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terra lavrada como convém. Deste modo sempre produzirá annualmente cada arvore mais ou menos azeitona, e o producto annual do olival será inda mais igual de anno a anno, que o de uma particular e determinada oliveira, principalmente se as arvores delle não forem todas da mesma qualidade, mas sim de variedades differentes, como de ordinario acontece, e como póde e deve sempre acontecer.

Outro inconveniente do varejo é impedir que as arvores sejam frondosas e copadas, pois que os raminhos escapados ao flagello, crescem, por assim dizer, fóra da orbita, cheios de secco e de aleijões, provenientes das varadas; e dahi resulta que os alimpadores não podem dirigir e amanhar as arvores de maneira a facilitar a colheita do fructo á mão.

Relativamente á azeitona, o varejo é tambem mui prejudicial, porque deixa grande parte della contusa e esmagada, e conseguintemente predisposta para entrar em uma rapida fermentação e corrupção, de que resulta aquelle ranço e máo cheiro que nos paizes estrangeiros distingue desgraçadamente o azeite exportado de Portugal, o qual, não obstante ser na sua essencia mais balsamico e fino, tem muito menos valor que o de França e Italia, e é unicamente applicado, fóra dos dominios portuguezes, para luzes de gente pobre, que não tem candieiros nem lampadas de luxo, e para uso das fabricas de lanificios, saboarias, e outros empregos grosseiros; entretanto que o de França e de Italia, muito inferior na essencia, é em toda a parte vendido por alto preço, que algumas vezes se eleva ao quadruplo do que o nosso tem em Portugal, por isso que nenhum processo de depuração póde extirpar inteiramente do azeite portuguez o cheiro desagradavel e gosto nauseabundo, que lhe provem, tanto da azeitona fermentada e corrompida, como do pouco aceio e vicio original de sua fabricação.

elles mesmos os trabalhos de lavoira das suas fazendas, ou as tão variadas como uteis e divertidas operações e transformações da industria e economia rural.

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Por isso a agricultura, não obstante ser a mais an tiga, a mais util, a mais excellente de todas as arte acha-se geralmente em Portugal no mesmo estado e que ahi estava ba seculos; e da industria moderna que se applica em variar, multiplicar, e transforma' os productos agricolas, para lhes dar valor, e manter em constante equilibrio o rendimento dos predios rusticos, quasi que não ha idéa entre nós.

Na falta porém de eschólas praticas de agricultura, inda ninguem se lembrou em Portugal, que nos conse de predios rusticos, ou granjas normaes, de que te (1), appellamos para os proprietarios intelligentes,

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perdidas para provar a impericia e deploravel incuria dos go(1) Já houve quem fizesse um lastimoso rol das occasiões vernos de Portugal, e se aquelle acerbo censor vivesse ainda, teria por certo hoje de augmentar bastante aquelle rol. Teve o governo agora á sua disposição uma rica massa de predios ruraes, e nem elle, nem nenhum dos membros das camaras legislativas, nenhum dos homens que se jactam de progresdades ao estabelecimento e dotação de eschólas theoricas e prasistas, teve ainda a idéa de applicar algumas dessas proprieticas de agricultura, de predios agricolas normaes em cada provincia, que servissem para a introducção de novas plantas uteis, de novas arvores, de novas fructas, de novos instrumentos, de novos processos de lavoira, para favorecer a criação de gados, e o melhoramento das raças, - para ensinar e generalisar a fabricação de queijos e manteiga, finalmente para fazer palpar pelo exemplo aos nossos lavradores as vantagens de variar as suas culturas, de diversificar e multiplicar os productos da industria rural, e de sahír das idéas mesquinhas e acanhadas que os induzem a considerar somente como elementos de sua riqueza o pão, o vinho, o azeite, alguns poucos generos mais. O aproveitamento dos bens nacionaes para fundar e dotar convenientemente, sem gravame da nação, eschólas de agricultura e de veterinaria, predios ru raes normaes, bibliothecas publicas em todas as principaes cidades e villas do reino, e outras instituições similhantes de utilidade certa e immediata, seria por ventura o unico protabelecimentos monasticos, e seguramente o meio de supprir veito que á nação resultaria das espoliações e eversões dos esa falta que delles se sentirá no interior das provincias, onde elles eram a bem dizer os unicos focos e vehiculos de instrucção. Não póde haver duvida de que as creações que acima indicámos seriam infinitamente mais proveitosas que as Acadeoutras papelonices e superfluidades, que devemos á funesta mias de Bellas Artes, os Conservatorios, as Polytechnicas, e praga do servilismo imitativo, que tende a destruir e abastardar o nobre e glorioso espirito da originalidade portugueza, e que tão fatal tem sido á misera nação. Em vez porém de aproveitar os bens nacionaes em instituições de utilidade certa e permanente, tem elles sido esbanjados e malbaratados com incrivel leviandade, e lançados em massa no mercado; occasionando assim, a par de uma perda enorme para o thesouro, a

