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E aqui vem a proposito observar que o «Diccionario da Academia» servío de muito a Fr. João de Sousa, para a formação dos «Vestigios», em todas as palavras que começão pela letra A; pois que no Diccionario são indicadas com todo o cuidado as origens arabicas das vozes portuguezas, e abonadas com authoridades competentes. Novo motivo he este para lamentar que um livro tão precioso não fosse levado ao cabo!

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Desejáramos que Fr. João de Sousa se tivesse demorado mais em caracterisar a diversidade de pronunciação das linguas castelhana e portugueza, resultante da diversa influencia do arabe nas duas linguas. He certo que fallando de uma das quatro lettras do alphabeto arabico, mais difficultosas de pronunciar, o nosso author compara a sua pronunciação com o J e com o G dos castelhanos, nas palavras ojo, orejas, Angel, Arcangel, -que são proferidas do fundo da garganta com violento esforço; em quanto que no portuguez não ficou similhante pronunciação. Isto, porém, não basta; e parece-nos conveniente encher esta lacuna com o excellente artigo do Doutor Constancio, a que acima alludimos, cortando-lhe tudo o que elle escreveu para se fazer entender de leitores francezes. «Les Espagnols ont con«<servé les aspirations et les sons gutturaux de l'arabe (le h, le «x, le j), tandis que les portugais les ont adoucis en changeant «l'aspiration h en f, et le jota en lh. Exemple: Ajujéro espag«nol-agulheiro portug., Aguja, agulha; albaja-alfaia; «almohada-almofada.-Les portugais ont aussi substitué le s <«<français au e espagnol, dont la prononciation ressemble à celle «du theta grec ou du th anglais dans thrink-Ex.: Aceite«azeite; Arancel-Aranzel..... Le x espagnol, qui répond au <«<son guttural arabe, a été remplacé en portugais par le son ch, «quoique la lettre x ait été souvent conservée en portugais. «Ex.: oxalá se prononce ochalá en portugais. Il est à propos «de remarquer que la prononciation rude de l'arabe a surtout «prévalu en Espagne, où elle a modifié la plupart des dialectes «du latin, en les rendant gutturaux et pleins d'aspirations. Les <«Catalans, les Galliciens et les Portugais, se sont au contraire «rapprochés de la prononciation de la langue romane ou pro«vençale: les derniers seuls ont admis les diphtongues compo«<sées d'un son nasal suivi d'une voyelle sourde telles que pão, «<e mãe..... Il y a quelques mots dérivés de l'arabe, qui s'écri«<vent par les mêmes lettres en espagnol et en portugais, et se «<prononcent à peu près de même, Algalia, Arrabalde etc.

<«<Beaucoup d'autres s'écrivent par les mêmes lettres dans les «deux langues, se prononcent toutefois très diversement dans t «<chacune, par la différente valeur du x, du z, du ç, de l'h et <«<du g en espagnol et en portugais. L'orthographe de la plupart «des mots arabes différe dans chacune des deux langues.-La <«<Langue portugaise a admis et peut-être emprunté entièrement «à l'arabe les voyelles nasales et les diphtongues de même na«<ture, dont le son est si désagréable, et dont les dernières ne «se trouvent, je crois, dans aucune autre langue d'Europe. Le «caractére nommé til, qui marque le son nasal d'un voyelle en «portugais, semble n'ètre que le signe arabe du nasillement ou <«<simplifié et placé en travers, au lieu d'ètre posé selon sa hau

«teur.>>

A respeito do caracter Til, apenas encontrámos nos «Vestigios» a seguinte explicação, que em verdade achámos excessivamente laconica e deficiente:

=

Esta mesma nota texdid corresponde ao nosso Til", cujo officio he supprir a falta da lettra m, ou n, seja em verbo, ou nome, quando occorrem as duas lettras dupplicadas, assim como Joanna, Marianna, immutavel, que se podem escrever com um m, ou n desta sorte, Joana, Mariana, imutavel, e outros.=

(Veja-se «Vestigios » etc.-Nota que se segue á palavra adail sobre a natureza dos verbos arabicos.)

