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Em quanto á pronunciação, he a lingua portugueza suave; não tem as vehementes aspirações, nem a desagradavel aspereza do allemão, e em geral das linguas do norte; he porventura mais grave do que a italiana, sem que todavia deixe de ser harmoniosa e euphónica; he mais amena do que a castelhana, e menos monotona do que a franceza. Um senão desfeia comtudo a nossa lingua, e vem a ser, o multiplicado e inevitavel uso de diphtongos nos finaes das dicções, maiormente dos nasaes.

No que toca á brevidade da lingua portugueza, talvez se possa dizer com Fr. Bernardo de Brito, que entre as mais he a que em menos palavras descobre mores conceito, e a que com menos rodeios, e mais graves termos, dá no ponto da verdade. Severim de Faria cita em demonstração os seguintes versos, em que o poeta pretendeu pintar a pressa:

Bem qual onda de mar, na secca areia
Se desfaz n'um momento,

Qual leve pensamento,

Que os sentidos de noite senhoreia,
Ou qual a flôr, que na manhã se arreia
Toda de esmalte verde,

E logo folha e graça á tarde perde.

Onde, diz elle, em sete regras se descrevem tres comparações com todo o ornamento poetico.

Não podia, neste ponto, escapar á lembrança do douto Severim o sentencioso e breve dizer do grande Sá de Miranda; e com effeito, cita-o com elogio, como era de razão, sem comtudo transcrever um só dos muitos exemplos que podéra apresentar. Eu, porém, não posso resistir à tentação de lançar aqui alguns trechos daquelle famoso poeta-philosopho.

¿Quereis ver um modelo de concisão, e ao mesmo tempo de agradavel singeleza em contar? Lêde o Soneto 31:

Farei como já fez um innocente,

Um rustico pastor d'entre as manadas,
Que d'agua offereceu por mãos lavadas
A Xerxes, bebeu elle, e santamente
Jurou que não bebêra té o presente
Com tal sabor por copas d'ouro obradas.

E na Carta 7."

Bem sabeis vós, senhora, o que se escreve
De dois pintores nobres á porfia,

Em que cada hum vencer o outro se atreve.
Fructas pintou hum delles, que de dia
Vinhão as aves comer, outro d'um véu
Pintado fez, que a sua obra escondia.
Vêde quanto a arte pode? não valeu
Alli vista e saber, o véu de diante
Mandava alevantar o que perdeu.
Diz ledo o vencedor (foste bastante
A enganar aves) que victoria a minha
Enganando um pintor tão posto ávante.

¿Quereis admirar uma sublime brevidade de exprimir o pensamento? Lède os seguintes trechos:

Tyrannia cruel, aspera lei,

Que assi quer o que quer, brava opinião,
Abasta, assi me apraz, assi mandei? (Carta 7.*)

Os momos, os serões de Portugal

Tão fallados no mundo onde são idos

E as graças temperadas de seu sal? (Carta 6.")

Ó ricos que esta riqueza

Está no contentamento,

Mais tem quem mais a despreza

Não foge o rico avarento

Por mais que fuja á pobreza? (Carta 6.")

Olhe cada um por si,

O bem não he como tinha,.

Nem se pega tão asinha

O mal pode ser que si. (Egloga 8.")

Seria um nunca acabar se quizesse transcrever aqui maior numero de exemplos tirados do nosso bom poeta, para demonstrar até que grão de brevidade póde chegar a expressão da lingua portuguezą.

A quarta qualidade que Severim requer nas linguas verifica-se na portugueza, pois que, para me servir das expressões do nosso João de Barros, a primeira e a principal regra da nossa orthographia, he escrever todas as dicções com tantas lettras, com quantas as pronunciamos; e bem sabido he que até os casteThanos pronuncião em muitos casos differentemente do que escrevem, como por exemplo a palavra Badajoz, a qual pronuncião guturalmente Badagoz-Huerta, Guerta, etc.

Se a lingua portugueza he apta para todos os estylos, assaz o indicão as diversas obras que n'ella têem sido escriptas, de tão variada natureza, de tão subido primor, como são as producções de Barros, Lucena, Fr. Luiz de Sousa, Vieira, Sá de Miranda, Ferreira, Camões, Diogo Bernardes, Francisco Rodrigues Lobo, sem fallar de outros muitos, entre os quaes fulgurão bastantes talentos dos nossos dias.