E certo que o habito geral se oppõe a outra maneira de apanho, e que nada ha mais difficil que mudar usos populares, inveterados, e introduzir melhoramentos, inda os de mais evidente e paipavel utilidade, quando elles contrariam prejuizos arraigados, e praticas antigas, cuja immemorial observancia como que sancciona a opinião de sua excellencia, e dispensa o commum dos homens de indagar se ellas são realmente boas, ou se não haverá outras melhores e preferiveis. Esta difficuldade, aliás sempre grande geralmente fallando, inda é maior relativamente aos methodos e trabalhos da agricultura, em razão da simplicidade e ignorancia ordinaria da gente do campo, que por isso mesmo é mais tenazmente aferrada ás normas e regras, que lhe vem transmittidas pelas gerações passadas, e que observa cega e escrupulosamente com ti-depreciação dos bens de raiz, a alteração consequente da remorata reverencia. Só o exemplo é capaz de vencer a resistencia dos camponezes aos melhoramentos que repugnam ás suas idéas e ás suas rotinas; mas infelizmente em Portugal, onde se sabem muitas theorias, pouco ou ninguem sabe pol-as em pratica, e as especulações dos nossos sabios ficam estereis sepultadas nos livros, e servem quando muito a satisfazer infructiferas e frivolas vaidades intellectuaes.

A maior parte dos grandes proprietarios territoriaes portuguezes ignora até as praticas mais triviaes e ordinarias da agricultura, e mui poucos homens instruidos (se alguns) se occupam em Portugal de dirigir

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lação natural e necessaria do preço dos fruetos da terra com o valor d'ella, a perturbação connexa e inevitavel de todas os outros valores de que se compõe a riquesa publica, e a depressão violenta das fortunas e posses individuaes, de que test resultado tantas miserias, e tantos estorvos ao progresso e des envolvimento da prosperidade geral; erro calamitoso, de que dos Unidos, cujo governo, para evitar os males inherentes á nem ao menos nos livrou o exemplo bem conhecido dos Estadepressão do valor da propriedade territorial, se acautela judiciosamente de expor á venda, nos casos de grande aperto do thesouro, mais que uma porção limitada de bens nacionaes, amanhadas como em Portugal. E que bem dimanou ao povo não obstante serem esses bens hermos incultos, e não terras já do voraz sorvedouro, que tragou não só os bens das ordens re

os quaes acharão seu proveito na cessação da pratica | barbara do varejo. Com effeito, para disso se convencerem, bastará que façam a experiencia, destinando certo numero de oliveiras para serem varejadas segundo o methodo usual, e outro numero egual para serem ripadas; todas por quatro annos. Então tomarão nota exacta e separada, tanto da despeza feita com o apparelho da azeitona, dos dois grupos de oliveiras, destinados á experiencia, pelos dois modos de varejo e da ripa ou colheita á mão, como da quantidade da azeitona produzida pelos ditos grupos, durante os quatro annos da prova; e estamos certos que acharão, que o excesso de despeza que fizerem com o apanho á mão, será amplamente compensado pelo augmento do producto, não obstante que este augmento se não manifestará tanto nos quatro annos da experiencia, como progressivamente á medida que as arvores, ripadas e não fustigadas, se forem copando e tornando mais frondosas.

