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trar o mesmo paiz em progresso sensivel e successivo. Elabora o ferro habilmente nas suas forjas da Styria, cujas obras são excellentes quasi tem supplantado as fabricas de Nimes na exportação dos chales ordinarios; prepara com grande superioridade os pannos tambem ordinarios; e apesar da justa censura que se lhe póde fazer em assumpto de gosto, os seus moveis produziram certa influencia na exposição por causa da robustez do trabalho. Um paiz que fabrica oito milhões de fouces e podões só para exportação, está evidentemente organisado para a industria em ponto grande.

Sobretudo nos cristaes de Bohemia se encontra uma das incontestaveis superioridades da fabricação austriaca. Cabe neste logar dizer duas palavras ácerca da industria do vidro, tal qual se examina na exposição. Tres potencias tinham direito de figurar nella com os seus caracteres distinctivos: a França, a Inglaterra, a Austria. A França absteve-se; as nossas boas fabricas de St. Louis e de Baccarat, dirigidas por proteccionistas, nada mandaram, e podiam ter enviado obras primas que perfeitamente conhecemos, porque ha uma collecção dellas magnifica em o conservatorio das artes e officios de Paris, que por si só bastaria para affror tar todas as collecções rivaes. Os fabricantes francezes que deixaram de concorrer neste ramo, brilhariam aqui senão pela barateza e pela côr dos productos, ao menos pela fórma, e seriam reputados dignos de occupar uma situação media entre a Inglaterra e a Austria a primeira parece ter levado a palma nos vidros brancos, e a Austria pelas côres. A fonte colossal dos inglezes, d'altura de quasi 45 palmos, cujas aguas derramam no centro do palacio de cristal uma frescura agora deliciosa, é um specimen glorioso que os artistas francezes ainda não egualaram, mas os grandes vasos vermelhos da Bohemia só tem sobre os destes a vantagem do preço baixo.

Chegam-me as lagrimas aos olhos divisando sob a bandeira austriaca os productos de uma grande parte da Italia, as sedas de Milão, de Verona, as formosas vidraças de Bertini, tudo quanto ainda resta de artistico e de engraçado a esses desventurados italianos. Tambem foi alli que a discordia abysmou a industria n'um pégo de males.

A Austria expoz bellas amostras dos seus productos mineralogicos. Faz, porém, triste figura com os seus estofos de algodão que lhe seria melhor abandonar. É uma especie de enfermidade que acommette hoje as nações grandes, quererem possuir a todo o custo por um trabalho forçado o que obteriam barato a troco dos productos do trabalho, que lhes é natural. As chitas d'Austria são feias, e mal preparadas apesar do luxo dos productos chimicos que figuram em seu nome na Exposição.

Em summa, a Austria occupa, como já dissemos. um logar muito distincto na Exposição universal. Ha na reunião quasi encyclopedica de seus productos o quer que é que manifesta a diversidade de raças do imperio os bohemios, os hungaros, os italianos, os allemães genuinos, que concorreram a formar o aggregado da industria austriaca, conservaram sem duvida a sua physionomia particular, porém nada perderam em se terem associado.

A Illustração ingleza, fallando da ousada e perfeitissima imitação da natureza, nas suas producções mais mimosas, rara industria em que se tem abalisado o nosso compatriota o St. Constantino, por occasião de appresentar um desenho da exposição deste rei dos floristas, que simelha uma estufa de plantas, porém artificiaes, diz:

