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mos menção de dois exemplos que cita Aldrete no cap. 22 da sua obra, Del origen y principio de la lengua castellana. — Seja o primeiro o facto referido por Plinio, liv. 2.o, Epist. 3.: «Nunquam legisti Gaditanum quemdam Titi Livii nomine, glo«riaque commotum ad visendum eum ab ultimo terrarum orbe «venisse, statimque ut viderat abisse?»- Seja o segundo o facto referido pelo mesmo Plinio, liv. 3., Epist. ad Macrum: «Refe«rebat ipse (Plinius maior) potuisse se, cum procuraret in His«pania, vendere hos Commentarios Laertio Licinio quadringen«tibus millibus nummum, et tunc aliquanto pauciores erant.»> E com effeito, ¿poderia acaso succeder que um homem se arrojasse a ir de Cadix a Roma, só para vêr Tito Lívio; e que um estrangeiro offerecesse dez mil escudos pelos livros de Plinio Maior, se no tempo em que esses factos forão praticados não houvesse uma decidida paixão pelas lettras, e se o idioma e os escriptos dos romanos não fossem estimados nas Hespanhas?

Não nos contentêmos, porém, com estes testemunhos, e ouçâmos a opinião de um homem, que nestas materias gosa de grande conceito, o já citado Denina (Tom. 2. Part. 4. sect. 1. art. 1. pag. 116 e 117): «Il est bien sûr que les Hispaniens avant que les Romains portassent leurs armes sur l'Ebre et le Tage, parlaient une langue peu différente de celle que parlaient les Gaulois et qu'après que les Romains étendirent leurs conquêtes vers l'occident, l'Espagne leur fut soumise de gré ou de force bien avant que César eût conquis les Gaules. Ainsi la langue des conquérans et maîtres fut introduite et établie en Espagne, sous ses premiers successeurs, et à peine un siècle s'était-il écoulé depuis la mort de Cicéron et de César, et un demi-siécle depuis celle de Tite-Live et de Virgile, que les auteurs nés en Espagne étaient estimés autant ou plus même que les Romains et qu'aucun de leurs contemporains nés en Italie. Je dirai que, quoique la préférence qu'on donnait à Sénèque sur Cicéron, à Lucain sur Virgile fût injuste; elle prouve toujours le génie naturel des Espagnols, puisqu'ils se sont si hautement distingués dans un pays où la culture des lettres était porté au plus haut degré, et de l'autre côté cela ne laisse pas lieu de douter, que la langue romaine ne fût dès le temps d'Auguste la langue dominante en Espagne, surtout dans les premières classes des habitans, qui ne tardèrent pas à la rendre commune, même au bas peuple. Aussi Horace nous apprend-t-il en termes bien clairs, que ses ouvrages ainsi que ceux de tous les bons auteurs latins

avaient grand cours en Espagne, et que dès avant les beaux jours de la littérature latine, elle y était cultivée avec succès plus même que dans la Gaule méridionale, où d'ailleurs les études étaient assez florissantes. Me peritus discet Iber, dit-il, Rhodanique potor. (Ode 20, liv. 2.) Quelque sens que l'on donne à cet épithète de peritus, qu'on le fasse signifier en général instruit, exercé, formé, expérimenté, ou qu'on le prenne dans la signification particulière d'expert, exercé dans l'étude du latin, cela prouve toujours que les Espagnols étaient déjà versés et fort avancés, dans le latin. Personne n'ignore que sous Vespasien le meilleur maître de Rhétorique et un des poètes les plus en vogue, étaient Espagnols. >>

Apertêmos ainda mais o ponto, para demonstrar que essa mudança de linguagem, e adopção da latina, longe de serem impossiveis, erão, pelo contrario, indispensaveis, e necessariamente determinadas pela natureza das coisas. Ouçâmos o que a este respeito diz o erudito Aldrete, já citado:

«Forçoso era, que el que venia a hablar, y rogar al que se«ñoreava la tierra, aun que no fuesse sino por lisongearle, le «hubiesse de hablar en su lengua. Juntavase con esto el excluir «à los que no la sabian de todas las causas civiles, y aun de ser «testigos, como Tiberio quiso, que no lo fuesse el otro soldado, «<sino dezia su dicho en latin, y los antiguos jurisconsultos du«daron, si los que no lo sabian podian ser testigos de testamen«tos, por que les pareció, que avian de entender lo que contenia, <«que era en latin. Gran motivo para aprenderlo, viendo que no <«<sabiendolo no eran admitidos a ser juezes, de Claudio se' re«fiere, que a un varon illustre principe en la provincia de Gre«cia, por que lo ignorava, no solo lo borró de la lista de los «<juezes, pero tambien le privó, de que no fuesse ciudadano ro«mano. Splendidum virum, Gretiæ que provintiæ principem «verum Latini sermonis ignarum non modo albo judicum era«sit, sed etiam in peregrinitatem redegit. Que no aprendiera «quien assi se via tratar? Cada uno de razon devia temer se«mejante afrenta.-Creció con esto la lengua latina en las pro«vincias, si bien no tan pura, y elegante como en Roma, donde «<era natural, y aquel cyelo la ayudava, para que se diesse me«jor à los que en aquel suelo habitavan.»>

D'aqui resultou poder Plinio dizer já: «Et tot populorum «discordes, feras que linguas sermonis commercio contraheret <«<ad colloquia; » a cujo respeito observa Aldrete: «No se pudo

<«<dezir, ni mas breve, ni com mas propriedade el averse redu<«<zido las provincias a la lengua latina.»>

E finalmente, por tal motivo disse com rasão o valenciano Luiz Vives: «Curabant ergo Romani, ut in Hispanias, et Gal<«<lias Latinas prorsus fecerint veteribus illarum gentium linguis <«<abolitis. Rem profecto conabantur pulcherrimam, et toto hu<<mano generi utilissimam, quocumque id fine facerent, ut esset <«<una aliqua lingua, qua se gentes omnes mutuo intelligerent.>> Vejamos agora como o Sr. A. Herculano tratou esta questão na «Introducção á Historia de Portugal.»>

O Sr. Herculano, pondo de parte o exame do modo como se operou a alteração da linguagem hispanico-romana, demonstra concludentemente que os resultados da conquista romana se estendêrão até á transformação dos idiomas da Hespanha, fössem elles quaes fossem. A organisação administrativa das provincias era apropriada para romanisar as gentes domadas pelas armas ou pelas allianças, fazendo-lhes esquecer até a linguagem nativa. Segundo a opinião de M. Guizot, o systema de povoação dos romanos era, até certo ponto, o inverso do nosso. Em todas as provincias sujeitas a Roma reflectia-se a vida social desta. O municipio, que fôra a fórma de sociedade com que a republica nascêra, vigorára e crescêra, e que as revoluções interiores, a tyrannia dos Cesares, e até a invasão dos barbaros, não poderão extinguir, reproduziu-se por todas as partes onde chegou o dominio romano.

«Nas Gallias, na Hespanha, diz M. Guizot, não encontraes senão cidades. Os territorios desviados d'ellas estão cobertos de selvas e alagadiços. Averiguae qual seja o caracter dos monumentos, das vias romanas. Achareis estradas reaes, que vão de cidade a cidade; porém essa multidão de caminhos encruzilhados, que hoje sulcam o territorio, eram então incognitos. Nada havia que se parecesse com a indizivel quantidade de monumentosinhos, d'aldeias, de castellos, d'igrejas, dispersos pelo paiz desde a idade media... Examinae a que luz vos aprouver o mundo romano, que sempre achareis essa preponderancia quasi exclusiva das cidades, e a não existencia social dos campos.»>

Neste facto fundamental, que distingue a civilisação antiga da moderna, encontra o Sr. Herculano a explicação da facilidade e rapidez com que os romanos convertião as outras nacionalidades na sua, e alcançavão, até, substituir a propria linguagem á dos povos subjugados.