Para effectuar a colheita á mão aconselharemos o methodo seguinte: ajustar-se-ha um certo numero de rapazes de 10 a 15 annos de idade para fazerem esta colheita de empreitada, pagando-lhes a rasão das medidas de azeitona que riparem. Estes rapazes serão providos de escadas de tesoura, e de cestas de aza com seus ganchos ou cambos de páu, e uma corda para descerem commodamente as cestas quando estiverem cheias. Com estes rapazes se mandará um homem, pago a jornal, que terá a seu cargo ajudar os rapazes na mudança e collocação das escadas, receber e despejar as cestas em mentes, que serão differentes para cada rapaz, e finalmente medir a azeitona de cada monte, pagando ao colhedor respectivo o preço convencionado. Os rapazes subindo pelas escadas, fixarão a cesta por meio do competente gancho, ou a conservarão no braço enfiada pela aza, como lhes for mais commodo e segurando-se com uma mão, irão ripando com a outra, e lançando a azeitona na cesta, até a encher.

Estando a cesta cheia, a descerão com a corda, e o jornaleiro recebendo-a, a vasará no competente monte; e vasia que seja, será outra vez issada, para recomeçar a operação. Esta é a norma geral do processo, que poderá ser alterada ou modificada conforme o mostrar a experiencia. Como pela acção de ripar cahe sempre no chão alguma azeitona, poderão empregar-se mulheres para a apanhar, quando debaixo das arvores se não tenham disposto tendaes ou panos para a receber, como parece mais conveniente e economico. A principio quererão talvez os rapazes paga exorbitante, porém como se forem adestrando e fazendo expeditos, os seus ganhos maiores provocarão necessariamente a concorrencia, e desta resultará a baixa dos preços das empreitadas, com o que a co

ligiosas e militares, mas até os estabelecimentos creados pela previdente e benefica sollicitude das gerações passadas, para alliviar as futuras, e eximir para sempre a nação de dotações e custeamentes, que de novo tem de pezar sobre ella? Que proveito se manifesta destas dilapidações, a não ser a ceva de algumas tisicas sanguesugas, que surdiram dos charcos revolucionarios para se afferrarem á pelle do pobre povo, de cujo sangue estam inchadas? Em Portugal realisou-se agora a fabula do nescio ambicioso, que matou a gallinha que punha os ovos de oiro, e nem sequer do ovario se souberam aproveitar?

lheita á mão virá por fim a ser tão barata como a do varejo (2).

Do modo de guardar e tratar a azeitona entre a colheita e a fabricação do azeite.

Em Portugal faz-se conduzir a azeitona, varejada, e contusa, calcada em sacos ou outros vasos para tulhas estreitas e profundas, ou para dornas, onde se salga para impedir algum tanto a corrupção a que se acha predisposta. O sal é mais um inconveniente para a bondade do azeite.

Grande parte dos lagares dependendo, para que a roda motora possa andar, das chuvas e torrentes do fim do outono, e a azeitona estando pela maior parte madura em Outubro, e colhida em Novembro, acontece muitas vezes que medêa grande intervallo entre a colheita e a fabricação do azeite, resultando d'ahi grande prolongação do tempo da guarda, em grave detrimento da azeitona, a qual contrahe por isso, e pelas causas em outra parte indicadas, um cheiro desagradavel e enjoativo, que se communica ao azeite, e que nunca mais delle se arranca completamente. Mas ainda quando por acaso alguma azeitona se não acha fermentada e corrupta quando se lança no tanque do lagar, o estado de sujidade e immundicie do mesmo tanque, das ceiras e de todos os utensilios do lagar, bastaria para impedir que por fortuna se fizesse algum azeite que não fosse acre, e ingrato ao paladar. Se alguem nos tachar de exagerados, queira entrar em um lagar, e se tiver bastante coragem para supportar a experiencia, ficará convencido de que é impossivel exageração em tão enorme porcaria.

