VII Deliciar-se-ha sempre com a vista de instructivos specimens a alma que for sensivel á harmonia e á expressão pittoresca ou sublime. No intuito de communicar a estes estudos praticos a maior variedade, e de os apresentar na maior somma de aspectos, que aos diversos leitores possam parecer uteis, guiei-me pela judiciosa profissão de fé litteraria de La Fontaine: Je chéris l'Arioste et j'estime le Tasse; As demais particularidades, que aqui deveramos offerecer á consideração dos leitores, vão expostas na introducção privativa de cada um dos tres capitulos d'este livrinho. Uma só ponderação: n'este modesto ensaio abrimos uma vereda, que superiores habilitações de muitos dos nossos conterraneos poderão converter em caminho largo e de agradavel transito atravez dos campos da littera tura. Lisboa. Outubro de 1879. O SUBLIME NA LITTERATURA (EXEMPLOS DIVERSOS) não é do Sublime persuadir, mas é sim arrebatar, arrobar, metter-nos na alma certa admiração entretecida de suspensão e espanto, que transpõe além do agradar, além do persuadir. Longino. O estylo sublime é aquelle que a imaginação torna colorido; é aquelle que ostenta nos seus periodos o brilhante fulgor da expressão e a pompa de uma linguagem figurada. Mas esse estylo, com quanto exprima altiloquo uma serie de idéas e de sentimentos nobres e elevados, nem por isso attinge necessariamente as proporções do que em rigor se chama sublime, nem com este deve ser confundido. O sublime, propriamente dito, é um rasgo, um movimento, uma phrase, uma palavra, que enlevam a alma, a arrebatam, e lhe incutem uma certa admiração, entretecida, como disse Longino, de suspensão e de espanto. Um poeta, um orador, um historiador, um philosopho exprimem, por vezes, nobremente uma longa progressão de pensamentos; mas sómente tocam nas raias do sublime em um periodo, em um verso, em uma curta phrase, em uma VOZ, e até em uma reticencia ou no silencio. O notavel critico La Harpe quiz dar a definição do sublime; declarou, porém, que lhe era impossivel fazel-o: Com effeito, disse elle, ¿como definir o que jamais póde ser preparado pelo poeta ou pelo orador, nem previsto por quem lê ou escuta: o que não se produz senão por uma especie de transporte, o que se não sente senão com enthusiasmo: e, finalmente, o que põe fóra de si o compositor e a multidão que o admira? como dar conta de uma impressão que é ao mesmo tempo a mais viva e a mais rapida de todas? como não será fria e insufficiente a explicação, quando se trata de patentear aos homens o que tão fortemente abalou as suas almas? Quem ignora que em todos os sentimentos extremos ha alguma coisa que está acima de toda a expressão? Quem ignora que, na occasião em que a nossa alma está commovida n ́um certo gráu, é para ella uma especie de tormento o não encontrar modo de se expressar? Se é averiguado que a faculdade de sentir vae muito além da faculdade de exprimir, tambem é certo que esta verdade tem particularmente applicação ao sublime, que excita em nós a maior commoção, e nos procura o mais vivo prazer, qual o goso intimo de tudo o que a natureza nos deu de sensibilidade.» 1 Mas, se La Harpe não pôde formular uma definição do sublime, logrou ao menos caracterisar perfeitamente a natureza e a essencia d'este, dizendo: a Sem pretender definir exactamente o sublime (o que me parece impossivel), se ha um caracter distinctivo que o possa fazer reconhecer, é que o sublime, quer de pensamento, quer de sentimento, quer de imagem, é em si mesmo tal, que a imaginação, o espirito, a alma, não concebem coisa alguma acima d'elle... O que é bello, o que é grande, o que é forte, admitte o mais ou menos: o sublime exclue gradações.» Em um livro do meado do seculo XVIII, meramente didactico, encontro estes enunciados: «Cinco são as fontes d'onde póde dimanar o sublime: a elevação do pensamento; o pathetico; a nobreza da dicção; 1 Lycée ou Cours de Littérature ancienne et moderne. Par J. F. La Harpe. o extraordinario nas figuras; a disposição das palavras, tendente a produzir o numero e a harmonia. «A elevação do pensamento e o pathetico dependem da grandeza d'alma, que é mais um presente da natureza, do que o resultado do estudo; no entanto a alma e o coração podem tornar-se nobres, magnanimos, sublimes pela cultura da virtude, pelas cogitações grandiosas, pelo amor da humanidade.»1 Para o nosso intento basta o que deixamos apontado. Não pretendemos exarar doutrina sobre o sublime nem sobre o estylo sublime; queremos unicamente offerecer á mocidade estudiosa alguns exemplos, de pensamentos profundos, de rasgos admiraveis de eloquencia, de bem expressados conceitos,quaes os fomos encontrando na lição de escriptores da antiguidade e dos tempos modernos. Esses exemplos, singelamente explicados, hão de ser um elemento de estudo mais efficaz do que a extensa e menos desenfastiada exposição de regras didacticas. 2 Praza a Deus que esses bellos rasgos de sublime procurem aos leitores o mesmo deleite que nes trouxeram e trazem ainda hoje. Bemdissemos e bemdiremos sempre a Providencia por ter dotado alguns dos mortaes com o incomparavel privilegio da vivacidade e profundeza de engenho, que os habilita para excitar na alma dos outros homens arrebatadoras impressões, e de a elevar á contemplação e ao amor do que ha de mais bello e nobre nos dominios do mundo moral. Largas poderiam ser desde já as proporções d'este trabalho especial; mas, para não cançarmos a attenção dos leitores, reservaremos a continuação d'elle para outra occasião que opportuna se nos offereça. Assim respondemos an 1 La Rhétorique ou les règles de l'eloquence. Par M. Gibert. Paris 1766. pag. 580 e seguintes. Cumpre observar que Gibert reproduziu a doutrina de Longino, exposta no cap. vi, Das cinco nascentes do Sublime. 2 Julgo, porém, conveniente apontar alguns escriptos que os leitores podem consultar com proveito, no tocante á doutrina: Tratado de Longino ácerca do Sublime. (Traduzido por Francisco Manuel do Nascimento). Du beau dans la nature, l'art et la poésie. Études esthétiques par Ádolphe Pictet.-Marmontel. Éléments de Lit térature. |