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E não se diga que fôra longo, difficil, e talvez improprio ensinar tão vastas disciplinas, e, sobre tudo, eleva-las no seu complexo á cathegoria de Faculdade... O argumento provaria de mais, por isso que o mesmo poderia dizer-se da sciencia do Direito, das Mathematicas, da Medicina, etc, etc... e, comtudo, os multiplices ramos d'essas vastas sciencias são extensa e fundamentalmente professados, como partes constituitivas de Faculdades, tão distinctas entre si, quanto recommendaveis todas.

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«Mas a Faculdade de Direito encerra a sciencia que resolve as transcendentes questões da organisação social, e protege a propriedade, a segurança e a riqueza dos povos. >>

«A Medicina encaminha-se a debellar as doenças, a defender a vida, a restabelecer a saude do homem. >>

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«As Mathematicas habilitão com sublimes calculos a medir os espaços, a arrebatar á natureza mysteriosos segredos, a atravessar a immensidade do oceano... »

-«E quem não vê que todas essas Faculdades estão, com justificado titulo, n'uma cathegoria elevada, e devem, no interesse da humanidade, ser professadas na mais larga esphera, e amplissimo desenvolvimento?»>

Convenho... Mas quem poderá dizer que a Litteratura he menos vasta, menos philosophica, menos util á humanidade, do que essas Faculdades?

As expressões de Boas Lettras, Bellas Lettras, Humanidades, que o bom senso geral tem consagrado para designar a Litteratura, como que revelão a summa importancia d'este ramo dos conhecimentos humanos.

Já demonstrei no primeiro artigo a excellencia e utilidade da Litteratura; reforçarei, porém, agora o que alli disse, apresentando ponderações de outro genero.

Um homem que a morte roubou, ha pouco, ao amor é ao respeito do mundo, o immortal Chateaubriand, disse algures: « Les lettres sont l'éspérance pour entrer dans la vie, le repos pour en sortir.»

La Littérature est l'expression de la Société: assim exprimiu M. de Bonald um pensamento, que tem merecido a approvação geral, a ponto de que um dos melhores escriptores d'este seculo, Charles Nodier, não hesitou em escrever que esta sentença será sempre repetida em quanto houver uma sociedade e uma Litteratura, porque já mais uma verdade essencial foi revestida de uma formula tão diáfana.

Um Litterato Francez de grande nome, M. Nisard, depois de fazer sentir que o estudo da Litteratura he essencialmente o estudo do espirito, da alma da nação, acrescenta estas significativas expressões:

«Est-il besoin de parler de l'utilité d'une telle étude? << Qui ne sent à la première vue combien l'espèce de relâchement << dans le quel nous vivons, par des causes qui ne sont pas toutes <«<mauvaises, rend nécessaire une ferme croyance sur ce point? <<< Parmi tant de doutes qui nous travaillent, soit au sujet de cer<«<taines influences longtemps souveraines, soit sur la forme même <«<de l'ordre social et politique sous le quel nous vivons, de quel «<prix ne serait-il pas de ne point douter du moins de la chose « d'où dépend tout le reste, je veux dire la nature mème de l'es<< prit de notre pays? Outre que par les caractères des écrits qu'il << a toujours aimés, comme s'y étant toujours reconnu, nous pour«<rons apprécier à toutes les époques ses véritables besoins, les ༥ distinguer de ses caprices, et travailler avec connaissance à ré«<gler son avenir d'après son passé. » (Hist. de la Littérature Française).

¿Não anda na boca de todos o aphorismo de Pope: «The proper study of mankind, is man? »

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Eu abro um livro estimavel=De la Littérature au midi de l'Europe e logo na primeira pagina, em que Sismondi explica o intento a que se propozera na sua obra, leio estas palavras: quiz, sobre tudo, mostrar a influencia reciproca que <<< tem a historia politica e religiosa dos povos sobre a sua litte«ratura, e a d'esta sobre o seu caracter; fazer sentir a ligação <«<que teem as leis do justo e do honesto com as do bello; a al«liança, finalmente, que a virtude e a moral formão com a sen« sibilidade e a imaginação: como se pertendesse, d'alguma sorte, <«<escrever a historia do espirito humano em todos os povos in<«<dependentes, e mostrá-lo sujeito em toda a parte a phases <«<regulares e correspondentes. >>

E com effeito, quem não vê que as bellas lettras, do mesmo modo que as outras sciencias, em sendo estudadas e comprehendidas devidamente, se tornão, para me servir de uma expressão já consagrada, os instrumentos universaes da razão, da virtude e da felicidade?

