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Entre os Mss. da Bibliotheca Riberiana encontra-se o seguinte:

DAS ORIGENS ARABICAS DOS DIALECTOS DE ESPANHA.

«Não obstante, diz o author, a conservação e uso da antiga lingua geral de Espanha, nos tempos da dominação arabica de muitas de suas terras- o idioma arabico teve muito curso entre os nossos, e nos communicou grande soma de vocabulos, que vierão a encorporar-se nos diversos dialectos de Espanha, em que o antigo espanhol se havia já de muitos seculos dividido. Em verdade os nossos, tanto os que ficarão sujeitos aos Sarracenos, como tambem os que o não forão, tiverão muito trato e pratica do arabismo.>>

Traz no fim um catalogo dos «Escritores que se hãode consultar para as combinações das Origens Arabicas das Linguas de Espanha.» Já ahi vem mencionado Fr. João de Sousa, ao qual chama o author «Varão muito sabio na Philologia Oriental», e á sua obra a «melhor que d'isto temos.»>

Passemos agora a fallar do «Glossario de vocabulos Portuguezes derivados das Linguas Orientaes e Africanas, excepto a Arabe.>>

Os Iberos, e os Persas, os Fenicios, os Carthaginezes, os Hebreus, as colonias Africanas que os arabes trouxerão da Africa, todos esses povos tiverão relações muito intimas com as Hespanhas, ou seja pelo commercio, ou seja por habitação, estabelecimento de colonias, ou por outro qualquer modo.

«Nos tempos mais modernos bem sabidas são, diz o Sr. D. Francisco de S. Luiz, as nossas frequentes expedições a Africa, e os descobrimentos, conquistas, e estabelecimentos que fizemos em toda a costa occidental e oriental do mundo; a communicação, trato, e commercio, que tivemos com os seus povos; e como logo depois extendemos a nossa navegação ás costas da Arabia, da Persia e da India, e passando muito além do Ganges, chega mos até ás extremidades da China e do Japão, e ao immenso archipelago das Molucas, fundando cidades, levantando fortalezas, estabelecendo feitorias, e dominando em muitas partes daquelle vasto e remoto Oriente. >>

¿Que conclue destes factos historicos o author do «Glossario?»-«Que de todo este trato e communicação com tantos povos Africanos e Orientaes, antigos e modernos, continuado por

largos seculos, dentro e fóra da Peninsula, necessariamente havião de vir, e effectivamente vierão, aos idiomas das Hespanhas, e em particular ao Portuguez, muitos vocabulos, frases, fórmas, e idiotismos das linguas daquelles povos, assim como nos vierão usos, costumes, é praticas, que ainda entre nós se conservão.»>

¿Qual foi o intento do author, compondo o seu Glossario? -Recolher esses vestigios, com respeito ao idioma portuguez, exceptuando os vocabulos que nos ficarão dos arabes; visto achar-se já esta parte das origens portuguezas tratada por Fr. João de Sousa.

¿Em que conceito tinha o author o seu proprio trabalho?Com muito louvavel modestia nos diz, que não podia ser completo o seu «Glossario,» porque a empreza he nova na nossa litteratura, e o objecto difficil; pelo que, o Glossario conteria sómente aquelles vocabulos, que no decurso de suas assiduas leituras se lhe offerecêrão, e com bom fundamento julgou derivados de origem oriental ou africana.

Lendo esta interessante obra, vê-se que o illustre author possuia largo conhecimento da lingua hebraica, da litteratura sagrada, e da latina.

Os livros e authores citados no «Glossario», são os seguintes: Moraes, Dicc.-Bluteau, vocab. e supp.-Sousa, vestig. Arab.- Vieira Transtagano, obr. etymol. 1789-Lexicon Hebraico de Guarin- Viterbo Elucidario-Dicc. da Ling. Bunda, ou Angolense, 1804;-Um grande numero de escriptores portuguezes, taes como, Barros, Couto, Goes, Duarte Barbosa, Lucena, D. Franc. Manuel (obr. metr.), Fr. Gaspar de S. Bernardino, Castanheda, Santos (Eth. Or.), Naveg, de Lisboa á Ilha de S. Thomé pelos annos de 1551, Fr. Pantaleão (Itinerario), João Pedro Ribeiro (Dissert. Chron. e Crit.);-differentes escriptores estrangeiros, taes como Denina (Clef des Langues), Plutarco, Volney;-a Biblia, passim, no hebraico, na vulgata, na traducção do P. Antonio Pereira, e nos Commentadores; Brotero (Flora Lusitana).

«Uma fonte de augmento para a lingua, diz o erudito author das Considerações sobre a Lingua Portugueza, forão as <«<conquistas, a navegação, e o commercio, que os portuguezes <<fizerão nas tres partes do mundo, e a este facto deve attribuir<«<se a introducção de tantos termos exoticos de origem oriental, «de que muito nos deu illustrada explicação o eximio escriptor «ha pouco citado (D. Francisco de S. Luiz); e muitos mais en

«contrará o observador estudioso nas obras dos escriptores por«tuguezes, que escreverão das nossas cousas naquellas tres par«tes do mundo.»

He na verdade bastante rico de noticias o «Glossario,» e como tal deve ter-se na conta de um proveitoso subsidio para o estudo da nossa lingua; no entanto, he indispensavel que posteriores indagações o vão augmentando com a explicação de varios termos, que indubitavelmente tomámos dos idiomas da India, da Persia, da China e da America, e que aliás escapárão ao sabio philólogo, de cujo trabalho nos vamos occupando. Assim, por exemplo, a palavra Chocolate nos veio da lingua mexicana; tapioca, jacaré, ananaz, da brazileira; tanque, chita, coco, são palavras asiaticas; feitiço, feiticeira, cauri, missanga são tiradas das linguas dos povos négros da Africa.