« Antes de Constantino, a arte de florista era uma convenção; porém, elle fel-a uma creação. Dá ás suas flores não só o vulto, como tambem uma phisionomia. Antes delle todas as rosas eram eguaes, sempre no mesmo ponto, sempre falsas; nunca, talvez, o florista pensou em copiar a natureza, e certas floConstantino pensou que a nares nunca as imitou. turesa era dominio do homem; e tem reproduzido quanto era susceptivel de trasladar-se; quanto mais difficil é a illusão, tanto mais estimula o seu talento excepcional. A planta rara, a herva das campinas, a flor dos jardins, todas figuram no seu herbario immortal. Poderá chegar-se ao mesmo auge de perfeição; nunca passar ávante. Já mais se fará coisa mais similhante do que o seu girasol, o lyrio rosa, a magnolia, e (verdadeira obra prima) a solomea com sementes, erva dos caminhos, com que os rapazes se Para que faldivertem, semeando-a ao vento, e da qual um raminho está pegado á vidraça da estufa. lar da elegancia de suas armações, á vista dos prodigios de um talento por tal modo creador? Parar silenciosamente defronte da sua obra magnifica, é a homenagom que se tributa á arte.

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TELEGRAPHIA SUB-MARINA.

445 É notorio, que ha perto de um anno, teve começo a empreza assombrosa de um telegrapho submarino entre a França e a Inglaterra, que por um incidente se interrompeu por algum tempo. Renovaram-se as diligencias para o estabelecimento desta linha, è com bons fundamentos se crê que poderão abrir-se as communicações antes do outono do presente anno; e já prestaria serviço, segundo a exposição de Mr. Cubitte, se a corda de guttapercha, collocada com feliz exito no anno preterito, não fosse cortada por um pescador, ignaro do mal que fazia. Mas agora vão lançar-se dois tubos permanentes contendo cada um quatro cordas separadas, do custo de quarenta mil libras. Facultando o governo inglez uma carta de privilegios e o governo francez uma concessão por espaço de dez annos, auxiliaram quanto estava ao seu alcance os promotores da empreza. Se alguma censura cabe a esses governos, será por não terem encurtado todas as delongas desde que foi constante que a telegraphia electrica podia estabelecer-se, facilmente e com pouca despeza comparativa, entre a Inglaterra e o continente. Actualmente não ha que temporisar, nem dilações; dentro em poucos mezes o telegrapho electrico será um facto completo, e Londres, pelo que respeita a communicação de participações, ficará a meia hora de Paris.

INDUSTRIA,

(Continuado de pag. 484)

446 A experiencia mostra que as nações que se limitam a poucas' species de trebalho e de producção, inda quando são favorecidas pela fertilidade e riqueza de seu territorio, permanecem sempre pobres, stacionarias e privadas de grande numero dos gozos e confortos da civilisação moderna. As causas disso parecem muitas, e sem pretendermos apontal-as todas, fallaremos daquellas que nos occorrerem.

Poucos generos de producção, inda suppondo que ella seja consideravel, além de não occuparem senão

um

numero limitado de braços, não offerecem emprego senão a intelligencias e aptidões laboriosas de poucas e determinadas species, e assim deixam ocioSOS e sem trabalho, além de outros, os individuos que não possuem as faculdades necessarias para taes trabalhos, ou que para elles sentem uma invencivel repugnancia. Daqui vem o grande numero de vadios, de miseraveis proletarios, que abundam em alguns paizes, aliás pouco povoados, e daqui resultam tambem as emigrações de gente de taes paizes, que em vão se pretendem atalhar directamente por meios coercivos e penaes, como outrora se pretendeu obstar á sabida da moeda metalica por inuteis e absurdas disposições legaes. As enormes emigrações dos povos barbaros, que inundaram a Europa nos primeiros seculos do christianismo, foram sem duvida motivadas por causas similhantes. Os homens não se expatriam, não se desterram voluntariamonte, senão quando na patria lhes faltam os meios de ganhar a sua subsistencia; e daqui resulta que o remedio efficaz contra as emigrações consiste em lhes procurar esses meios, e não em forcal-os a morrerem de fome e de miseria dentro da patria.

As industrias reagem umas sobre as outras, influemse reciprocamente, e tem entre si uma correlação tal de mutua dependencia, que a existencia e prosperidade de uma, vem a produzir naturalmente a existencia e prosperidade de outras. Assim, por exemplo, o estabelecimento de uma grande fabrica em qualquer logar, fomenta logo em torno della a agricultura, dá origem ás officinas diversas, que exige a confecção e o continuo reparo dos utensilios necessarios á fabrica, augmenta a população e o valor das propriedades, offerecendo áquella, novos meios de ganhar pelo trabalho uma subsistencia segura, e abrindo a estas um mercado mais amplo, mais proximo, e mais vantajoso para a venda de seus productos.

