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as mesmas ideias, he claro que essa pluralidade e abundancia de palavras tornaria esterilmente rica uma lingua, á similhança dos thesouros do avarento;-essa pluralidade seria puramente numeral, e por consequencia superflua. «Si les mots, diz Girard, ne sont variés que par les sons, et non par le plus ou le moins d'énergie, d'étendue, de précision, de composition, ou de simplicité, que les idées peuvent avoir; ils me paraissent plus propres à fatigner la mémoire, qu'à enrichir et faciliter l'art de la parole. » —

A riqueza de uma lingua não se revéla tanto pelo numero de vocabulos, como pelo numero de pensamentos que póde exprimir. De que serviria que, para declarar o mesmo pensamento, houvesse um grande numero de vozes articuladas, ou vocabulos, embora diversos ou distinctos nos sons, e no material de suas respectivas composições, mas reproduzindo as mesmas ideias ?

Conseguintemente, se nas linguas cultas se conservão e deixão co-existir palavras sinonimas, he evidente que entre estas se dão differenças reaes de significação, que he indispensavel apreciar, quando se quer dar á linguagem uma precisão philosophica.

Este modo de vêr as cousas não he um descobrimento da grammatica philosophica moderna; já os antigos o apresentão nas obras immortaes que nos legárão. Cicero estava bem penetrado de taes convicções, quando disse: «Quanquam enim vocábula prope idem valere videantur, tamen quia rei differebant, nomina rerum differre voluerunt.» E dir-se-hia que pretende elle justificar esta asserção, quando no Livro 4.° das Tusculanas apresenta uma serie de vocabulos sinonimos, e marca a differença de significação que os distingue.-Angor est ægritudo premens:-Luctus, ægritudo ex ejus qui carus fuerit interitu acerbo:-Maror, ægritudo flebilis:-OErumna, ægritudo laboriosa: Dolor, aegritudo crucians:-Lamentatio, ægritudo cum ejulatu:-Sollicitudo, ægritudo cum cogitatione:- Molestia, ægritudo permanens:-Affiictatio, ægritudo cum vexatione corporis:-Desperatio, ægritudo sine ulla rerum expectatione

meliorum.

Neste ponto apresenta-se Cicero estabelecendo principios como Grammatico Philosopho; mas nas suas obras vemos a applicação pratica da sua theoria, e mais de um exemplo encontramos alli da alta intelligencia e finissima delicadeza, com que o grande mestre da palavra tecia o discurso, fazendo uma apu

rada escolha de vocabulos, e exprimindo o seu pensamento com uma precisão invejavel.

«Quis erat, diz elle em uma das Epistolas, quis erat qui putaret ad eum amorem quem erga te habebam posse aliquid accedere? Tantum accessit, ut mihi nunc denique amare videar, antea dilexisse.»

Este formoso trecho encontra-se na Epistola 14 do Liv. 9.o, a qual se refere ao seu amigo Dolabella, a quem Cicero queria dar um testemunho da affeição que lhe consagrava, e que de dia em dia se ía augmentando, com quanto parecesse impossivel que viesse a ter maior desenvolvimento. He pois facil de vêr a admiravel propriedade de termos com que Cicero distingue a intensidade do seu affecto em dous periodos: «Quem julgaria que a amisade que eu te dedicava podésse jamais ter augmento? E comtudo, tanto ha ella crescido, que me parece que só agora começo a amar-te, e que ao principio só tinha para comtigo uma inclinação gostosa!»

Na Epistola 15.a do Liv. 5.o ha tambem um exemplo muito notavel. Lucceius escreveu a Cicero, dando-lhe os pezames da morte de Julia, filha do Orador Romano, e este lhe responde: «Omnis amor tuus ex omnibus se partibus ostendit in his litteris quas a te proximé accepi; non ille quidem mihi ignotus, sed tamen gratus et optatus, dicerem jucundus nisi hoc verbum in omne tempus perdidissem.»-A tua amisade patenteia-se em todas as partes da tua ultima carta; não he novo para mim esse testemunho, mas agrada-me e lisongeia-me, e diria até que me causa alegria, se para sempre não tivesse eu perdido essa palavra!