Litteris ad excolendam virtutem adjuvamur, disse Cicero; e do mesmo sabio philosopho he o famoso elogio das Lettras, que está gravado na memoria de todos: Studia adolescentiam

alunt, senectutem ablectant, secundas res ornant, adversis perfugium ac solatium præbent.

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¿ Quem não vê que os acontecimentos, a gloria, as illusões, as crenças dos seculos, são o commentario vivo das obras primas litterarias, do mesmo modo que estas os explicão, os illustrão e os perpetúão?—Na edade media apparece na Italia uma lucta encarniçada entre os Guelphos e os Gibelinos, e lá surge um poeta immortal, o Dante, offerecendo á posteridade hum commentario vivo d'este acontecimento ponderoso, a Divina Comedia.Depois d'elle, n'essa mesma Italia, ergue-se o Tasso, e, com a sua lyra encantada, resuscita a gloria dos Cruzados, que tinhão ído libertar o sepulchro de Christo. Entre esses dois genios fulgurou outro, n'esta nossa terra de Portugal... O que elle cantou todos nós o sabemos... mas deixêmos alegrar por um pouco o nosso patriotismo, escutando as eloquentes vozes do immortal Chateaubriand: «Vasco da Gama, achevant une << navigation d'éternelle mémoire, aborda en 1498 à Calecut, << sur la côte de Malabar.—Tout change alors sur le globe; le <«< monde des anciens est détruit. La mer des Indes n'est plus « une mer intérieure, un bassin entouré par les côtes de l'Asie <«<et de l'Afrique; c'est un océan qui d'un côté se joint à l'Atlan<< tique, de l'autre aux mers de la Chine et à une mer de l'Est, << plus vaste encore. Cent royaumes civilisés, arabes, ou indiens, «< mahométans ou idolâtres, des îles embaumées d'aromates pré«cieux, sont révélées aux peuples de l'Occident. Une nature << toute nouvelle apparait; le rideau qui depuis des milliers de <«< siécles cachait une partie du monde, se lève: on découvre «la patrie du soleil, le lieu d'où il sort chaque matin pour dis<< penser la lumière; on voit à nu ce sage et brillant Orient dont <«<l'histoire se mêlait, pour nous, aux voyages de Pythagore, aux << conquêtes d'Alexandre, au souvenir des Croisades, et dont les << parfums nous arrivaient à travers les champs de l'Arabie et les <«<mers de la Grèce.-L'Europe lui envoya un poète (Camoens) «pour le saluer, le chanter et le peindre; noble ambassadeur de « qui le génie et la fortune semblaient avoir une sympathie secrète «avec les régions et les destinées des peuples de l'Inde! Le poète « du Tage fit entendre sa triste et belle voix sur les rivages du « Gange; il leur emprunta leur renommée et leurs malheurs: il ne « leur laissa que leurs richesses.-Et c'est un petit peuple, en<«<fermé dans un cercle de montagnes à l'extrémité occidentale « de l'Europe, qui se fraya le chemin à la partic la plus pom

«peuse de la demeure de l'homme.» (Préface du Voyage en Amérique).

Passo agora a encarar debaixo de outro ponto de vista o meu assumpto, e tratarei de ser breve.

