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-DUARTE DE RESENDE.-« Traducção dos Tractados da Amizade, Paradoxos, e Sonho de Scipião de Cicero. »

Na Dedicatoria diz que nenhuma das linguas de Hespanha se avantaja á nossa para tratar de graves e excellentes materias.

Observarei de passagem, que muito recreia a leitura deste livrinho. Os bellos e philosophicos pensamentos de Cicero, como que nos aprazem mais, reproduzidos na ingenua e desaffectada phrase do traductor portuguez.

FRANCISCO DE MORAES. «Chronica de Palmeirim d'Inglaterra. >>

No prologo louva a lingua portugueza pela capacidade de palavras.

Os gabos de Moraes são de grande valia, pois que a Chronica de Palmeirim de Inglaterra he escrita com uma pureza, correcção e elegancia taes, que nada deixão a desejar. Em quanto houver bom gosto, será sempre lida com deleite uma obra, em que a cada passo se encontrão bellezas de dicção, como as dos seguintes trechos:

«<..... e as paredes da parte de fóra cobertas de era, que << trepava por ellas tão verde e tecida nas mesmas pedras, que, << além de darem graça á antiguidade do edificio, o sostinhão que << de todo não cahisse. >>

«

<< Cada um houve tamanha vergonha de ver que sua porfia <«< durava tanto, que, deixando as espadas, que de bôtas não cor«<tavão, se travarão a braços. >>>

.....

«........... alli estava de cuidados tão acompanhado, e tão sóo, <«<té que a lua se pôs, a tempo que já os ruysinóes e outros pas<«<sarinhos alegres manifestára a chegada d'alvorada com sua doce << harmonia. >>>

<< Era tão bem desposto, e gentil homem de rosto, que dava <«<azo a o olharem com affeição.

ANTONIO FERREIRA.-« Poemas Lusitanos. >>

Citar os louvores, que á lingua portugueza teceu Ferreira, fôra quasi transcrever todas as obras d'um escriptor, que, dando á patria tantos versos raros, um só nunca lhe déo em lingua alheia. Ferreira foi o mais desvelado cultor que tem tido a nossa lingua, chegando a possuir-se de enthusiasmo, de paixão, e diria até de furor nos combates contra os que a menospresavão:

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«E nós ainda estaremos duvidando?

«E o vivo fogo, que se em nós levanta,

«A outra lingoa, ah crueis! iremos dando?»>

Esse patriotico empenho, esse porfioso lidar tornárão-no digno de que a posteridade consagrasse com a sua approvação o vaticinio de outro poeta:

<«<Ah! Ferreira, dirão, da nossa lingoa amigo. >>

Foi Ferreira quem escreveu estes sentidos versos:

Docemente suspira, doce canta

A Portugueza Musa, filha, herdeira
Da Grega, e da Latina, que assi espanta.

-DIOGO BERNARDES.-« Lima. »>-Carta 4.

·Ditosa lingoa nossa, que estendendo
Vás já teu nome tanto, que seguro
Inveja a toda outra irás fazendo.

-Pedro de MagALHÃES DE GONDAVO.-«Dialogo em defensão da lingoa portugueza. »

Demonstra que a nossa lingua se avantaja á castelhana, e he de todo ponto propria para todos os estylos, sobre ser muito suave. He curiosa a ultima coarctada que um dos interlocutores do << Dialogo >> dá a outro que pugna pela superioridade da lingua castelhana:-<<Emfim, que se alguma (lingua) com razão se póde <«< chamar barbara, he a vossa, a qual toma da lingua arabiga a << maior parte dos vocabulos, fallais de papo, com aspiração; e <«<assi fica huma lingoagem imperfecta, e mais corrupta do que «< vós dizeis que a nossa he.»