Parece-nos bastante o que temos dito para fazer sentir a utilidade da obra do nosso author, que elle recommendou no Prologo a benevolencia dos leitores, dizendo: «Todos sabem, que «não se póde saber uma lingua ignorando-se a propriedade dos <«<vocabulos, nem esta se alcança sem o estudo etymologico.»> Accrescentaremos sómente que muitos artigos dos «Vestigios>> abundão em erudição e proveitosas noticias.

O Sr. Francisco Recreio leu na Academia um supplemento aos «Vestigios da Lingua Arabe em Portugal.» Esta obra não foi ainda dada á estampa, o que muito lamentamos, porque quizéramos dar noticia della neste nosso apoucado trabalho.

Igualmente o Sr. Manuel Rebello da Silva offereceu á Academia um Compendio Grammatical da Lingua Arabe, no qual corrige e addiciona a Grammatica que até agora tem servido para o ensino desta lingua, e cuja edição está exhaurida.-Não a vimos, e cremos que ainda não corre impressa; alegrâmo-nos porém com esta boa nova, como sendo indicio de que ainda entre nós se consagra algum amor aos estudos da lingua arabe,

Entre os Mss. da Bibliotheca Riberiana encontra-se o seguinte:

Das origens ARABICAS DOS DIALECTOS DE ESPANHA.

«Não obstante, diz o author, a conservação e uso da antiga lingua geral de Espanha, nos tempos da dominação arabica de muitas de suas terras- -o idioma arabico teve muito curso entre os nossos, e nos communicou grande soma de vocabulos, que vierão a encorporar-se nos diversos dialectos de Espanha, em que o antigo espanhol se havia já de muitos seculos dividido. Em verdade os nossos, tanto os que ficarão sujeitos aos Sarracenos, como tambem os que o não forão, tiverão muito trato e pratica do arabismo.»>

Traz no fim um catalogo dos «Escritores que se hãode con-sultar para as combinações das Origens Arabicas das Linguas de Espanha.» Já ahi vem mencionado Fr. João de Sousa, ao qual chama o author «Varão muito sabio na Philologia Oriental», e á sua obra a «melhor que d'isto temos.>>

Passemos agora a fallar do «Glossario de vocabulos Portuguezes derivados das Linguas Orientaes e Africanas, excepto a Arabe.»>

Os Iberos, e os Persas, os Fenicios, os Carthaginezes, os Hebreus, as colonias Africanas que os arabes trouxerão da Africa, todos esses povos tiverão relações muito intimas com as Hespanhas, ou seja pelo commercio, ou seja por habitação, estabelecimento de colonias, ou por outro qualquer modo.

«Nos tempos mais modernos bem sabidas são, diz o Sr. D. Francisco de S. Luiz, as nossas frequentes expedições a Africa, e os descobrimentos, conquistas, e estabelecimentos que fizemos em toda a costa occidental e oriental do mundo; a communicação, trato, e commercio, que tivemos com os seus povos; e como logo depois extendemos a nossa navegação ás costas da Arabia, da Persia e da India, e passando muito além do Ganges, chegámos até ás extremidades da China e do Japão, e ao immenso archipelago das Molucas, fundando cidades, levantando fortalezas, estabelecendo feitorias, e dominando em muitas partes daquelle vasto e remoto Oriente. >>

¿Que conclue destes factos historicos o author do «Glossario?»-«Que de todo este trato e communicação com tantos povos Africanos e Orientaes, antigos e modernos, continuado por

largos seculos, dentro e fóra da Peninsula, necessariamente havião de vir, e effectivamente vierão, aos idiomas das Hespanhas, e em particular ao Portuguez, muitos vocabulos, frases, fórmas, e idiotismos das linguas daquelles povos, assim como nos vierão usos, costumes, é praticas, que ainda entre nós se conservão.>>

¿Qual foi o intento do author, compondo o seu Glossario? -Recolher esses vestigios, com respeito ao idioma portuguez, exceptuando os vocabulos que nos ficarão dos arabes; visto achar-se já esta parte das origens portuguezas tratada por Fr. João de Sousa.

