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<<< offerecesse no contexto de uma obra, ou porque julgassem que <«< assim os tinhão em portuguez, ou porque lhes parecia a lin<< gua pobre, e os taes vocabulos necessarios!!...-N'outros não << era tanto falta de conhecimento da lingua, nem dos authores << nacionaes, como uma especie de enthusiasmo, que lhes fazia <«< considerar no estilo francez não sei que de mais relevante. « Commetterão-se traducções de varias obras, e tratados aos << aventureiros, que se presumião capazes de similhante empreza, << ou elles mesmos as offerecião, sem esperar que os rogassem; «<e nas circumstuncias presuppostas, sendo taes traducções feitas «<muito á pressa, umas inspiradas pela fome, outras pela pre<«<sumpção, sahião taes como se póde esperar. O que mais admira << he que muitos homens doutos, e versados nos nossos authores... <«< se deixárão (não sei como) levar da torrente, e abraçárão as <«<francezias, querendo mais comprazer com o gosto dos insensa<«tos, do que seguir a prudente austeridade de pequeno numero <«<dos censores judiciosos: e o peior he, que o seu exemplo, tal<«< vez a seu pesar, tem servido de authorisar, e propagar a cor<«<ruptella, principalmente nos pulpitos, onde... a doutrina de << Christo já por moda costuma ter mais de phrase franceza, que «de phrase evangelica. >>

¿Qual conclusão tira a final o author do « Ensaio Critico » da doutrina que expõe? A urgente, a impreterivel necessidade em que estamos de expurgar a nossa lingua, e de fazer a mais forte opposição á moda prejudicial..... A lingua franceza já nos deu termos bastantes, que estão no nosso,thesouro, e tem a prescripção de mui longa e veneranda antiguidade. Conservemos esses que já são nossos, e sejamos parcos e judiciosos no superfluo.

Cabe tambem aqui mencionar as Reflexões sobre a lingua portugueza, escriptas por Francisco José Freire, publicadas com algumas annotações pela Sociedade Propagadora dos Conhecimentos Uteis em 1842.-A reflexão 5.a da 1.a parte desta obra refere-se aos vocabulos francezes e italianos, novamente introduzidos na lingua portugueza; e ahi apresenta-se o author a decidir entre os amantes da pura linguagem portugueza, e os defensores das vozes novas, dando a seguinte sentença: «<.... Uns «<e outros tem rasão. Os escrupulosos, porque é certo, que ha<< vendo para exprimir qualquer coisa, termo nacional, e usado «< pelos auctores, que são textos, não se deve adoptar um novo; << porque de outro modo nunca se verificará que um escriptor é

<< de linguagem mais pura do que o outro, e seria vão o nome « de classico, que se dá áquelles auctores que o mereceram. «Os escriptores indulgentes tem rasão em procurarem, á ma<<neira das outras nações, e vivamente protegerem a introduc<«<ção de vocabulos expressivos e precisos, quando não podérem <«<exprimir uma coisa, se não por longa, e tediosa circumlocução. Eis-aqui o como nos parece que devem concordar os dois << partidos, ambos excessivos: um porque nada permitte, ainda << havendo precisão, outro porque tudo concede, ainda havendo << necessidade. >>

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Temos por mui judicioso este modo de vêr as cousas; mas lamentamos que o author não desse maior extensão e desenvolvimento ao assumpto, que em verdade requeria ser tratado menos concisa e resumidamente do que elle o faz.-Veja-se a erudita nota á 5.a Reflexão, que se encontra de pag. 168 a 170 da 1. parte da obra.