A população simplesmente agricultora é necessariamente diminuta, porque poucos homens bastam para a producção de fructos sufficientes para o sustento de muitos. Em Inglaterra propriamente dita aquella população é de 2:975.000, em 14:118.986 habitantes, ou proximamente da população total (4). Ora inda que em Inglaterra se consommem alguns cerca es estrangeiros, estes apenas fornecem o sustento de poucos dias á população total; além de que as importações de cereaes, são por ventura mais que compensadas pelas exportações de queijos, manteigas e outros pro

(4) Statistique génerale, pag. 76 Paris, 1838.

ductos da industria agricola. Póde pois dizer-se, que em Inglaterra, um agricultor basta para produzir o sustento de cinco individuos. Mas é tambem evidente que esses cinco individuos, ou não existiriam, ou seriam miseros e lastimosos vadios, se lhes faltassem outros meios de poderem empregar as suas faculdades laboriosas, e de permutar o seu trabalho pelo do agricultor, e dos productores, na forma de objectos ou de serviços necessarios á satisfação de suas precisões vitaes e sociaes.

A Inglaterra é sem contradicção o paiz que tem o maior commercio externo, e em cuja riquesa elle entra em proporção maior que na de outro qualquer paiz. Apesar disso o valor deste commercio computado em francos é de.....

entretanto que o de commercio inte

1140 milhões

rior de consummo é de. . . . . 8201 »> ou mais de oito vezes superior ao do commercio exterior de exportação (5). Daqui se vê que nos elementos da prosperidade, ou da riquesa circulante da Inglaterra, o commercio exterior de exportação entra como 1, e o commercio interior do consummo como 8.

Este enorme giro do commercio externo da Inglaterra é sem duvida devido á multiplice variedade dos productos da industria geral, que promove e facilita as permutações do trabalho, na fórma daquelles productos; parecendo evidente que quanto maior for a diversidade e o numero delles, tanto maior será tambem o numero das combinações de suas reciprocas permutações, e o valor consequente do commercio interno.

O que temos dito nos parece sufficiente para mostrar a grande importancia de promover em Portugal muitos e variados ramos de industria e de producção. O nosso solo é sem duvida fertilissimo, os seus productos são preciosos, e a natureza como que indica que a agricultura deve ser o primeiro e principal elemento da nossa riqueza. Temos tambem uma costa extensa, excellentes portos e rios, susceptiveis de grandes melhoramentos, e uma numerosa população maritima, porque Portugal, a bem dizer, é uma faxa littoral. Indica por tanto tambem a natureza, que devemos ser uma nação maritima e commercial. Possuimos bastantes minas, e não devemos seguramente desprezar esta fonte de prosperidade. Mas a agricultura, a navegação, o commercio, a mineração não devem tolher-nos de cultivar os outros e variados ramos de industria, que são indispensaveis para prefazer os elementos de que se compõe a prosperidade complexa das nações modernas.

A industria fabril é uma das que entre nós se acham no mais deploravel atrazo, e que releva fomentar.

Em quanto possuimos o Brasil como colonia, o commercio exclusivo que com elle faziamos, servia de fomento á nossa industria; porém ainda que a sustentava, o monopolio que a defendia, a privava ao mesmo tempo do efficaz estimulo da concorrencia, e a mantinha em um estado permanente de perniciosa immobilidade (6). Logo, porém, que os portos do

(5) Statistique generale, pag. 75.

