua religião continúa a subsistir.

Regiões septentrionaes da Africa.-Tambem não tem força o argumento, fundado na authoridade de Santo Agostinho, de que os carthaginezes conservavão ainda a lingua punica no fim do seculo IV e principios do v, maiormente nas povoações ruraes. A essa authoridade oppõe-se a do mesmo Santo Agostinho, o qual, prégando em Africa, dizia: Proverbium notum est punicum, quod quidem latine vobis dicam, quia punice non omnes nostis; punicum enim proverbium est antiquum: Numum quærit pestilentia: duos illi da, et ducat se; donde se conclue que já no seu tempo era o carthaginez uma lingua morta, visto como carecia de traduzir em latim um proverbio punico para se fazer entender. 1

1 Em confirmação devemos accrescentar, que já no 11 seculo Carthago era chamada a Musa de Africa; e já Apuleio dizia: Quæ autem major laus aut certior quam Carthagini benè dicere, ubi tota civitas eruditissimi estis? (Luc. Apul. Florida Lib. 4.) O eloquente M. Villemain, fallando da « Eloquencia Christan no 4.o seculo» diz estas significativas palavras: « On ne se figure ordinairement d'autre Carthage que celle d'Annibal. Mais il ne faut pas oublier que l'ancien territoire

Phenicios e carthaginezes.-O que se diz dos phenicios e carthaginezes tambem não he concludente, porque os negociantes aprendem a lingua dos povos com quem negoceião, e não estes a daquelles. Por certo que taes povos não tiverão tamanho, tão longo, e tão pacifico trato comnosco, qual o que, ha seculos, entretemos com os inglezes... e comtudo, quantas palavras inglezas temos no nosso diccionario?

Alvaro Cordovez e Santo Eulogio.—As duas citações de Alvaro de Cordova e de Terreros y Pando são contraproducentem, por isso que, em vez de provarem que o latim nunca fôra vulgar nas Hespanhas, provão o contrario. O segundo, por exemplo, diz que naquella parte das Hespanhas, que ficou debaixo do imperio dos moiros, se tornára vulgar a lingua arabe, esquecida a latina, propria, diz elle, da nação e da religião, como lamenta em suas obras o martyr Santo Eulogio, eleito arcebispo de Toledo. 1

Vasconco, catalães e valencianos, Fuero Jusgo.-He opinião de Mayans y Siscar (Origenes de la lengua española), que a maior parte do vasconço, bem averiguadas as suas raizes, tem origem latina. Os catalães e valencianos fallam a lingua provençal ou limosina, filha igualmente da latina, como a nossa, mais differente na orthographia e pronuncia do que no material das palavras. O Fuero Jusgo tambem prova que o latim fôra vulgar nas Hespanhas, porque este Codigo regeu toda a Hespanha Gothica, e só foi traduzido em vulgar no anno de 1241.

Rasões philologicas.

¿Qual he a rasão particular, ou antes esse privilegio, que, a respeito da introducção do idioma dos romanos, se dá?-Pergunta-se qual foi o privilegio que os romanos tiverão para transmittirem a sua lingua ás Hespanhas... Esse privilegio foi a religião, forão as predicas, e a liturgia christa. Nem he tão raro fazerem-se nas linguas mudanças substanciaes e absolutas, como póde vêr-se em Balbi, Introduct. à l'Atlas Ethnogr. du Globe. He terminante a seguinte passagem de Strabão: Turdetani autem, maxime qui ad Batim sunt, plane romanos mores as

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de cette république formait une vaste contrée, où se conservait une partie du peuple indigène et quelques restes de mœurs et de la langue punique; mais où le gouvernement, les tribunaux, les spectacles, le luxe étaient importés de Rome. » 1 Eheu latini linguam propriam ignorant.

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