No 1.o volume do « Panorama » (1837) vem um artigo muito conceituoso, que tem por titulo «Gallicismos» e começa assim: <«< A leitura frequente dos livros francezes tem corrompido a nossa linguagem por tal maneira, que já hoje é impossivel desinçal-a « dos gallicismos, nomeadamente os de phrase, em que abunda.>>

O erudito author desse artigo não decide a questão de saber, se algumas construcções daquella lingua, extremamente regular, serão boas de ageitar ao nosso idioma; mas tem aliás por incontestavel que a lição de authores francezes poz em esquecimento os portuguezes, e que, sendo a nossa lingua abundantissima, e escaça a franceza a muitos respeitos, pela falta de conversar os escriptores nacionaes, encurtamos e empobrecemos as fórmas e os elementos do discurso. Ainda da leitura das obras francezas se segue outro grave damno, e vem a ser, que até tratando de materias curiosas, os livros portuguezes enfastião, porque quem está habituado a certas idéas, e a certa ordem e disposição dellas, não gosta do que vae fóra daquelle trilho que costumou seguir. -¿Poderemos remediar até certo ponto estes inconvenientes? Sim, tornando mais accessiveis as fontes da lingua classica portugueza, por meio de uma collecção de pedaços selectos dos escriptores portuguezes,-pela reimpressão economica dos nossos melhores classicos, e finalmente por meio de traducções bem castigadas de boas obras estrangeiras.

¿Será verdade que se não podem lêr os nossos classicos em rasão dos assumptos que tratárão? ¿Será exacta, em geral, a

expressão que a respeito de alguns se empregou, chamando-lhes tulhas de dormideiras, em consequencia de se occuparem pela maior parte de vidas de santos, de sermões, historias de conventos, de frades, de milagres, de genealogias estereis, de amplificações bombasticas de combates, etc. etc.?

Não, mil vezes não. Podem a preguiça, e o desamor das cousas patrias inventar quantos pretextos quizerem, mas a todo o tempo estará ahi para responder triumphantemente a calorosa invectiva do Sr. Garrett:

«Vergonhosa desculpa! Com que as Decadas de Barros, que « foi talvez o primeiro que introduziu com feliz execução o es«tylo classico na historia moderna, são chronicas de conventos? « Fernão Mendes Pinto, o primeiro europeu que excreveu uma << viagem regular da China e dos estremos d'Azia, são vidas de <«< santos? E dessas mesmas vidas de santos, quantas dellas são << de summo interesse, de divertida e proficua leitura! A vida de <<D. Frei Bartholomeu dos Martyres tem toda a valia das mais <«<gabadas memorias historicas, de que hoje anda cheia a Euro<«<pa, e que ninguem taxou ainda de pouco interessantes. Quan«do outra coisa não contivesse aquelle excellente livro senão a << narração do Concilio de Trento, a viagem e estada do arcebispo de Roma, já seria elle uma das mais curiosas e impor<«<tantes do seculo 16.° E D. Francisco de Mello, e Rodrigues «Lobo, e Camões, e grande cópia de poetas de todos os gene«ros, tudo isto são sermonarios, vidas de santos? »

Temos apresentado tudo quanto de mais substancial póde dizer-se acerca do assumpto de que nos occupamos; cumpre porém não omittir a indicação de outros pontos de vista, sob os quaes póde ser encarado o mesmo assumpto.

O Sr. A. Herculano, em uma nota ao interessante artigo 1.° «Apontamentos para a historia dos bens da Corôa e dos foraes» allude ao juizo critico, que o illustre Cardeal Saraiva faz no seu «Glossario» sobre as expressões baixo clero, e alto clero, e a esse proposito observa que a clareza importa um pouco mais que os primores e pontualidades da lingua em assumptos historicos.

He sabido que no «Glossario» vem qualificada a expressão baixo clero de tão alheia e impropria da nossa lingua, como indigna de ser adoptada em qualquer idioma polido, e em vez de baixo clero e alto clero, se opina que se diga: os bispos e o clero, ou a ordem episcopal e a clerezia— os pastores da primeira

ordem, os pastores da segunda ordem, ou como se explica Gerson: Os prelados maiores, e os prelados menores.

He com referencia a este juizo critico que o Sr. A. Herculano, considerando as expressões alto clero e baixo clero como metaphisicas, intende que não podem ser consideradas como privativas antes de uma nação do que de outra; e sustenta a indispensabilidade do seu uso na lingua portugueza, com o fundamento de que a distincção social completa que havia entre clero e clero na idade media, por nenhumas palavras se exprime com maior clareza do que por aquella.

