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alunt, senectutem ablectant, secundas res ornant, adversis perfugium ac solatium præbent.

Quem não vê que os acontecimentos, a gloria, as illusões, as crenças dos seculos, são o commentario vivo das obras primas litterarias, do mesmo modo que estas os explicão, os illustrão e os perpetúão?—Na edade media apparece na Italia uma lucta encarniçada entre os Guelphos e os Gibelinos, e lá surge um poeta immortal, o Dante, offerecendo á posteridade hum commentario vivo d'este acontecimento ponderoso, a Divina Comedia.— Depois d'elle, n'essa mesma Italia, ergue-se o Tasso, e, com a sua lyra encantada, resuscita a gloria dos Cruzados, que tinhão ído libertar o sepulchro de Christo.-Entre esses dois genios fulgurou outro, n'esta nossa terra de Portugal... O que elle cantou todos nós o sabemos... mas deixêmos alegrar por um pouco o nosso patriotismo, escutando as eloquentes vozes do immortal Chateaubriand: «Vasco da Gama, achevant une << navigation d'éternelle mémoire, aborda en 1498 à Calecut, <«<sur la côte de Malabar.—Tout change alors sur le globe; le <«<monde des anciens est détruit. La mer des Indes n'est plus <<< une mer intérieure, un bassin entouré par les côtes de l'Asie <«<et de l'Afrique; c'est un océan qui d'un côté se joint à l'Atlan«tique, de l'autre aux mers de la Chine et à une mer de l'Est, << plus vaste encore. Cent royaumes civilisés, arabes, ou indiens, <<< mahométans ou idolâtres, des îles embaumées d'aromates pré«cieux, sont révélées aux peuples de l'Occident. Une nature << toute nouvelle apparait; le rideau qui depuis des milliers de << siécles cachait une partie du monde, se lève: on découvre <«< la patrie du soleil, le lieu d'où il sort chaque matin pour dis<< penser la lumière; on voit à nu ce sage et brillant Orient dont <«<l'histoire se mêlait, pour nous, aux voyages de Pythagore, aux «< conquêtes d'Alexandre, au souvenir des Croisades, et dont les << parfums nous arrivaient à travers les champs de l'Arabie et les << mers de la Grèce.-L'Europe lui envoya un poète (Camoens) «pour le saluer, le chanter et le peindre; noble ambassadeur de « qui le génie et la fortun' semblaient avoir une sympathie secrète « avec les régions et les destinées des peuples de l'Inde! Le poète « du Tage fit entendre sa triste et belle voix sur les rivages du « Gange; il leur emprunta leur renommée et leurs malheurs: il ne <«<leur laissa que leurs richesses.-Et c'est un petit peuple, en«fermé dans un cercle de montagnes à l'extrémité occidentale «de l'Europe, qui se fraya le chemin à la partie la plus pom

«peuse de la demeure de l'homme.» (Préface du Voyage en Amérique).

Passo agora a encarar debaixo de outro ponto de vista o meu assumpto, e tratarei de ser breve.

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Entre os bons livros francezes dos tempos modernos, tenho eu na conta de excellente o que ha por titulo-Une lecture par jour, nouvelles leçons de Littérature historiques, morales et religieuses. Folheando esse bello livro, encontro n'elle uma demonstração prática da vasta extensão da Litteratura, não menos que da sua importancia e intrinseco merecimento. N'essa galeria magnifica de formosos trechos litterarios, vejo como a Litteratura 'se espráia pelos dilatados campos da allegoria-dos caracteres litterarios, historicos, moraes-da criticadas descripções e quadros da natureza e dos povos-dos dialogos-do genero oratorio-do genero epistolar-da moral religiosa e philosophica da historia-do drama-do panegyrico, dos elogios, dos parallelos, dos retratos-etc., etc.-Aqui, verto lagrimas sobre os pezares de um desterrado; além, extasio-me ao vêr encarecido o transcendente genio de Montesquieu; admiro depois a audacia e mascula eloquencia de Mirabeau, a ambição fogosa e insaciavel de Cesar e de Napoleão, ao lado da bonhomia de Lafayette; passo dos individuos aos caracteres, e apraz-me vêr desenhado, por mão habil, o retrato do usurario, do marinheiro, do viajante; subo á região das neves eternas, visito de passagem a morada dos Religiosos de S. Bernardo, e corro pressuroso a enlevar-me na contemplação da cúpola de S. Pedro de Roma; presenceio uma lucta á borda de um precipicio, e voltando algumas paginas, estou no meio das magnificencias de Versalhes... Mas para que he continuar! Não foi para fazer notar a variada instrucção que este livro procura, que eu o citei. O que elle me ajuda a provar já eu o disse, mas não he só isso. Depois de transcripto um trecho notavel de qualquer genero, segue-se-lhe o exame critico, o mais completo e instructivo que ser póde. M. A. Boniface, seguindo os mais seguros preceitos, começa por assignalar o genero de estylo, se sublime, nobre, poetico,-se biblico, pittoresco, romantico,-se simples, temperado, familiar; encontra na erudição os meios de definir o que no texto carece de explicação; e a final passão as expressões e as idéas pela fieira da mais severa critica, sendo tudo afferido pelo padrão da grammatica philosophica, e da esthetica.

¿E teremos nós, porventura, um livro como este, e como tantos

outros, verdadeiros cursos de Litteratura, em que abundão os francezes? Não; e atrevêra-me a dizer que encontrará grandissimas difficuldades quem quizer de prompto apresentar um trabalho perfeito, e de todo ponto satisfatorio. ¿E como não será assim, se a Litteratura não tem merecido até agora entre nós a consideração que lhe he devida, e nunca foi tratada, e muito menos professada, na extensão e desenvolvimento que lhe cabem?

