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Mezerai (no Compendio chronologico da Historia de | vras, sempre as mesmas na sua fórma, por asFrança) pertende achar nos jogos seculares em honra sim dizer, na sua significação, e sempre variadas da fundação de Roma a origem deste jubileu, affirna sua essencia, que dois namorados um ao oumando que, depois da abolição do paganismo, os povos conservaram o costume de ir a Roma no primeiro tro se dizem, quando sentem a felicidade dilataranno de cada seculo, mas que então visitavam os se- lhes o coração, quando a aia de Margarida, a pulchros de S. Pedro e S. Paulo. Os Papas fomenta- fiel confidente dos amores de sua âma, bateu ram estas grandes romarias de que a cidade e a curia ligeiramente á porta. tiravam grande proveito. E mister chegarmos ao tempo de Bonifacio VIII para achar a instituição do jubileu que hoje conhecemos; todavia a palavra jubileu ainda não foi usada por este pontifice nem pelos immediatos. O primeiro que assim denominou a indulgencia geral • plenaria concedida pelos seus predecessores foi Sixto IV, na bulla que publicou em 1473.

Bonifacio 8. quizera que a grande indulgencia não fosse concedida senão em o fim de cada seculo. Mas, Clemente 6. considerando que pouca gente vê o termo de um seculo, e além disso que o jubileu da lei antiga se fazia no anno quinquagesimo, o qual era um anno de remissão, ordenou em 1342 que o jubileu fosse celebrado todos os cincoenta annos. Gregorio II, que lhe succedeu em 1370, achando ainda muito longo o prazo reduziu-o a 33 annos, em rasão de ser essa a idade de Jesu Christo. Esta bulla ficou sem effeito, porque tendo morrido o papa antes do anno que fixára, Urbano 6.o, seu successor em 1378, não concedeu o jubileu em 1383, que era o trigesimo terceiro anno depois do jubileu de 50 annos que fizera celebrar Clemente 6.° em 1350.

Decorridos cincoenta annos, isto é, em 1400, Bonifacio 9. deu um novo jubileu, e as coisas assim continuaram, como o estatuira Clemente 6.o, até Paulo 2.° que reduziu a 25 annos o prazo do jubileu. De então para cá, isto é, ha mais de tres seculos, não tem sido alterada esta disposição, dando os papas regularmente um jubileu todos os vinte e cinco annos. O ultimo que se celebrou no mundo catholico foi o de 1826 no pontificado de Leão 12.°

Não fallamos do que teve logar em 1847 pelo motivo da exaltação de Pio 9.°, e que durou quarenta dias, de 16 de Março a 24 de Abril. Estes jubileus que os papas costumam conceder no anno de sua sagração, não são propriamente fallando jubileus, mas sómente indulgencias plenarias, ad instar jubilæi, como diz Sixto 4.° na sua bulla de 1473.

LITTERATURA E BELLAS-ARTES.

UM ANNO NA CORTE.

CAPITULO XXXV.

A confissão.

349 Ainda no perfumado e misterioso camarim da Calcanhares ressoavam os suspiros e os beijos de amor, ainda as vozes dos dois amantes, vibrando convulsivamente, e combinando-se em suave e purissima harmonia, repetiam essas pala

parou á

-O que é? - perguntou a Calcanhares, sobresaltada, como se a houvessem subitamente acordado no meio de um sonho encantador. -Senhora, respondeu a aia porta a cadeira do sr. Bispo. -Fr. Pedro !-accudiu Margarida - Vaelhe abrir a porta da sala, que eu vou já. Francisco, esconde-te para o teu quarto, não te veja elle aqui!

E dando um beijo no seu amante, saiu apressadamente do camarim.