(6) Nem sempre o monopolio produz este funesto effeito, e como exemplo, citaremos o tabaco, cujo fabrico em Portugal s tem aperfeiçoado não obstante o regime do estanque·

Brasil se abriram ao commercio estrangeiro, e mais Muitos outros exemplos poderiam citar-se de resulainda, depois que aquelle paiz se separou da mãe pa- tados similhantes, porém estes nos parecem sufficientria, perdeu a nossa industria fabril (e a nossa indus- tes, e só accrescentaremos que a Inglaterra, que hoje tria rural) um dos apoios que a sustentavam. Esta préga aos outros com tão edificante zelo, o systema perda porém não foi instantanea, total, e absoluta; da liberdade absoluta do commercio, ainda para si o porque os antigos habitos, arraigados na população não adoptou, não obstante achar-se, pela prodigiosa do novo imperio, ainda por algum tempo favoreceram accumulação de seus capitaes, pela sua preeminencia o consumo dos nossos productos nacionaes, e retar-fabril, e por todas as outras vantagens que constituem daram o complemento final dos effeitos da concorren- a sua immensa superioridade industrial e mercantil, cia estrangeira. Hoje póde julgar-se terminada a tran- em estado de poder arrostar impunemente com a comsição, e Portugal carece de adoptar outros meios de petencia livre dos estrangeiros no seu mercado intefavorecer as suas manufacturas, de uma maneira rior. mais permanente e judiciosa. «No systema economico dos povos modernos, diz um auctor de economia politica, não póde haver povo rico e poderoso sem possuir numerosas manufacturas (7). » O homem observador tem diante dos olhos muitas e evidentes provas da verdade desta sentença. Cumpre pois fomentar as manufacturas em Portugal; mas como?

A experiencia alheia póde invocar-se com proveito para a resolução deste problema.

Como creou a Inglaterra a sua magnifica industria, senão com leis prohibitivas, com direitos protectores ra importação, com bonificações ou drawbacks na exportação?

Quem deu o grande impulso á industria fabril do continente. paralysada pela preeminencia fabril da Inglaterra, e a levou ao rapido movimento de progresso em que se acha, senão o famoso bloqueio continental de Napoleão?

Não foi este extenso systema prohibitivo que deu tambem origem a uma nova producção, que naquelle tempo servia de texto aos epigrammas e ás jocosas caricaturas, com que os inglezes procuravam aturdir-se e disfarçar os funestos effeitos da maior de todas as hostilidades, que a colera inspirára ao seu grande adversario? E quem diria então que a humilde beterraba, lançada com desprezo e com a phrase sarcastica « va te faire sucre !» viria a ser um dia novo manancial de riquezas, a dar valor a terras incultas e estereis, a crear emfim novos ramos de industria rural e fabril, que hoje empregam utilmente tantos braços, tanto cabedal, e fornecem meios de subsistencia e de fortuna a tanta gente? Napoleão por certo que não previa distinctamente este resultado: mas e instincto prophetico do grande homem, a inspiração espontanea e irreflectida do genio superior, o impelliram involuntariamente a proteger uma industria, cujo brilhante porvir apenas poderia presentir annuviado e confuso (8).

(7) GANILH, Dictionnaire analytique d'Economie politique art. Manufactures.

(8) A cultura da beterraba cobre em França um espaço de territorio de 72.000 hectares. O numero das fabricas de assucar era de 581, em 1837, e esta industria empregava um capital de 60 milhões de francos, e 150.000 obreiros. Em 1836 produziram as fabricas 49 milhões de kilogrammos de assucar, e no anno corrente de 1838 espera-se que o producto suba a 55 milhões de kil., que é mais de metade do consumo total da França, computado em 72 milhões de kil. O producto medio das terras entre Lille e Valenciennes, é de 35 mil kil. por hectar. A mesma industria se vae propagando rapidamente em toda a Alemanha, e no norte da Europa. Em Bohemia, cuja população é de 3:300.000 habitantes, o numero das fabricas de assucar de beterraba é já de 95. Veja-se Journal des Traraux de la société française de statistique universelle, n.o 8,