E não só em Cicero encontramos exemplos, senão tambem em outros escriptores da antiguidade. Quem proporcionou ao douto D. Francisco de S. Luiz a ideia da judiciosa distincção entre os vocabulos homem e varão? Forão os nossos Classicos Arraez e Vieira; o primeiro dos quaes disse: «Se os homens tivessem hum pouco de coração, e fossem varões, não temerião a morte»; e o segundo disse: «Este mesmo nome (varão) não só significava o sexo, senão tambem o juizo, o valor, a experiencia.... e todas as outras qualidades, de que se compoem um heroe perfeito.»E quem suggerio a estes nossos Classicos a distincção que apresentão? Foi Seneca, o qual na Consol. ad Polyb. 36 disse assim: «Non sentire mala sua, non est hominis, non ferre, non est viri.»

Deixando outros exemplos, que nos tomarião grande es

paço, limitar-nos-hemos a transcrever uma passagem de Varrão (De Lingua Latina, v. 8.), na qual he explicada magistralmente, e com toda a clareza, a diversa significação de tres verbos sinonimos:«Propter similitudinem agendi, et faciendi, quidam error heis qui putant esse unum. Potest enim quis aliquid facere et non agere; ut poeta facit fabulam et non agit, contra actor agit et non facit; et sic a poeta fabula fit et non agitur, ab actore agitur et non fit: contra imperator, qui dicitur res gerere, in eo neque agit neque facit, sed gerit, id est sustinet; translatum ab heis qui onera gerunt, quôd sustinent.»>

Assentemos, pois, a doutrina de que os vocabulos sinonimos, que em cada lingua culta se conservão e coexistem, exprimem sim uma ideia principal, que lhes he commum, mas se distinguem entre si por differenças de significação, que lhes imprimem um caracter proprio, singular e privativo. Assim, por exemplo, os vocabulos mutuo e reciproco exprimem ambos a ideia principal de proveniencia de uma parte e de outra; mas differenção-se entre si, porque o primeiro refere-se propriamente a entidades espontaneas, voluntarias, livres, e o segundo envolve já uma ideia de recompensa, de dever, de obrigação; e neste sentido chamaremos reciprocas as obrigações que se dão entre amos e criados, e mutuos os obsequios que os amigos fazem uns aos

outros.

Essas differenças serão por vezes muito subtís, por ventura em alguns casos um tanto methaphysicas, e não será raro que uma demasia de analyse, um excessivo empenho de rigorismo, vão esquadrinhar analogias ou dissimilhanças, onde realmente não existem. Não obsta isso, porém, á que, em regra geral, seja muito proveitoso apreciar profundamente o valor das palavras, e desentranhar dos sinonimos as differenças de ideias accessorias, que os tornão diversamente proprios para exprimir o pensamento com maior clareza, elegancia, energia, extensão, e exactidão.

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O celebre La Bruyère observa no Cap. 5.o dos «Caractères»> o seguinte: «<entre toutes les différentes expressions qui peuvent rendre une seule de nos pensées, il n'y en a qu'une qui soit la bonne: on ne la rencontre pas toujours en parlant ou en écrivant; il est vrai néanmoins qu'elle existe, que tout ce qui ne l'est point est faible et ne satisfait point un homme d'esprit que veut se faire entendre.»=

E nestes nossos tempos, assim se exprimío M. Guisot: ===

«O estudo dos sinonimos exerce a sagacidade do entendimento, acostumando-o a distinguir o que seria facil confundir; determinando o sentido proprio dos termos, previne as disputas de palavras, de que são quasi sempre causa os equivocos e amphibologias; fixa o uso, do qual vem a ser a testemunha e o interprete; collige, por assim dizer, as folhas dispersas em que se contém os oraculos desta imperiosa Sibylla; póde até suppri-las ajudando-se dos recursos que a analyse logica e grammatical The ministrão, faz adquirir ao estilo aquella propriedade de expressão, aquella precisão, que he a pedra de toque dos grandes escriptores; em fim, enriquece a lingua de todos os termos, os quaes distingue d'um modo positivo, porque não he a repetição dos mesmos sons, senão a das mesmas ideias, que enfastia e cança o leitor.»>=