-DUARTE NUNES DE LEÃO.-«Origem da Lingoa Portugueza. »

Diz que as linguas de Galliza e Portugal erão antigamente quasi uma mesma, mas que posteriormente a nossa se avantajou muito áquella na cópia e elegancia, o que attribue á circumstancia de ter havido em Portugal Reis e Côrte, que he a officina onde os vocabulos se forjão e pulem, e donde manão para os outros homens.

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De proposito omitto o que este e outros authores dizem da nossa lingua, suppondo-a filha da latína, porque reservo esses apontamentos para quando chegar a vez de tratar aquella questão.

O que, porém, não posso deixar de fazer notar já, he que Duarte Nunes de Leão, e varios escriptores nossos, tanto dos já mencionados, como dos que posteriormente hei de mencionar, tinhão em grande conta a nossa lingua, e a encarecião, considerando como um titulo de gloria a circumstancia de ser fallada na Europa, na Africa, na Asia, na America, e em differentes Ilhas do Oceano. He assim que Duarte Nunes de Leão, arrebatado de enthusiasmo patriotico e religioso, applicava aos portuguezes o que diz o Psalmista: In omnem terram exivit sonus eorum, et in fines orbis terræ verba eorum.-Se este juizo não tem grande valor á luz da philologia, he comtudo respeitavel, como inspirado pelo santo amor da patria, e por venerandas crenças religiosas, lisongeados n'este ponto pelo facto de haver sido annunciada na lingua portugueza a doutrina do Christianismo a tantas gentes, e de tão remotas e estranhas provincias.

-FRANCISCO RODRIGUES LOBO.-«Côrte na Aldea. »>

Este precioso livro anda, felizmente, nas mãos de todos, e fòra por certo uma superfluidade transcrever aqui os louvores que elle tece à nossa lingua, bastando citar um periodo, que admiravelmente resume o seu conceito:-A lingua portugueza não desmerece lugar entre as melhores, para nella se escreverem materias levantadas, aprasiveis, proveitosas e necessarias.

....

Na occasião em que escrevo estas linhas, tenho, por acaso, diante de mim um volume das Decadas de Couto, que havia marcado ao ler a narração do naufragio da náo S. Thomé. Eisaqui as ultimas palavras d'essa narração: «.......... dando a náo hum <<arranco, como ultimo suspiro de hum moribundo, entranhou«<se pelo mar dentro, e desapparecêo para sempre com quanta «gente tinha, fica: do muita d'ella sobre a agoa bracejando, e << pelejando com a morte até que de todo se afogou.» - Uma lingua, em que se exprime com tal valentia o pensamento, tem na verdade bastante direito aos gabos do nosso grande prosador, e grande poeta bucolico, Francisco Rodrigues Lobo.

Quem não admirará a propriedade de vozes, e a viveza de expressão, que brilhão no seguinte trecho do Padre Antonio Vieira?:

=«Como póde ser, que coubessem em tão pequeno logar

<«< (a arca de Noé) tantos animaes, tão grandes e tão feros? O «Leão, para quem toda a Lybia era pouca campanha; a Aguia, << para quem todo o ar era pouca esfera; o Touro que não cabia « na praça o Tigre, que não cabia no bosque; o Elefante que « não cabia em si mesmo!»>=

-As flores, diz algures esse grande mestre da nossa lin«gua, as flores anoitécem murchas, e quasi sécas; mas com o or« valho da noyte amanhecem frescas, vigorosas, resuscitadas.

Esse mesmo athleta da palavra, querendo encarecer o merecimento da abdicação de Carlos Quinto, emprega estas energicas expressões:

« Arrima o bastão, renuncia o Imperio, despe a purpura, e tirando a coróa imperial da cabeça, poz a corda a todas as suas victorias; porque saber morrer he a maior façanha...... RecoTheo-se, ou acolheo-se ao Convento de Juste, metteo tempo entre a vida e a morte.»

¿Quem o diria? O proprio Fr. Luiz de Sousa, o mais suave, o mais mimoso dos nossos prosadores, maneja de vez em quando a lingua portugueza, com uma valentia sem igual!