Cumpre agora fazer uma ponderação, que poderá ser util ás pessoas que estiverem menos versadas no conhecimento da Litteratura geral, e vem a ser:

0 que acima se diz em louvor da nossa lingua, e o muito que a este respeito escreverão os authores, de que brevemente apresentarei o catalogo, deve ser lido e considerado com a devida reflexão e reserva, por maneira que não venhamos a formar juizo desfavoravel das demais linguas, acreditando, menos avisadamente, que só a nossa possue excellentes qualidades. As linguas, ainda as mais desfavorecidas, são um optimo-instrumento de dicção e de estylo, quando esse instrumento he manejado por um escriptor de genio. Se a lingua franceza, no meio dos singulares dotes que a enriquecem, é na verdade monotona... note-se todavia como se torna admiravel quando, por exemplo, M. de Lamartine, em uma das suas «Harmonias poeticas e religiosas» le rossignol, rompe n'estes accentos arrebatadores:

Quand ta voix céleste prélude
Aux silences des belles nuits,
Barde ailé de ma solitude,
Tu ne sais pas que je te suis!

Tu ne sais pas que mon oreille,
Suspendue à ta douce voix,
De l'harmonieuse merveille
S'énivre long-temps sous les bois!

Tu ne sais pas que mon haleine
Sur mes lèvres n'ose passer,
Que mon pied muet foule à peine

La feuille qu'il craint de froisser!

He breve no dizer a nossa lingua, mas quanto não admiraremos sempre a nervosa concisão da latina? Ubi solitudinem faciunt, pacem appellant —Oderint dum metuant.—Non ignara mali miseris succurrere disco. Bene qui latuit, bene vixit,

etc. etc.

Temos, e ainda bem, alguns termos que outros povos nos invejão, saudade, bonina, primor, mavioso, etc.; ¿mas quantos nos faltão dos muitos energicos e quasi intraduziveis de outras linguas ?

Sou obrigado a correr veloz; mas basta este leve reparo para que se evite a exageração no modo de encarar as cousas n'este particular. Estudemos profundamente a nossa lingua, e cada vez comprehenderemos mais o enthusiasmo que inspirou os seguin

tes versos:

Floreça, falle, cante, oiça-se e viva
A portugueza lingua, e lá onde for,
Senhora vá de si, soberba e altiva.

mas ao mesmo tempo comprehenderemos a necessidade de não sahir dos verdadeiros limites da admiração.

CAPITULO II.

LOUVORES QUE A LINGUA PORTUGUEZA TEM MERECIDO.

Alabaron... su... graciosa lengua con quien sola la portuguesa puede competir, en ser dulce, y agradable. (CERVANTES.)

¿O CONHECIMENTO dos eximios dotes, e nativos foros da excellencia do nosso idioma será acaso inutil?

¿Será verdade que a ignorancia da gentileza e primores da lingua portugueza he a primeira causa, e a mais substancial, de a haverem deixado em tamanho esquecimento?

A estas perguntas responde assim um habil presador das nossas lettras:-«Quem não sabe d'arte, não a estima, disse <«< com sobeja rasão o nosso poeta; e mal póde presar-se per <«<quem a não conhece, nem a tracta, uma lingua, cujos dotes, «<e subidos quilates de sua valía desconhecem. » —

He, pois evidente o interesse que aos estudiosos resultará de consultar e ler detidamente os escriptores que desenhárão o quadro das excellencias da nossa lingua, tão rica, tão euphónica, tão variada, e tão propria para os differentes estylos, e para os varios assumptos em prosa e verso.

N'esse sentido vou apresentar a resenha dos classicos portuguezes, que tomárão a defeza da nossa lingua, e a encarecêrão com louvores. Serei muito resumido no extracto das suas doutrinas, bem como nas observações que ellas suggerem, porque só pretendo indicar, e não-proceder a um longo exame critico; tanto mais quanto-no Diccionario da Academia encontrarão os curiosos quanto lhes baste,-e para aquelles que qui`zerem inteirar-se do assumpto, lá estão as obras originaes.

-JOÃO DE BARROS.« Prologo ou Diccionario da Cartinha, em a introducção da Grammatica da Lingua Portugueza. » —— << Grammatica da Lingua Portugueza (corpo da obra). » — « Dialogos em louvor da nossa Linguagem. »

João de Barros, nos louvores da lingua portugueza, he um tanto hyperbolico. Por exemplo, no «Prologo » diz que a linguagem portugueza em Europa he estimada, em Africa e Asia por amor, armas e leis tão amada e espantosa, que por justo titulo lhe pertence a monarchia do mar, e os tributos dos infieis da terra.

No demais, louva a lingua portugueza pela sua conformidade com a latina, pela sua gravidade e força, e finalmente pela abundancia de vocabulos.

-O AUTHOR DA comedia «Eufrosina. >>

Entende que a linguagem portugueza não cede á latina em gravidade, graça, laconismo, e boa pronunciação. Por isso eu quero, diz elle, raivar com seus naturaes que a tacham diffamando-a de pobre.

1 Veja a Chron. Litt. da Nova Academ. Dramatica do anno de 1840 nos excellentes artigos que tĉem por titulo-Considerações sobre a lingua portu

gueza e seu estudo

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