Aqui apparece pois a necessidade de averiguar, se por vezes convirá sacrificar o rigor linguistico á exactidão historica, e até ás exigencias scientificas.

Ha quem pense, e desta opinião he formalmente o Sr. A. Herculano, que he possivel conduzir prudentemente, para que não desfeche em anarchia, a transformação operada na nossa lingua pela invasão das idéas, e livros francezes, mas que será vão empenho tentar destrui-la.

¿Porque? Porque para destruir essa transformação, só ha um meio, e he o de destruir a influencia da acção intellectual da França em Portugal, o que he impossivel. «Como actúa, per«gunta o Sr. A. Herculano, a lingua franceza em a nossa? << Unicamente pela imprensa, pelos livros; mas cada livro é como «um individuo daquella nação que vem fallar no meio de nós; <«<individuo por via de regra mais civilisado, mais rico da idéas, «ou pelo menos de idéas mais bem ordenadas, que os que o es«cutão. Reflectidas em nossa alma essas idéas, a que muitas ve«<zes não é facil achar a formula nacional que as represente como «as concebemos, até porque haverá casos em que tal formula não «<exista, exprimimo-las involuntariamente com a phrase pere«grina. Então aquellas idéas, partindo de sujeitos superiores em «civilisação e cultura de espirito, vasadas no molde estrangeiro, «derramam-se entre o povo, e passados poucos annos vamos en«contra-las trajando já o burel populár no mercado, na taberna, «<e até nos logares que mais resistem ás innovações de todo o «genero, nas povoações ruraes.>>

Depois da lingua franceza, as linguas modernas que sobre a nossa teem tido alguma influencia, são a italiana e a ingleza; mas essa influencia não alterou a indole da portugueza, e tem sido vantajosa, porque nos ha subministrado muitos vocabulos no dominio das Bellas-Artes, do Commercio, da Politica e da Industria.

CAPITULO VII.

DOS SUBSIDIOS LITTERARIOS QUE POSSUIMOS EM QUANTO AOS SYNONIMOS.

Pluribus autem nominibus in eâdem re vulgo utimur; que tamen, si diducas, suam propriam quandam vim ostendunt.

(QUINT. 6. 3. Inst. Orat.)

DECOMPONDO a palavra Sinonimos, podemos dizer: Vocabula sinonima sunt diversa ejusdem rei nomina. E com effeito, tal parece ter sido a primitiva ideia ligada a esta palavra.

He curioso vêr a accepção em que Aristoteles tomou esta palavra. Citarei as proprias expressões de um escriptor inglez, que reproduz o pensamento do Stagirita: those words are synonimes in which both the name is common, and the definition of the substance with reference to the name is the same; for instance, both man and ox are «animal»; for both are called by a common name, and the definition of the substance is the same; for if a man gives a definition of each, what is meant by each being animal, he will give the same definition.

De sorte que, na opinião de Aristoteles, a sinonimia das palavras mais era revelada por uma operação silogistica, do que pela identidade de significação das mesmas A palavra homem e a palavra boi, dizia elle, são sinonimas, porque o homem e o boi são designados por um nome commum, e definidos por uma ideia commum, qual a de animal.

Posteriormente, porém, intendeu-se por sinonimos aquellas vozes que o uso, ou ainda a authoridade tem applicado á expressão das mesmas ideias, e assim dizemos que são sinonimos os termos: mutuo, reciproco;—quietação, repouso, descanço, etc.

E aqui apparece a indispensabilidade de dar uma precisão philosophica á theoria dos sinonimos.

Se ha vozes applicadas á expressão das mesmas ideias, acóde naturalmente ao pensamento a observação de Du Marsais: Se existissem sinonimos perfeitos, haveria duas linguas em uma mesma lingua; pois seria uma superfluidade procurar um novo signal de um ideia, quando já tivessemos um signal exacto.

Se diversas vozes exprimissem, exacta e indistinctamente,

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