Durava havia grandes horas huma desenfreada tempestade. O mar andava em serras e montes, e com tal braveza vinha quebrar em terra, que parecia quererem mar e vento sovertê-la.

E com tudo, he este o suavissimo escriptor que em todas as suas paginas sabe encantar o leitor, pela brandura e amenidade de seu magico dizer!

-............. enlevado na saudade que fazem as montanhas e as serranías vistas ao longe, que parece se juntão com as estrélas, e levão traz si o espirito, tinha com os montes devotos colloquios, como abrasando-se em ansias de sobir com elles.

¿Quem haverá que não se arrebate ao ler a bem conhecida passagem do nosso Vieira, relativa ao estatuario?<«< Arranca o <«<estatuario huma pedra dessas montanhas, tosca, dura, infor<«<me; e depois que desbastou o mais grosso, toma o maço, e o <«< cinzel na mão, e começa a formar hum homem, primeiro mem<«<bro a membro, e depois feição por feição até a mais miuda: <«<ondea-lhe os cabellos, aliza-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, af«fila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, avulta-lhe as faces, tornêa-lhe «o pescoço, estende-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe << os vestidos: aqui despréga, alli arruga, acolá recama, e fica <«<hum homem perfeito, e talvez hum Santo, que se póde pôr «no altar.»

Nenhum povo da terra poderá levar a mal que tenhamos ufania de possuir uma lingua, na qual se encontrão expressões tão energicas, tão vivas, tão proprias e imaginativas!

Quando o mesmo Vieira, o Bossuet portuguez, quer pintar os effeitos de uma secca, eis o quadro temeroso, que offerece á nossa imaginação:=« Elle foy o que mandou ás nuvens que <«< não chovessem sobre a terra, sem dar licença á Aurora para <<< que destillasse sobre ella huma só gota de orvalho. Seccárão-se << os rios, as fontes, os montes, os campos, os valles, sem se ver « huma folha verde naquelle perpetuo, e tremendo Estio, sem << Inverno, nem Primavera. Abrazavão-se os gados, as feras, as <«< aves, os homens: mirrava-se a vegetativa, mugia a sensitiva; <«< clamava ao Ceo a racional, e não havia vida, ou cousa vivente, << que não morresse, e estalasse á sede. »>=

Mas prosigâmos:

-FERNÃO ALVARES DO ORIENTE. «Lusitania Transformada. >> Chama á lingua portugueza um ramalhete composto de diversas flores, porque, no seu conceito, encorporou em si a graça da pronunciação e dos melhores vocabulos das outras.

Crê elle, como ainda hoje crê muita gente, que a nossa lingua he singular, pela circumstancia de que os estrangeiros a não podem nunca pronunciar bem, ao passo que nós pronunciâmos tão facilmente e com tanta propriedade as outras linguas.

Esta crença he destituida de fundamento, e parece nascer de falta de attenção e de seguido tracto com estrangeiros. Em regra geral, conhecer-se-ha sempre imperfeição na pronuncia de uma lingua estranha, e as excepções d'esta regra tanto se verificão, por exemplo, de inglezes e francezes para com portugnezes, como vive-versa.

« Il n'y a rien de si délicat et de si difficile, diz M.me de « Stael, que l'accent. On apprend mille fois plus aisément les << airs de musique les plus compliqués que la pronunciation d'une << syllabe; une longue suite d'années ou les premières impres<«<sions de l'enfance peuvent seules rendre capable d'imiter cette <<< prononciation qui appartient à ce qu'il y a de plus subtil et de << plus indéfinissable dans l'imagination et dans le caractère na<«<tional. >>-Esta doutrina he applicavel a todas as linguas, e se alguma modificação podesse soffrer, seria certamente no sentido de apresentar, como mais faceis de pronunciação, as linguas da familia romana, entre as quaes está a portugueza.

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