Se os exemplos provam que a industria fabril se cria por taes meios, o raciocinio mostra que só por elles se póde crear. Com effeito o estabelecimento de uma nova fabrica exige o emprego de grandes capitaes, um longo tyrocinio dos operarios, em summa grandes despezas, cujo proveito sómente deve realisar-se em um futuro remoto. É pois evidente que nenhum capitalista empregará o seu cabedal em taes emprezas, sem ter a certeza prévia de poder contar com esse proveito. Ora sendo necessariamente os primeiros productos de uma nova manufactura imperfeitos e caros, é evidente que não poderão elles sustentar a concorrencia livre com outros da mesma especie. provenientes de fabricas já chegadas ao termo de sua perfeição. Com a liberdade absoluta de commercio é pois manifestamente impossivel o estabelecimento de novas manufacturas, sob pena da ruina infallivel do imprudente capitalista que se lançar em similhantes emprezas.

Não ignoro os argumentos dos economistas, que reprovam as medidas prohibitivas, e os direitos protectores. Dizem elles :

1.° Que as prohibições equivalem a um monopolio, estabelecido a favor do fabricante, contra o consumidor; e os direitos protectores, a um tributo lançado sobre a nação toda, em proveito de poucos individuos;

2.° Que não se podendo comprar os productos do trabalho estrangeiro sem pagar o preço delles, nem tão pouco effeituar esse pagamento por muito tempo senão com os productos do trabalho nacional, as importações são, em derradeira analyse, a troca do trabalho nacional pelo trabalho estrangeiro; troca egualmente vantajosa aos dois contrahentes, ao consumidor, e ás industrias dos paizes respectivos;

3. Que o interesse individual é o melhor guia na escolha do trabalho mais proveitoso, e que a liberdade basta para que os capitaes corram infallivelmente para as emprezas mais lucrativas e favoraveis ao augmento da riqueza geral;

4. Que o interesse do consumidor, pela sua maior generalidade, deve sempre ser preferido ao interesse mais restricto do productor;

5. Finalmente que assim como um chefe de familia avisado, não faz em sua casa aquillo que lhe sairia mais caro de fazer que de comprar, não póde ser insania no governo de uma nação, o que é prudencia no de uma familia.

Estes argumentos com quanto sejam especiosos, não resistem a uma analyse sisuda.

février 1838, pag. 480, e Journal des Débats de 14 de Ou

tubro do mesmo anno.

Concedemos o primeiro; mas ajuntaremos, que o monopolio, ou o tribalo protector de que se trata, são unicamente males temporarios de pouca dura,

desconsolador esperar, vem juntar-se os soffrimentos do ciume, e os receios de uma desgraça

para obter bens permanentes. Digo temporarios, porque se adivinha, que se presente, sem que seja que não devem durar mais que o tempo rigorosamente necessario para levar a industria favorecida ao ponto de poder concorrer com a estrangeira da mesma especie, de produsir pelo menos com egual perfeição e baratesa, ou de offerecer o desengano de que ella não se arraiga no paiz, nem poderá nelle chegar nunca ao termo indicado.

possivel dizer qual ella será. Esses receios indefinidos, mas nem por isso menos assustadores, que pezam sobre o espirito nas horas da solidão, esses receios que tantas vezes são os percursores da desventura, tornam amargosos até os instan A harmonia que preside ás differentes leis da natu- dade devêra ser completa, quanto mais essas hotes em que, se elles não existissem, a felicireza apresenta a cada passo relações de comparação e similhança, entre coisas aliás entre si mui disparata-cholia, parece quasi ter desejo de alimentar as ras em que a alma, já disposta para a melan

proprias magoas, e de se identificar com ellas. Nessas horas, a phantasia apraz-se em crear imagens pavorosas, em cobrir de luctuosos crepes as esperanças que ousam despontar na imagina

das. Taes são as que nos parece existir entre uma fabrica em seu principio e seu desenvolvimento, e uma creança. Esta quando nasce, carece de carinhoso amparo, do tratamento mais desvelado, para poder vencer os perigos que ameaçam a sua debil e mal segura existencia. Pouco a pouco suas forças vão crescendo, mas seus primeiros passos carecem ainda deção, em representar palido e sinistro o futuro apoio alheio. Logo seu corpo se equilibra, e sua mar. cha deixa de ser vacillante, nem já precisa mais de estranho arrimo. Finalmente chega a edade da emancipação, e o homem é então de todo abandonado ás suas proprias forças, e ao cuidado e direcção de si

mesmo.