Para evitar estes inconvenientes, é necessario adoptar uma pratica inteiramente differente, como a que observam os Luquezes, cujo azeite é o mais fino e o mais estimado da Europa. Esta pratica é a seguinte: A azeitona que se vai colhendo, vai sendo conduzida para armazens ou celleiros, bastante grandes e bem arejados, nos quaes se espalha em camadas de nã mais de duas polegadas de altura, e abi se conserv a

ou,

(2) Não aconselhamos aos proprietarios, resolvidos a fazer o apanho à mão, que tratem de dispor para isso as arvores por meio de alimpadores, antes de passados dois annos de exercicio daquella pratica, para dar tempo a que as ditas arvores se refaçam dos damnos das flagellações passadas, e então se veja melhor quaes são os ramos que convém podar. A fórma mais accommodada para o apanho á mão é a que se aproxima quanto possivel da espherica, vasia no centro, para nos fazermos melhor entender, a de uma tigella montada sobre uma hastea, representando a primeira a ramagem da oliveira, e a segunda o tronco. O fructo será então produzido pela parte concava e convexa da arvore, sem ramificação para o centro, o qual nunca dá novidade, ou dá mui pouca. Assim são limpas e dispostas as oliveiras da Toscana e de mais alguns paizes da Italia, e quando chegam a esta fórma, o apanho á mão é tanto ou mais barato que o do varejo, aliás tão daninho. Tornamos a advertir aqui que quanto mais for lavrada e remexida a terra dos olivaes, tanto mais abundante será a safra, menos azeitona cahirá com o calor, e mais frondosas e grandes serão as arvores. As sementeiras de tudo quanto se colhe verde são particularmente proveitosas; mas não as das plantas que chegam a secar na terra, como em geral os cereaes, excepto quando são destinados a verde, pois que neste caso é muito vantajoso colher o verde, e lavrar logo a terra.

a enxugar por espaço de seis ou oito dias, mais ou menos, segundo que o tempo é mais ou menos quente e humido; tendo porém cuidado de a revolver e arejar duas e mais vezes por dia, de maneira a prevenir a fermentação, ou que aqueça,, sendo antes preferivel que engilhe, posto que tambem não convenha que deseque demasiado. Em todas estas operações é necessario attender sempre a não pizar nem machucar a azeitona, e a que os cabazes e mais utensilios estejam perfeitamente limpos e sem máo cheiro.

Do modo de fazer o azeite.

Colhida e conservada a azeitona pela maneira acima referida, leva-se ao lagar para ser moida, e se lhe extrahir o azeite. Nesta conducção se observam todas as precauções acima recommendadas, tanto relativa mente ao aceio dos vasos, como á conservação da azcitona em bom estado; para o que é mister que não vá calcada nem pizada; por quanto ficando muitas vezes demorada nos vasos antes de se deitar a moer, poderia abi entrar facilmente em fermentação, e absorver qualquer cheiro que tivessem os mesmos vasos em grande detrimento do azeite.

O azeite fino ou virgem deve ser feito da polpa vegetal da azeitona, sem mistura do oleo proveniente da amendoa do caroço, que é naturalmente acre, e indigesto. Já se vê que para isto é necessário que o la gar seja differente dos nossos, e seja como os mais modernos e perfeitos, que existem no ducado de Lucca. Em quanto porém não houver em Portugal estes la gares aperfeiçoados, poderá e deverá sempre fazer-se nos antigos duas qualidades de azeite. Para isto cum prirá que se faça uma primeira moenda superficial, de maneira que della saiam intactos os caroços todos, ou o maior numero possivel delles, e que só a polpa ou carnosidade vegetal das azeitonas fique esmagada e amassada. Desta massa se encherão as ceiras, que se espremerão na prensa do lagar, segundo o methodo ordinario. O bagaço que ficar nas ceiras será outra vez lançado no moinho para se completar amoenda dos caroços, e desta nova massa se fará o azeite de segunda qualidade. Cumpre advertir que a pressão para o azeite virgem deve ser feita docemente, pouco a pouco, e não violentamente de pancada, para evitar que não passem com o azeite substancias mucilaginosas e vegetaes da polpa, que lhe communicariam um sabor desagradavel. O liquido espremido recolhe-se em bakdes ou tinas, deixa-se assentár, e quando o azeite vem á superficie, decanta-se, ou se tira com colheres os utencilios proprios para este effeito, coa-se por um ou dois peneiros, e guarda-se em vasos convenientes, bem limpos, e que não reçumam, para evitar que o azeite não adquira ranço pelo contacto do ar ambiente.