Entre os bons livros francezes dos tempos modernos, tenho eu na conta de excellente o que ha por titulo-Une lecture par jour, nouvelles leçons de Littérature historiques, morales et religieuses. Folheando esse bello livro, encontro n'elle uma demonstração prática da vasta extensão da Litteratura, não menos que da sua importancia e intrinseco merecimento. N'essa galeria magnifica de formosos trechos litterarios, vejo como a Litteratura se espráia pelos dilatados campos da allegoria-dos caracteres litterarios, historicos, moraes-da criticadas descripções e quadros da natureza e dos povos-dos dialogos-do genero oratorio-do genero epistolar-da moral religiosa e philosophica da historia-do drama-do panegyrico, dos elogios, dos parallelos, dos retratos-etc., etc.-Aqui, verto lagrimas sobre os pezares de um desterrado; além, extasio-me ao vêr encarecido o transcendente genio de Montesquieu; admiro depois a audacía e mascula eloquencia de Mirabeau, a ambição fogosa e insaciavel de Cesar e de Napoleão, ao lado da bonhomia de Lafayette; passo dos individuos aos caracteres, e apraz-me vêr desenhado, por mão habil, o retrato do usurario, do marinheiro, do viajante; subo á região das neves eternas, visito de passagem a morada dos Religiosos de S. Bernardo, e corro pressuroso a enlevar-me na contemplação da cúpola de S. Pedro de Roma; presenceio uma lucta á borda de um precipicio, e voltando algumas paginas, estou no meio das magnificencias de Versalhes... Mas para que he continuar! Não foi para fazer notar a variada instrucção que este livro procura, que eu o citei. O que elle me ajuda a proyar já eu o disse, mas não he só isso. Depois de transcripto um trecho notavel de qualquer genero, segue-se-lhe o exame critico, o mais completo e instructivo que ser póde. M. A. Boniface, seguindo os mais seguros preceitos, começa por assignalar o genero de estylo, se sublime, nobre, poetico,-se biblico, pittoresco, romantico,-se simples, temperado, familiar; encontra na erudição os meios de definir o que no texto carece de explicação; e a final passão as expressões e as idéas pela fieira da mais severa critica, sendo tudo afferido pelo padrão da grammatica philosophica, e da esthetica.

¿E teremos nós, porventura, um livro como este, e como tantos

outros, verdadeiros cursos de Litteratura, em que abundão os francezes? Não; e atrevêra-me a dizer que encontrará grandissimas difficuldades quem quizer de prompto apresentar um trabalho perfeito, e de todo ponto satisfatorio. ¿E como não será assim, se a Litteratura não tem merecido até agora entre nós a consideração que lhe he devida, e nunca foi tratada, e muito menos professada, na extensão e desenvolvimento que lhe cabem?

Desejo ardentemente que ninguem pense que eu pretendo desabonar tantos e tão distinctos litteratos e Professores habilissimos que existem em Portugal. Aprecio devidamente o seu talento e escriptos, e folgára de lançar aqui a brilhante lista de seus illustres nomes, acompanhada dos louvores que merecem... Mas a falta procede de causas, que não he possivel vencer immediatamente, e que só com um novo systema de ensino, esforço e perseverança dos corpos scientificos, e dos homens instruidos, poderão remover-se.

¿Temos, acaso, um Diccionario da Lingua Portugueza, que, por sua authenticidade, dissipe todas as duvidas, esclareça todas as questões, fixe e determine o que n'este particular deve ser fixo e determinado?

¿Está, porventura, determinada incontestavelmente, e como doutrina corrente, a origem da nossa lingua?

¿A nossa orthographia está acaso assente em preceitos regulares e uniformes?

¿Os nossos escriptores das differentes epochas estão, acaso, vulgarisados entre os portuguezes, ou aguardamos ainda uma associação de homens poderosos, e ao mesmo tempo presadores das nossas cousas, que promova a impressão economica dos livros e manuscriptos, que só nas grandes bibliothecas se encontrão, ou em poder de algum feliz bibliophilo?

¿Tem, porventura, a nossa Litteratura sido examinada profunda e extensamente, com referencia aos differentes periodos da nossa historia, e ás vicissitudes da nossa existencia politica?

¿ Tem a nossa Litteratura sido confrontada, systematica e . philosophicamente, com a Litteratura classica da Grecia e Roma antigas, e com a dos povos modernos do meio dia e do norte da Europa?

¿Possuimos, acaso, uma historia litteraria do nosso Paiz, que satisfaça a todas as exigencias da erudição, da philosophia, e da critica?

¿Temos algum trabalho perfeito sobre a Litteratura que propriamente póde denominar-se «Biblica »?

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