Desejo ardentemente que ninguem pense que eu pretendo desabonar tantos e tão distinctos litteratos e Professores habilissimos que existem em Portugal. Aprecio devidamente o seu talento e escriptos, e folgára de lançar aqui a brilhante lista de seus illustres nomes, acompanhada dos louvores que merecem... Mas a falta procede de causas, que não he possivel vencer immediatamente, e que só com um novo systema de ensino, esforço e perseverança dos corpos scientificos, e dos homens instruidos, poderão remover-se.

Temos, acaso, um Diccionario da Lingua Portugueza, que, por sua authenticidade, dissipe todas as duvidas, esclareça todas as questões, fixe e determine o que n'este particular deve ser fixo e determinado?

¿Está, porventura, determinada incontestavelmente, e como doutrina corrente, a origem da nossa lingua?

¿A nossa orthographia está acaso assente em preceitos regulares e uniformes?

¿Os nossos escriptores das differentes epochas estão, acaso, vulgarisados entre os portuguezes, ou aguardâmos ainda uma associação de homens poderosos, e ao mesmo tempo presadores das nossas cousas, que promova a impressão economica dos livros e manuscriptos, que só nas grandes bibliothecas se encontrão, ou em poder de algum feliz bibliophilo?

¿Tem, porventura, a nossa Litteratura sido examinada profunda e extensamente, com referencia aos differentes periodos da nossa historia, e ás vicissitudes da nossa existencia politica?

¿Tem a nossa Litteratura sido confrontada, systematica el philosophicamente, com a Litteratura classica da Grecia e Roma antigas, e com a dos povos modernos do meio dia e do norte da Europa?

¿Possuimos, acaso, uma historia litteraria do nosso Paiz, que satisfaça a todas as exigencias da erudição, da philosophia, e da critica?

¿Temos algum trabalho perfeito sobre a Litteratura que propriamente póde denominar-se «Biblica » ?

¿A eloquencia do pulpito, a do foro, a da tribuna, nas quaes temos, graças a Deus, excellentes modelos, e podemos citar com ufania bastantes nomes illustres, tem, acaso, sido sujeita ao exame de uma critica apurada?

Era facil dar uma resposta cathegorica a estas e outras perguntas, que ainda podéra acrescentar; basta, porém, dizer por agora que alguns subsidios que n'este genero possuimos, sobre serem deficientes, andão de tal modo derramados, que não podem formar um corpo de doutrina tal qual nos he preciso.

N'este e no primeiro capitulo disse quanto se me affigurou necessario para despertar a attenção dos sabedores sobre as questões que ousei sujeitar á sua consideração. Resta agora fazer o inventario dos subsidios litterarios que possuimos, com referencia aos quesitos que deixo exarados; e d'isso começarei a occupar-me no capitulo seguinte, tratando em primeiro logar da Historia Litteraria e successivamente da Lingua, da Critica Litteraria, etc. etc.

Não será por certo perdido o tempo que houvermos de consagrar ás investigações sobre a nossa Litteratura, á qual já os estrangeiros começárão a dar a importancia, que por tanto tempo lhe recusárão. «Quand on lit, diz M. Ferdinand Denis, les chef-d'œuvre de la littérature portugaise, et que l'on admíre dans une langue noble et harmonieuse des poëtes, des historiens, des romanciers, qui existaient bien avant que nos auteurs donnassent l'essort à leur génie; quand on se rappelle chez combien de peuples les Portugais avaient porté leurs coutumes et leur langage, l'on se demande comment il se fait que la littérature dont nous allons nous occuper soit si peu connue, et l'on cherche par quelle raison elle cessa d'être momentanément cultivée même dans le beau pays dont elle est encore la gloire. >>

TITULO II.

HISTORIA LITTERARIA.

CAPITULO I.

O QUE SE ENTENDE POR HISTORIA LITTERARIA.

PRINCIPÍA A RESENHA DOS subsidios que possuimos PARA A HISTORIA
DA LITTERATURA PORTUGUEZA.

Ad Historiam Litterariam non nihil dilucidandam, illustrandamque progredimur, quæ singulis ad eruditionem aspirantibus tanto magis est necessaria, quanto est turpius, si quis ortum, progressum, incrementa, fata, conditores, et Auctores suæ Artis, ac Scientiæ ignoret. ZALLWEIN In Princ. Juris.

Dou principio ao inventario da nossa riqueza litteraria, pelos subsidios que possuimos para a Historia da Litteratura Portu

gueza.

Vejamos, antes de tudo, o que se entende por Historia Litteraria, a fim de conhecermos perfeitamente os elementos que entrão na formação da Historia da Litteratura Portugueza.

A Historia Litteraria, segundo os authores que da mesma hão tratado, deve ser chronologica, geographica, technologica, biographica, philosophica e critica. Satisfazendo a estas exigencias, he ella um thesouro inapreciavel, por isso que encerra, entre outros, os seguintes elementos:

1.° Noticia da origem, progressos, augmento ou decadencia, e estado actual da Sciencia.

2. Exposição biographica dos authores, na ordem chronologica e successiva em que apparecêrão, como meio de conhecer o fim para que escreverão, a intenção que os animou, as circumstancias diversas e multimodas de familia, educação, patria, periodo historico, eschola, seita, religião, parcialidade politica, as quaes, por haverem influido no seu espirito e coração, ten

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