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Nos tempos antigos, dizia elle, os francezes e os italianos faziam o azeite como nós o fazemos ainda, e o nosso então era como qualquer outro; mas tendo elles aperfeiçoado a fabricação deste artigo, não só

nos alcançaram em um productó em que déveriam os ficar sempre superiores, mas até venceram a vantagem natural que nos liberalisou a natureza, a ponto de nos desalojarem dos mercados quando se trata de azeite para comer, ce mesmo para candieiros de luxo Facil é de saber o preço que tem em Londres o azeite virgem de Italia, e mesmo da Provence em França, em comparação do nosso, apesar de que o francez é raras vezes puro, e quasi sempre se vende misturado com oleo de semente de nabo e de outras plantas.

Por muito tempo foram os direitos banaes um grande obstaculo ao aperfeiçoamento popular do nosso azeites porque impediam a existencia simultanea do principio vital dos melhoramentos «o interesse individuale a concorrencia que o vivifica, e que força a intelligencia aaeserutareinventar meios de superar as rivalidades que prejudicam a esse interesse. »› Hoje que esse obstaculoo já não existe;, esque cada qual é‹livre de fazer o seu azeite como e quando lhe apraz, cumpre que todos vão tratando de conhecer ve de praticar os processos que podem augmentár a sua riqueza, e a da nação.

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Convém ao interesse particular, como ao geral, que se criem valores permutaveis em dinheiro ou em ou❤ tros valores ou effeitos, que afavoreçam o commercio internos e externo, que vivifiquem e accelerem as suas operações, e que pelo effeito natural de uma mais rapida circulação do cabedal nacional, multipliquem este na rasão directa dessa sacceleração.

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Quanto ao commercio interno, é impossivel a sua existencia activa semo meios de communicaçãovede transporte baratos, faceis, seguros e promptos; mas é certo tambem que elle nunca será de grande impor→ tancia em quanto dentro do reino mesmo não se produzirem muitos e variados objectos, susceptiveis de se trocarem uns pelos outros quer directamente emenatura, quer indirectamente por via de uma operação intermedia em dinheiro. Com effeito quando todos prodazem as mesmas coisas claro está que falta a mate ria e a causa original das permutações ou do commer◄ cio. Pelo contrario, se ao lado dos productores agricolas; por exemplo, se acham productores mechani cos; fabricantes; artifices; estos offerecemos productos da sua industria em troca dos productos da industria do lavrador, e assim se satisfazem as necessi→ dades reciprocas de cuns e outros, com proveito de todos, e augmento da riqueza e da população nacio nal.

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As nações a que quadra o epitheto de agricola, são sempre diminutassde gente e por isso nações similhantes: parecem hoję na Europa um phenomeno, não menos deshonroso que arriscado. Dizemos » arriscado, porque sendo da natureza das nações agricolas (fallamos de nações antigas) que a sua população se conserve em um estado de permanente immobilidade, que não padece salterações numericas sensiveis, se as outras nações augmentam em gente pela criação e apro→ priação da indústria (fabtil, é evidente que se alte ramas relações de força e padêr que entre ellas havia, tornando-se a primeira relativamente mais fraca e menos poderosa, co ficando por conseguinte: mais exposta ás saggressões e tentativas das outras, contra seus interesses ou sua independencia: politica. Mas sem nos alargarmos mais em um assumpto, a que

insensivelmente nos levou o amor de nossa gloriosa nacionalidade, tratando de outro que tão alheio delle parecia, não podemos com tudo resistir á tentação de offerecer aqui aos nossos compatriotas alguns themas, que recommendamos á sua meditação, e cjua demonstração, aliás facil, nos faria aberrar demasiado de nosso proposito.