¿Em que conceito tinha o author o seu proprio trabalho?— Com muito louvavel modestia nos diz, que não podia ser completo o seu «Glossario,» porque a empreza he nova na nossa litteratura, e o objecto difficil; pelo que, o Glossario conteria sómente aquelles vocabulos, que no decurso de suas assiduas leituras se lhe offerecerão, e com bom fundamento julgou derivados de origem oriental ou africana.

Lendo esta interessante obra, vê-se que o illustre author possuia largo conhecimento da lingua hebraica, da litteratura sagrada, e da latina.

Os livros e authores citados no «Glossario», são os seguintes: Moraes, Dicc.-Bluteau, vocab. e supp.-Sousa, vestig. Arab.- Vieira Transtagano, obr. etymol. 1789-Lexicon Hebraico de Guarin- Viterbo Elucidario-Dicc. da Ling. Bunda, ou Angolense, 1804;-Um grande numero de escriptores portuguezes, taes como, Barros, Couto, Goes, Duarte Barbosa, Lucena, D. Franc. Manuel (obr. metr.), Fr. Gaspar de S. Bernardino, Castanheda, Santos (Eth. Or.), Naveg, de Lisboa á Ilha de S. Thomé pelos annos de 1551, Fr. Pantaleão (Itinerario), João Pedro Ribeiro (Dissert. Chron. e Crit.);-differentes escriptores estrangeiros, taes como Denina (Clef des Langues), Plutarco, Volney;-a Biblia, passim, no hebraico, na vulgata, na traducção do P. Antonio Pereira, e nos Commentadores; Brotero (Flora Lusitana).

«Uma fonte de augmento para a lingua, diz o erudito author das Considerações sobre a Lingua Portugueza, forão as <«conquistas, a navegação, e o commercio, que os portuguezes <<fizerão nas tres partes do mundo, e a este facto deve attribuir<«<se a introducção de tantos termos exoticos de origem oriental, <«<de que muito nos deu illustrada explicação o eximio escriptor «ha pouco citado (D. Francisco de S. Luiz); e muitos mais en

«contrará o observador estudioso nas obras dos escriptores por«tuguezes, que escreverão das nossas cousas naquellas tres par«tes do mundo.»

He na verdade bastante rico de noticias o «Glossario,»> e como tal deve ter-se na conta de um proveitoso subsidio para o estudo da nossa lingua; no entanto, he indispensavel que posteriores indagações o vão augmentando com a explicação de varios termos, que indubitavelmente tomámos dos idiomas da India, da Persia, da China e da America, e que aliás escapárão ao sabio philólogo, de cujo trabalho nos vamos occupando. Assim, por exemplo, a palavra Chocolate nos veio da lingua mexicana; tapioca, jacaré, ananaz, da brazileira; tanque, chita, coco, são palavras asiaticas; feitiço, feiticeira, cauri, missanga são tiradas das linguas dos povos negros da Africa.

E por esta occasião não podemos.dispensar-nos de fazer sentir a differença que o clima, o caracter dos povos, e outras muitas circumstancias necessariamente devem ter produzido sobre o idioma portuguez no Brasil. He incontestavel que a linguua portugueza tem continuado a ser commum aos habitantes dos dois mundos, como permanecendo essencialmente a mesma; não póde porém duvidar-se de que, transportada ao Brasil, modificou algum tanto a sua indole, por effeito da poderosa influencia do clima, do caracter dos naturaes, da mistura de raças diversas etc. etc. Além desta differença, que abrange a generalidade do idioma, ha tambem a considerar a introducção de um grande numero de vocabulos peculiares áquelle paiz, pela especialidade das suas producções naturaes, e costumes dos indigenas, ou mesmo dos colonos do Ultramar, que successivamente forão passando ao Brasil.

Tocámos neste ponto muito de passagem, unicamente para chamar sobre elle a attenção de quem houver de occupar-se do estudo profundo da lingua portugueza.

No fim do «Glossario» vem um Appendix, no qual se notão alguns hebraismos que se conservão no idioma portuguez.— Esta parte do «Glossario» he muito interessante, porque nos dá noticia de muitas locuções e idiotismos hebraicos, que se introduzirão na nossa lingua, e a enriquecerão.

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