Assim acontece á fabrica. Se em seus principios lhe falta uma protecção desvelada e efficaz, a fabrica perece. Logo que ella póde marchar livre e desempeçadamente, já não carece do mesmo apoio. Finalmente não carece ella de nenhum quando chega ao termo de sua maioria, que é aquelle estado de adiantamento e de força, no qual a concorrencia estrangeira, longe de lhe ser prejudicial, provocará pelo contrario uma proveitosa rivalidade, servindo de incitamento a melhoramentos e aperfeiçoamentos progressivos.

Devem pois ser as prohibições, e os direitos protectores, de duração temporaria, e pouco a pouco modificados, de modo que a prohibição passe para direito protector, e este vá successivamente diminuindo, na rasão do progresso da manufactura protegida, até ser a final de todo abolido.

Confessamos que é um mal, mas um mal sómente passageiro, e por meio do qual se obtem um bem permanente. O não obter este bem, é em nossa opinião, um mal infinitamente maior, e a escolha entre os dous não nos parece admittir duvida.

(Continúa.)

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mento, e a alma deseja, como um alivio, aná rasão assustada: tudo é desconsolo e abatiniquilar-se, apagar-se por uma vez nos incomprehensiveis e incommensuraveis abysmos do nada.

garida, que o deixára, para ir ter com o sea Francisco de Albuquerque esperava por Mar real amante; e no seu coração, ralado pelo ciume, pesavam os mais sinistros presentimentos. As hoças; o mundo um dezerto, longe daquella a ras pareciam-lhe sem fim; a vida sem esperanquem amava de immenso amor.

as

do moço namorado, foi como o raio de sol que A voz da Calcanhares, chegando aos ouvidos dissipa as nuvens carregadas da tempestade, fez esvaecer em suave arrobamento de ternura, imagens assustadoras que lhe haviam assaltado o espirito. Cairam nos braços um do outro, os dois amantes, como se houveram estado separados, não horas, senão annos inteiros. Protestos de amor, rizos de alegria, lagrimas, suspiros, queixas de ciume, que uma palavra de Margarida bastava a fazer callar, tudo se confundia na torrente de frazes entrecortadas, que a paixão arrancava em tumulto do seio dos dois amantes. Serenados os primeiros impetos da paixão, seguiram-se as interrogações. A Calcanhares contou então miudamente ao capitão, quanto The havia acontecido, depois que delle se separára. Este, mal soube do risco que corria Luiz de Mendonça, quiz logo partir para o Corte-Real, para lhe dar aviso; e foram mister os conselhos poderosos e a influencia de Margarida, para impedir que elle commettesse tão louca imprudencia.

Esperou que se fizesse noite, e então disfar

çado em trages de homem do povo, Francisco de Albuquerque saiu, com a saudade a pungirlhe no coração, e as lagrimas a saltarem-lhe dos olhos, da casa onde passara os dias mais venturosos da sua vida. Saiu para não voltar mais.

No Corte-Real havia grande agitação, porque todos estavam occupados nos preparativos da partida para Salvaterra; e por isso Francisco de Albuquerque pôde penetrar no interior do palacio, sem que ninguem attentasse nelle. Atravessou á pressa as salas escuras, os corredores mal alumiados, e chegou finalmente á porta do quarto de Luiz de Mendonça.

- Onde está o sr. Luiz de Mendonça ?

O soldado não disse palavra.