«A assimilação, diz o Sr. Herculano, devia ser tanto mais facil, quanto os vencidos fossem ou mais barbaros, ou de raças mais misturadas. Nas Gallias realisava-se principalmente a primeira hypothese; na Hespanha principalmente a segunda. Imaginemos a gente nativa, encerrada nos muros das cidades, ou reconstruidas ou edificadas de novo pelos romanos, sujeita, com o correr dos tempos, á organisação administrativa, judicial, e militar dos conquistadores, frequentada pelos seus magistrados, funccionarios e exactores, aquartelando as suas tropas, tractando os pleitos nos seus tribunaes, recebendo dos romanos os commodos da vida e os objectos de luxo, correndo aos theatros que se alevantavam por toda a parte, e aonde os attrahiam as graças e as pompas do drama latino, e recolhendo nos proprios muros um grande numero de individuos, que, depois de militarem nos exercitos de Roma, vinham, transformados em romanos, orgulhosos da illustração adquirida no meio d'elles, converter, com o desdem da superioridade, á vida e á linguagem da Italia os membros mais grosseiros das suas familias. Depois, quando estas e mil outras causas de assimilação, actuando por seculos, produziram todo o seu effeito, as differenças que distinguiam os vencidos dos vencedores desappareceram inteiramente. Caracalla, attr.buindo o caracter de cidadãos romanos a todos os homens livres do imperio, não fazia uma revolução nas instituições; mas declarava simplesmente, que um grande facto social se achava consummado.»

¿O testemunho dos escriptores desse tempo estará acaso de accordo com a antecedente deducção dos factos sociaes? Sim, como o prova a seguinte passagem de Strabão, a que já se alludiu no artigo antecedente: «Accresce á bondade do clima que desfructão os turdetanos, a brandura e a civilisação, o que, segundo Polybio, he tambem commum aos celticos pela visinhança e parentesco, posto que em grão menor, por habitarem de ordinario em logarejos. Os turdetanos, porém, principalmente os das margens do Betis, tomárão de todo os costumes romanos, esquecendo até a propria lingua, e muitos, tornados latinos, receberão no seu seio colonos de Roma, faltando pouco para pouco para inteiramente serem romanos. As cidades ultimamente edificadas, Beja entre os celticos, Merida entre os turdulos, Saragoça entre os celtiberos, e varias outras colonias provão essas mudanças de aspecto da sociedade. Os hespanhoes, que seguem este modo de viver, chamão-lhes stolados ou togados, entrando neste numero os cel

tiberos, tidos n'outro tempo pelos mais feros e desconversaveis de todos.>>

Ora, se já no xv anno da era christa, e iv do imperador Tiberio (em que Strabão escrevia a sua grande obra geographica) a transformação romana havia lançado tão profundas raizes, não admira que desde essa opocha todos os monumentos historicos conspirem em nos mostrar os habitantes da Peninsula inteiramente identificados com os romanos.

<«<Entre os muitos factos, que fôra facil amontoar em prova d'isso, um dos mais notaveis he, em nosso entender, o usarem de nomes puramente latinos todos os individuos hespanhoes do tempo dos imperadores, de modo que os nomes barbaros desapparecem inteiramente, circumstancia que se não repetiu durante o dominio dos wisigodos, quando aliás cremos indubitavel o haverem estes abandonado a lingua gothica pelo romano-rustico, sem que por isso deixassem de figurar na historia os Theodoriks, ou Euriks, os Heermangilds. E o mesmo se póde dizer do dominio arabe, durante o qual, segundo o testemunho, tantas vezes citado, de Alvaro de Cordova, os mosarabes esqueciam a sua lingua romana para só fallarem o arabe, conservando, todavia, os nomes proprios da origem grega, latina e goda, como se vê da historia e dos documentos desse periodo.»>

Cita depois o anecdota de Aulo-Gellio, que acima referimos já, e conclue assim: «Em um livro philologico, Gellio, chamando ao latim lingua patria de um hespanhol, não nos deixa a menor duvida de que, no tempo de Hadriano, esta linguagem não era para um filho da Hespanha um idioma estudado nas escholas, mas a propria do seu paiz.»

Terminaremos este S mostrando que as passagens de diversos authores latinos, citadas pelos defensores das origens celticas, não destroem a doutrina que acabamos de expôr. (Vej., «Mem.»> do Sr. S. Luiz, e «Opusculo»).

A maior parte dessas passagens são de uma epocha, em que naturalmente não podia ainda estar generalisado nas provincias o idioma dos romanos; outras são sujeitas a diversas interpretações, ou duvidosas no que toca á sua genuidade; em quanto que as apontadas a favor da origem latina são positivas e terminantes. Desenvolvamos com toda a clareza este ponto.

A maior parte d'essas passagens são de Cicero; ora este grande homem nasceu cento e seis annos antes de Christo, e morreu de edade de 64 annos, isto he, 42 antes da era christã.

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