E por esta occasião não podemos dispensar-nos de fazer sentir a differença que o clima, o caracter dos povos, e outras muitas circumstancias necessariamente devem ter produzido sobre o idioma portuguez no Brasil. He incontestavel que a linguua portugueza tem continuado a ser commum aos habitantes dos dois mundos, como permanecendo essencialmente a mesma; não póde porém duvidar-se de que, transportada ao Brasil, modificou algum tanto a sua indole, por effeito da poderosa influencia do clima, do caracter dos naturaes, da mistura de raças diversas etc. etc. Além desta differença, que abrange a generalidade do idioma, ha tambem a considerar a introducção de um grande numero de vocabulos peculiares áquelle paiz, pela especialidade das suas producções naturaes, e costumes dos indigenas, ou mesmo dos colonos do Ultramar, que successivamente forão passando ao Brasil.

Tocámos neste ponto muito de passagem, unicamente para chamar sobre elle a attenção de quem houver de occupar-se do estudo profundo da lingua portugueza.

No fim do «Glossario» vem um Appendix, no qual se notão alguns hebraismos que se conservão no idioma portuguez.Esta parte do «Glossario» he muito interessante, porque nos dá noticia de muitas locuções e idiotismos hebraicos, que se introduzirão na nossa lingua, e a enriquecerão.

CAPITULO VI.

DOS GALLICISMOS

Abra-se a antiga veneranda fonte
Dos genuinos classicos, e soltem-se
As correntes da antiga linguagem.
FILINTO ELYSIO.

FALLAREI neste Capitulo da influencia que a lingua portugueza tem recebido das linguas modernas, ou mais exactamente, da franceza.

De todas as linguas modernas he a franceza aquella de que a portugueza tem recebido maior e mais profunda influencia. ¿Qual he a rasão disto?

M. De Lamartine diz algures, na sua interessante «<Histoire des Girondins»>«Il y avait de plus, et il y aura toujours dans <«<le génie français quelque chose de plus puissante que sa puis<«<sance, de plus lumineux que son éclat, c'est sa chaleur, c'est <«<sa communicabilité pénétrante, c'est l'attrait qu'il ressent et <«<qu'il inspire en Europe. Le génie de l'Espagne de Charles«Quint est fier et aventureux; le génie de l'Allemagne est pro<«<fond et austère; le génie de l'Angleterre est habile et surper«<be; celui de la France est aimant, et c'est là sa force. Séduc<«<tible lui-même, il séduit facilement les peuples. Les autres <<grandes individualités du monde des nations n'ont que leur gé«nie. La France, pour second génie, a son cœur; elle le prodi«gue dans ses pensées, dans ses écrits comme dans ses actes na«tionaux. Quand la Providence veut qu'une idée embrase le «monde, elle l'allume dans l'âme d'un Français. >>

Pondo, porém, de parte esta communicabilidade do genio da França, outras rasões podem apresentar-se da influencia que a lingua portugueza tem recebido da franceza.

A lingua franceza he, desde longo tempo, uma lingua universal; por meio della se intendem individuos de differentes nações, como se entre estrangeiros servisse de interprete; desde a paz de Riswich e Nimegue está em uso entre os embaixadores, e he empregada em todas as negociações diplomaticas, como sendo muito clara, precisa, e regular; na lingua franceza está escripto quanto ha de mais interessante nos differentes ramos dos

conhecimentos humanos, quanto póde ser util ou agradavel á humanidade, como elegantemente o disse o nosso Francisco Manuel:

«Não que á lingua franceza eu odio tenha,
«Que fôra absurdo em mim. Ninguem confessa
«Mais sincero o valor de seus bons livros
«De todo o bom saber patentes cofres
«De polidez e de eloquencia ornados.
«Bastara em seu louvor, se o carecera,
«Ser bem vista e prezada em toda a Europa,
«Das côrtes e dos sabios no universo.
«<Conter em si ou proprio ou traduzido,
«Quanto Minerva poz no peito humano,
«As fadigas das artes, das sciencias,
«E os enfeites do flórido discurso.>>

O uso da lingua franceza, tão frequente, tão seguido, e sobre tudo a lição dos livros francezes, desde longo tempo muito generalisada, necessariamente havião de deixar fortissima impressão na nossa lingua.

¿ Até onde se estendeu essa influencia?-Não só até ao ponto de introduzirmos na nossa lingua um grande numero de vocabulos francezes, mas tambem de tomarmos do francez um modo particular de tecer o di curso, e um certo ar, geito, ou estylo de fallar e escrever, que é proprio daquella lingua, e que não conforma com a indole, genio e caracter da lingua portugueza.

A nossa Academia Real das Sciencias não podia ficar impassivel ao ver o perigo que hia correndo a formosa lingua portugueza, e por isso o primeiro assumpto por ella proposto no programma de 1810, na classe de Litteratura Portugueza, foi o Glossario ou Catalogo de palavras e phrases, em que se mostrasse com toda a individuação as que são proprias da lingua franceza, e que por descuido ou ignorancia se tem introduzido na locução portugueza moderna, contra o antigo e bom uso, e principalmente as que forem contra o genio da nossa lingua, e como taes inadoptaveis nella.

Desempenhou este assumpto um litterato insigne, o Sr. D. Francisco de S. Luiz, compondo o bem conhecido Glossario das palavras e phrases da lingua franceza, que por descuido, ignorancia ou necessidade se tem introduzido na locução portugueza moderna, com o juizo critico das que são adoptaveis nella.

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