Portugal não tem uma independencia inteira e absoluta.

Portugal póde adquirir essa independencia, dobrando ou triplicando a sua população, susceptivel de maior crescimento ainda, sem aperto nem demasia.

Mas esse augmento de população só se póde obter pela apropriação da industria fabril, de que essencialmente depende.

A industria fabril não se cria nem se desenvolve sem o auxilio de uma forte protecção fiscal e administrativa, como se prova pelo exemplo historico das nações que a possuem, e especialmente da Inglaterra, que ao systema protector, em gráu eminente, e por ventura excessivo, deve a sua grande superioridade e riqueza industrial.

A população fabricante abre um novo mercado aos productos da terra, e tende por isso a libertar a nação da deploravel necessidade de comprar o consummo e a venda desses productos nos paizes estrangeiros, pelo alto preço de sacrificios, e de estipulações, cujo menor inconvenienie é o de serem onerosas, ou fallaces, quando nos concedem illusorias reciprocidades.

LITTERATURA E BELLAS-ARTES.

RECORDAÇÕES DE ITALIA.

VIII.

De Genova a Pavia.

(Continuado de pag. 439.)

423 A primeira coisa que vi apenas sahi do hotel foi um anão risonho, e de agradavel phisionomia, arranhando grotescamente as cordas de uma viola. Não tomei o encontro como um mau agouro, porque em Italia o genero anão abunda, talvez por um daquelles admiraveis caprichos da natureza, que cançada de produzir o bello, tambem não desdenba de conceber o ridiculo e o hediondo.

Depois parei um momento a contemplar as ameias do castello dos Visconti, monumento admiravel que marca um dos episodios dessa grandiosa lucta entre os dois gigantes do seculo dezeseis-Carlos V e Francisco I

Como a imaginação se me embebeu de repente naquellas scenas magestosas, que me haviam produzido tanto enthusiasmo, e tanta indignação, feito derramar tantas e tão amargas lagrimas, quando era criança ! Esta animosidade alimentada d'um lado pelo genio aventuroso de Francisco I, e do outro pela doblez po

O melhoramento e perfeição dos productos da agri-litica de Carlos V, durou vinte e oito annos! cultura é outro meio de forrar a nação a esses sacrificios, tendo-nos a natureza liberalisado com mão generosa tantas excellencias, que se dellas soubermos aproteitar-nos, nossos generos serão em toda parte procurados e preferidos aos outros da mesma especie nos mercados estrangeiros.

Ironia e decepção dos acontecimentos humanos! Francisco I morreu em Rambouillet, victima da devassidão de seus costumes: Carlos V, em S. Just, minado pelo cansaço da sua ambição insaciavel.

Um delles, que muito carece de ser aperfeiçoado, é o azeite, que quando for bem feito, poderá não só affrontar a concorrencia do italiano, mas extinguir ou diminuir consideravelmente a do francez nos mercados de Inglaterra, do norte da Europa, e da America. Para este aperfeiçoamento muito concorreria o estabelecimento e propagação de atafonas ou engenhocas construidas segundo o mesmo principio do lagar descripto nesta Memoria, e que podessem trabalhar com um cavallo, ou um boi.

O essencial é que estas engenhocas tenham meio de separar a polpa, do caroço, para da primeira se fazer o azeite virgem, destinado para comer, e do bagaço, novamente triturado com os caroços, o azeite proprio para luzes e outros usos.

A multiplicação destes pequenos lagares obviaria á necessidade da accumulação, e da prolongação excessiva e damnosa da guarda da azeitona nos armazens ou celleiros, antes de ser exposta á moenda, facilitando a fabricação do azeite em pequenas porções, e á medida que a azeitona se fosse apanhando.

