o curso das horas, e ao mesmo tempo deixam ver o machinismo e mola que os fazem mover.» Na tragedia de Corneille-Les Horaces-ha um rasgo de sublime, que aos leitores será agradavel encontrar mencionado n'este logar. Julia vem annunciar ao velho Horacio, pae dos tres mancebos que foram combater contra os Curiacios,-vem, digo, annunciar-lhe que, dos seus tres filhos, dois morreram, e o terceiro fugiu. O primeiro impulso do velho Horacio foi o de não acreditar que seu filho praticasse um tal acto de cobardia: Non, non, cela n'est point; on vous trompe, Julie; Je connois mieux mon sang, il sait mieux son devoir. Asseguram-lhe que seu filho, vendo-se só, fugira do combate. Então, á confiança frustrada succede a indignação no peito do velho Horacio, o qual exclama enfurecido:Como! pois os nossos soldados não vingaram a traição de meu filho, matando-o! Et nos soldats trahis ne l'ont pas achevé! Camilla, que estava escutando esta narração, pranteia a triste sorte de seus irmãos; mas o velho Horacio repelle toda a expansão de sensibilidade; glorifica a perda dos dois filhos que morreram no campo da peleja, e lastima-se inconsolavel do opprobrio que na sua familia lançára a supposta cobardia do filho sobrevivo: Deux jouissent d'un sort dont leur père est jaloux. Et l'opprobre éternel qu'il laisse au nom d'Horace. Julie:-Que voulez-vous qu'il fit contre trois? E esta sentida e heroica resposta: Que morresse!-profe rida por um pae, quando se lhe pergunta o que haveria de fazer um só dos seus filhos contra tres contendores,―esta resposta... é sublime! São geralmente considerados como sublimes os seguintes versos do grande Racine, na sua famosa tragedia - Esther: «J'ai vu l'impie adoré sur la terre ; «Pareil au cèdre, il cachoit dans les cieux «Il sembloit à son gré gouverner le tonnerre, «Je n'ai fait que passer, il n'étoit déjà plus.»> São estes versos, visivelmente, uma imitação feliz da poesia biblica, e reproduzem com valentia as soberbas imagens que admiramos no Psalmo XXXVI. Vidi impium superexaltatum, et elevatum sicut cedros Libani. Transivi, et ecce non erat; et quæsivi eum, et non est inventus locus ejus. «Vi o impio tão levantado como os cedros do Libano; mas passei, e já elle não existia; procurei-o, e já não achei o logar em que elle estava.» Observa um critico francez que tudo quanto de mais energico disseram os poetas ácerca de Troia, Carthago e Roma, foi que não existia já senão o logar em que tiveram assento aquellas cidades; mas, na pintura que o Psalmo apresenta, nem se quer existe já o logar em que estava o impio, quando subira á mais elevada fortuna! Racine é muitas vezes sublime, ainda através da maior simplicidade e lhaneza de expressões. Assim, no seguinte exemplo, transluz um pensamento sublime no meio de singelas palavras: O sagesse, ta parole Fit éclore l'Univers; A expressão de uma paixão nobre pode chegar a ser sublime, e a arrebatar a alma, como nos seguintes versos que Racine põe na boca de Joad, em dialogo com Abner, na incomparavel Athalia: Celui qui met un frein à la fureur des flots Je crains Dieu, cher Abner, et n'ai point d'autre crainte. Tambem a expressão de um sentimento elevado se torna sublime, quando o poeta a sabe concentrar em um dizer energico e resumido. Assim, na admiravel tragedia-Iphigenia -põe Racine na boca de Achilles, respondendo a Agamemnon, o seguinte: Ah! ne nous formons point ces indignes obstacles: Em uma bella pagina de Cousin se encontra o encarecimento de todos os córos d'Esther e de Athalia, e da ora ção d'Esther a Deus. Entende Cousin que a poesia é a arte por excellencia, e excede todas as outras, por ser incomparavelmente mais expressiva. Nenhuma tem como ella uma adequada disposição para os accentos patheticos. Os exemplos