- Responde-me; onde está o sr. Luiz de Mendonça ?

a

Egual silencio foi a resposta a esta segunda pergunta. Porém, no momento em que Francisco d'Albuquerque ia repetir pela terceira vez mesma frase, e descarregava nas costas do sebastianista uma vigorosa punhada para o fazer tornar a si, a lampada illuminou com um clarão brilhante todo o corredor, e Diogo, movido pela comoção da pancada que recebera, e pelo aspecto iracundo de seu amo que elle julgava ser uma alma do outro mundo, começou a gritar como um possesso, e a correr pelo Corte-Real, bradando:

-Accudam, accudam, que andam coisas más no palacio. Abrenuncio! Jesus! Misericordia! A alma de meu amo anda a penar!

Os criados do Infante sobresaltados com os gritos de Diogo Cutilada, começaram a sair-lhe ao encontro e a correr por todas as casas em poucos instantes reinava a maior confusão em todo o Côrte-Real. Receoso de que o conhecessem, o que podia comprometter a sua segurança, e sobre tudo affastal-o talvez da Calcanhares para sempre, Francisco d'Albuquerque atravessou cordeitavam rendo as casas que o separavam da galeria das armas, e, abrindo uma das janellas que para a praia, saltou della abaixo, deixando todos no Côrte-Real persuadidos de que uma alma do outro mundo havia naquella noite vagado pelos corredores do palacio.

Bateu, e ninguem lhe respondeu: tornou a bater por duas ou tres vezes, sem que no interior do quarto se ouvisse o minimo rumor. Impaciente mas não inquieto, porque era natural que o moço fidalgo, áquella hora. estivesse n'outra parte do palacio, Francisco de Albuquerque, receoso de que o conhecessem, resolvou esperar alli, que o seu amigo se recolhesse. Passaram duas horas: os rumores dos passos e das vozes dos criados de Sua Alteza, foram-se desvanecendo pouco a pouco, e a luz baça da lampada, que pendia do tecto, no corredor em que estava 0 nosso capitão, foi tambem pouco a pouco amortecendo. Já de espaço a espaço, da lampada, se levantava uma chamma rapida, aguda, avermelhada, acompanhada de um estalido seco e irregular, indicio certo de que estava proximo o instante da luz se apagar de todo, e ao clarão dessa chamma as paredes pareciam agitarO capitão, quando se viu fóra do Corte-Real, se, e sombras informes cruzarem-se em todos os sentidos, como percursores fantasticos de al- poz-se a cogitar no que devia fazer para salvar a guma apparição sobre-natural, quando Francisco vida do seu amigo e a do conde da Ericeira; e, de Albuquerque ouviu aproximarem-se lenta- lembrando-se das relações que havia entre os mente os passos de um homem, e uma voz mur- jesuitas e Sua Alteza, resolveu ir ao collegio da murar, entre dentes, uma dessas cantigas me- Cotovia, contar ao padre Manuel Fernandez, que lancholicas e sem rithmo, que são a mais admi-elle sabia fora nomeado confessor do Infante, o ravel expressão muzica da tristeza indolente do que Margarida lhe dissera das sinistras intenções d'El-rei. nosso povo.

Reconhecendo a voz de Diogo Cutilada, o capitão resolveu dar-se-lhe a conhecer, para saber delle novas certas de Luiz de Mendonça. Quando o velho soldado passou por elle, poz-lhe a mão no hombro, dizendo-lhe com voz imperiosa: -Cala-te e responde-me.

Diogo deu um pulo de susto, depois estacou, abriu os olhos desmesuradamente, escancarou a boca, e ficou immovel como se subitamente se houvesse petrificado.

O padre estava já recolhido; porém, como Francisco d'Albuquerque insistiu em pedir que lh'o fossem chamar, não tardou muito que elle não viesse saber o que lhe queria aquellas horas um homem, que pelos trajos, he haviam dito ser vilão.

O padre Manuel Fernandez era o typo do jesuita. Alto, magro, e macilento, os seus olhos nunca se fixavam na pessoa com quem fallava, a cabeça tinba-a constantemente inclinada com

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