Advertiremos por fim que a exportação do azeite fino deve ser feita em vidros, ou em vasos de barro, que não reçumam, e perfeitamente arrolhados.

Todos estes cuidados e trabalhos serão amplamente recompensados pelo preço maior que o azeite portuguez ganhará em todos os mercados.

Pavia é celebre sobretudo pela sua universidade, tão turbulenta na edade-media, quasi como a de Paris, e que tem dado, nos tempos modernos, o seu contingente de gloriosos martyres pela causa eternamente justa da independencia e liberdade italiana.

Estava fechada naquelle momento aos estudos academicos, mas abriu-se á nossa curiosidade, pelo influxo poderoso de alguns francos habilmente repartidos pelos seus sedentos ciceronis.

O gabinete de anatomia affirmam ser riquissimo, e eu, completamente hospede nas sciencias medicas, pareceu-me que esta affirmação nada tem de atrevida nem de inverosimil.

Eu não sei que haja espectaculo, que abata mais o orgulho humano, engrandecendo ao mesmo tempo o poder mysterioso dessa causa final a que chamamos Deus, de que a exposição dos segredos da anatomia humana.

É a negação do bello, a soberania da morte e do nada, a classificação hedionda de uma sciencia indiscreta, e impia, que nos rasga as illusões, sem piedade nem misericordia.

O craneo de Abeilard, alli, differençar-se-ha do de um hottentote, pelo acaso de uma curva, difficilmente appreciavel á primeira vista. A bossa da amatividade de Heloisa, talvez não desdiga muito da do Marquez de Sade. O medico ou é fanatico, ou atheu: aquelle exame ou nos aproxima do céu, ou nos faz renegar da immortalidade.

Ha sobre tudo na ultima sala, me parece, exposto um exemplar do corpo de uma mulher, em cêra, notavelmente bello, expressivamente concebido pela imaginação do artista. È uma virgem pallida, com os olhos cerrados pela morte, com os cabellos loiros pudicamente estendidos pelo collo, com os labios entre-abertos tão suavemente, que dir-se-ha que o ultimo sopro da vida foi apenas um suspiro de amor, ou de saudade terna e resignada.

Ficaes parado, admirando com sincera commoção aquelle cadaver, que parece haver adormecido n'um pensamento celeste: mas dura breve este extasis: a mão do guarda levanta um panno que a cobre a meiocorpo, e vêdes as entranhas daquella bella virgem, repugnantemente representadas, e asquerosamente exactas as exigencias da sciencia mata-vos as impressões da arte.

Não me admira que em certas eras, se perseguissem os cultores da medicina. A vista d'um gabinete de anatomia tem alguma coisa de infernal e de hediondo. Crâneos symetricamente dispostos de um lado: entranhas embalsamadas, certos orgãos conservados dentro de vidros, esqueletos inteiros d'outro lado: e alli o principio da egualdade é ainda mais synistramente verdadeiro do que n'um cemiterio: o craneo do sabio está collocado junto do craneo do assassino: a cabeça virginal, que talvez não fosse perturbada por um pensamento voluptuoso, repousa ao pé da cabeça ardente, devorada pelas impressões do vicio, e da devassidão. Sae-se com um attaque de spleen, corre-se a pedir aos esplendores da natureza, e da arte um sopro que nos reanime o coração, e nos salve deste abatimento moral.

E como era bello aquelle dia de outono, como estavam viçosos os prados, como aquelle ar puro se respirava com prazer, e com delicia! A Lombardia é uma vasta planicie, sempre verde, bordada de canaes, e de excavações de irrigação: se a natureza é monotona, se a vista não abraça a perspectiva encantadora das montanhas, tudo se desculpa, quando nos lembramos da prodigiosa actividade, da incançavel industria, que enriquece e desenvolve essa população, comparativamente, a mais uumerosa talvez, do

mundo.

Foi nos arredores de Pavia, que o genio encyclopedico de Leonardo de Vinci traçou e edificou a primeira comporta!