que o eloquente Cousin cita, a este proposito, interessam muito ao nosso assumpto : <Trazei á lembrança, diz elle, as palavras que Priamo deixa cair aos pés de Achilles, ao pedir-lhe o cadaver de seu filho; mais de um verso de Virgilio; scenas inteiras do Cid e de Poliuto; a oração de Esther ajoelhada diante de Deus; os córos d'Esther e de Athalia. No canto celebre de Pergoleso -Stabat mater dolorosa - póde perguntar-se qual commove mais, se a musica, se a lettra. O dies ira, dies illa, ainda sómente recitado, é já de um effeito terrivel.»1 Na tragedia-Os Templarios de Raynouard ha um 1 Du vrai, du beau et du bien. Par M. Victor Cousin. traço admiravel de sublime, que todos os homens de fino gosto têem saboreado e encarecido. O. condestavel Graucher de Châtillon refere a Filippe, o Bello, e á rainha Joanna de Navarra, o supplicio dos Templarios, e termina a sua narração de um modo que arrebata e deixa na alma uma impressão profunda de amargo pezar: É esta a traducção que se fez do notavel trecho da tragedia-Os Templarios-de Raynouard. Foi esta tragedia representada em 1805, e teve trinta e cinco representações consecutivas, sendo sempre muito apreciado o sublime fecho da narração: tinha cessado o canto!... É de saber que Jacques Molay e outro dignitario da Ordem dos Templarios foram mandados queimar por Filippe o Bello, precisamente no local onde está hoje a estatua de Henrique IV. As duas victimas pereceram nas chammas no dia 11 de março de 1314. A este respeito formou-se uma lenda popular, que merece ser recordada. Disse-se que Jacques Molay, ao subir á fogueira, emprazara o papa e o rei para comparecerem com elle na presença de Deus: o primeiro dentro de quatro mezes, o segundo dentro de um anno. O que é certo é que nenhum dos emprazados viveu além d'aquelles limites. Justo Lipsio, alludindo a isto, disse: Si a casu, miremur; si a Deo, vereamur. Se foi casualidade, admiremos; se Deus o mandou, temamo-lo com respeito. Filippe o Bello morreu no dia 29 de novembro do mesmo anno em que Jacques Molay foi queimado. Eis o conceito que um historiador grave, o sr. Victor Duray, faz d'aquelle soberano: Esse homem sinistro, esse rei, o mais cruel que ainda teve a França, tinha já chegado ao termo de seus dias, com quanto só houvesse attingido a edade de quarenta e seis annos. Expirou no dia 29 de novembro de 1314.1 É sublime a resposta de um religioso, a quem o seu superior perguntava, qual emprego tinha feito do tempo na comprida solidão em que vivera: Cogitavi dies antiquos, et annos æternos in mente habui. Eu considerava nos dias antigos, e punha na mente os annos eternos.>> Esta reminiscencia feliz, esta applicação admiravel de um pensamento elevado do rei propheta, abre ao espirito a perspectiva do infinito, como atiladamente disse um critico illustrado. 2 Leia-se o psalmo LXXVI, e ahi se encontra o versiculo de que o religioso fazia uma tão adequada applicação. Por mais extensa e desenvolvida resposta que elle désse ao seu superior, não conseguiria expressar-se tão vivamente, como aproveitando o versiculo admiravel do psalmista. E já agora quero recordar aos leitores a deducção cabal dos conceitos da magnifica poesia biblica: Eu me lembrei de Deus, e nelle achei a minha alegria: eu me exercitei na meditação, e o meu espirito cahiu desfallecido. «Os meus olhos se antecipavam ás vigias, e sentinellas da noite: eu estava cheio de turbação, e não podia fallar. «Eu considerava nos dias antigos, e punha na mente os annos eternos. «Eu meditava de noite no meu coração, e conversava commigo mesmo: eu varria e alimpava o meu espirito.» O nosso incomparavel Vieira, referindo que S. Gonçalo, em chegando á velhice, saira dos muros do povoado e se 1 Histoire de France. Par Victor Duruy. |