Não menos fazem ao nosso proposito as opiniões de dous philólogos portuguezes, que a nosso vêr puzerão fóra de toda a duvida a utilidade de um bom tratado de Sinonimos.

D. Francisco de S. Luiz diz assim: «........ sendo incontestavel, que os progressos da razão humana em qualquer ramo das sciencias, depende essencialmente da exacta precisão da linguagem; e que hum Diccionario bem feito do idioma de qualquer nação, he o mais certo demonstrador do grão de perfeição, a que tem chegado nessa nação os conhecimentos uteis; claro está, que nem aquella precisão se póde alcançar, sem serem bem determinadas as differenças, ás vezes quasi imperceptiveis, que ha entre os vocabulos reputados por sinonimos; nem este Diccionario se poderá jamais dizer bem feito, sem que nelle se notem essas differenças.>>=

O Sr. Roquete exprime-se assim: «Seria affectação ridicula o não convir em que as mais das vezes é mui indifferente o seu uso, e em que os sinonimos podem ser mui uteis á poesia e ao discurso familiar; aquella para variar as cadencias e facilitar as medidas e as rimas; e a este para poder encontrar sem dilação a palavra que explique sufficientemente um pensamento que não exige uma rigorosissima escolha de termos. Porém, ao orador, ao philosopho, ao sabio, ao facultativo, que teem que dar á sua persuasão, ou á sua explicação, a maior precisão, e energia e clareza possivel, convem-lhes sobre maneira escolher aquellas vozes e termos que esmiúcem, por assim dizer, as mais pequenas modificações das ideias geraes, que apenas se distinguem no uso commum.»=

Posto isto, vejamos agora quaes subsidios possuimos neste ramo da nossa Litteratura:

Bluteau:

VOCABULARIO DE SYNONIMOS E PHRASES PORTUGUEZAS, para facilitar composições em prosa, e em verso.

D. Fr. Francisco de S. Luiz (Cardeal Saraiva):

ENSAIO SOBRE ALGUNS SYNONIMOS DA LINGUA Portugueza, 1.a parte em 1824; 2. em 1828.

J. I. Roquette:

DICCIONARIO DOS SYNONIMOS DA LINGUA Portugueza. 1848.

Moraes, Constancio, etc.:

DICCIONARIOS DA LINGUA PORTUGUEZA, DAS EDIÇÕES DES

TES ULTIMOS ANNOS.

Francisco José Freire (Candido Lusitano):

DICCIONARIO POETICO, para uso dos que principião a exercitar-se na Poesia: obra igualmente util ao orador principiante.-1820.

José da Fonseca:

DICCIONARIO POETICO E DE EPITHETOS.1847.

O Vocabulario de Sinonimos de Bluteau, bem como os Diccionarios Poeticos de Francisco José Freire e de José da Fonseca, não são propriamente trabalhos philosophicos sobre os sinonimos, pois que não determinão as differenças que existem entre os vocabulos, tendo unicamente por fim poupar aos que escrevem em prosa, ou em verso, o incommodo de folhear Diccionarios, quando quizerem variar a phrase, ou dar um certo realce ao discurso

Debaixo deste ponto de vista, he incontestavel a utilidade de taes trabalhos; mas com referencia á precisão philosophica da linguagem, he certo que não podem ter o alcance do Ensaio e do Diccionario, acima apontados.

Quando Bluteau apresenta, por exemplo, o vocabulo Abrigo, dá-lhe por sinonimos os seguintes: Amparo, Guarida, Protec

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