Como era poderosa e vasta aquella intelligencia soberana, que lia no céu os segredos dos astros, que imaginava e conhecia na terra as mais ousadas construcções, que com a mesma mão com que revelava ao papel as impressões de sua alma, immortalisava na téla os sonhos do seu ideal!

Leonardo de Vinci morreu nos braços de Francisco I. Bello assumpto, para um pintor inspirado, representar o genio expirando no seio da gloria!

E aqui me lembra contar uma anecdota, que eu li ha muito tempo, e que segundo o ditado italiano, si non è vera è bene trovata.

Ninguem ignora que uma das obras primas de Leonardo de Vinci é o retrato de Lisa del Giocondo. Ora, o original deste retrato existia, e affirmam que Francisco 1, que o comprou pela somma consideravel de quatro mil escudos, emprehcndeu a guerra do Milanez, me

nos pelos frageis direitos de sua avó Valentina de Milão, do que pelos bellos olhos de uma certa dama milaneza, de que lhe haviam gabado a formosura. Não seria impossivel que essa dama fosse Lisa del Giocondo, e que o painel de Leonardo de Vinci accendesse innocentemente uma guerra que tão renhida e disputada se tornou, com o andar dos tempos.

Quem tem tido a desgraça de andar envolvido nas coisas politicas, conhece como os maiores acontecimentos dependem, ás vezes, dos mais insignificantes motivos: e demais Francisco I possuia pelo bello sexo um desses cultos inconsiderados, e ardentes, que nos conduzem ao heroismo, ou á infamia: ás vezes, a ambas as coisas, a um tempo.

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Francisco I e o tout est perdu fors l'honneur nos á memoria, quando estendemos a vista pela vasta planicie que rodêa a cidade de Pavia. Aquella terra bebeu o sangue de muitos bravos! Aquella vegetação viçosa, e verdejante, alimenta-se quem sabe? das cinzas de mil heroes!

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A imagem da guerra ainda assim, vigia sempre sobranceira e ameaçadora, sobre as impaciencias de liberdade, e as aspirações de independencia, que palpitam no coração dos lombardos. Vimos reluzir os sabres dos hussards hungaros, que em numero de trezentos, faziam admiraveis manobras de cavalleria, com aquella precisão e velocidade, que os recommenda na arte da guerra.

E não admira! aquella lingua fez-se para o cavallo, e se os cavallos fallassem, não podiam deixar de fallar aquella lingua ! É um abuso de consoantes, determinado em sons de garganta, em syllabas asperas, que arripiam o nosso ouvido meridional, acostumado aos vocabulos melodiosos e ás construcções musicaes.

E todavia, naquelles rostos de um branco deslavado, naquelles cabellos louros, crespos e grossos, naquelles torsos, duramente affeiçoados, não ha ainda um não sei que do antigo barbaro, quando se arremessava, nú e delirante, ás phalanges romanas?

Eis o grande perigo da civilisação moderna! A obediencia militar exercida sobre aquellas populações, mal libertas ainda das faxas de uma eterna infancia, concede uma força desmedida aos velhos poderes, ao espirito da oppressão e do despotismo. Esses homens maquinas, que não se enthusiasmam por um principio, que os não alenta uma grande idéa, vão tornarse um instrumento tremendo, em nome da disciplina, e nas mãos do governo monarchico.

Voltemos para Pavia, que a vista dos soldados deume um destes attaques de ira, e de rancor demoeratico, que me fazem arder a cabeça, e me extenuam o systema nervoso.

Admiremos a fachada da igreja de S. Francisco, que pertence ainda ás eras da media idade e partamos para o hotel della Lombardia, a vêr se o aspecto da gentil viajante me dissipa este accesso de máu humor politico.

Quando avistámos as veneraveis ameias do castello dos Visconti, tomei eu um aspecto solemnemente heroico, cruzei os braços, ergui a cabeça, e exclamei: « Francisco I disse: Tout est perdu, fors l'honneur : » eu digo neste momento: Tout est perdu, fors l'appétit.

Eram quasi dez horas, e os movimentos da diligencia repetiam-se-me agora no estomago com uma viva

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