Fr. Pedro, o velho e venerando Geral dos Bentos, estava na sala immediata ao camarim, sentado n'uma cadeira de espaldar, e encostado a uma mesa, sobre a qual ardiam duas vellas, cuja luz amarellada luctava ainda com os ultimos clarões do crepusculo que entravam pelas janellas abertas. Quando viu entrar a Calcanhares, o frade sorriu-se com bondade, e, fazendo-lhe signal que se aproximasse delle, disse:

de

Anda cá, Margarida. Vem aqui para ao pé mim sentar-te nesta cadeira. Já estava com saudades tuas.

-Como se lembrou de mim, Fr. Pedro ?accudiu a Calcanhares, beijando-lhe a mão. Começava a crer que se tinham esquecido de mim?

Não me esperavas hoje?-Senta-te, anda senta-te. Não sabias que eu vinha?

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-Sabia; porque V. R. mo mandou dizer.

-Mandei-te dizer que vinha esta noite, para que a minha vinda te não surprehendesse-disse Fr. Pedro de Sousa, dando ás ultimas palavras uma intonação significativa. Acho-te alegre -proseguiu elle no mesmo tom. - Vaes-te consolando daquella perda. . . . do desastroso desapparecimento daquelle pobre rapaz?

-Estou....já estou livre de cuidado-balbuciou Margarida, fazendo-se extraordinariamente córada.

Estás bella, formosa como dantes. Desappareceu a pallidez, que me assustava; e esses olhos já me não andam encovados e lacrimosos. É assim que gosto de te vêr. A gente deve saber-se conformar com a vontade de Deus!

- Ai, Fr. Pedro, se eu o perdesse, não tinha coração para me consolar, nem para viver sequer! exclamou ella imprudentemente. Então Francisco d'Albuquerque não morreu? - perguntou o tio do Castello-Melhor, surprehendido. Sabes onde elle está; quem o

de mim Henrique Henriques, medonho, ameaçador, e como envolvido n'uma nuvem de sangue. Assim o julguei, Fr. Pedro: mas agora... Deus não pode levar a mal que eu seja feliz depois de tanto padecer, não é assim, Fr. Pedro?

-Ha felicidades, a isso que os homens chamam felicidades, ha, torno a dizer, felicidades que são verdadeiros crimes, que são negros peccados, que Deus não póde perdoar.

roubou da casa de Sua Alteza? -Não sei... não posso dizer... -Vamos, Margarida; nada de segredos commigo, o teu confessor, teu amigo verdadeiro. -A minha felicidade não é dessas. EscuteCurvando-se pouco a pouco a Calcanhares ca- me,. Fr. Pedro, escute-me indulgente, miserihiu de joelhos aos pés do frade; e alli, com a cordioso, como Deus quando julga os peccadores; cabeça baixa, os olhos innundados de um pranto, e julgue-me depois. A minha felicidade, Fr. Peque não era de tristeza mas de ternura, os ladro, é amar e ser amada; e o amor não é um bios tremulos, estendeu as mãos n'um gesto que crime. pedia comiseração e tolerancia, murmurando: -Fr. Pedro, eu pequei, e quero confessar o meu peccado.

-Filha, tu bem sabes que o meu dever é escutar a confissão de todos os peccadores; e perdoar em nome de Christo a todos os que se arrependem-respondeu o frade solemnemente.

Mas eu não posso, não sinto em mim força bastante para me arrepender: nem a um juiz severo, eu poderia dizer o meu peccado... se é peccado. Preciso de um amigo, que me ouça com indulgencia, que me aconselhe, que me ajude, que me salve de um grande perigo.

-Onde poderias tu encontrar um amigo mais verdadeiro do que eu? Quero-te como a uma filha, e nem sei, nem posso ser severo comtigo. E a sua protecção; promette-me a sua protecção?

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-Bem sabe que Deus, compadecido dos meus soffrimentos e da minha solidão neste mundo, me fez encontrar no dia da chegada da Rainha... um homem que me fascinou mal em mim pôz os olhos, que me captivou para não mais ser livre mal me appareceu.

-Sei, Margarida; e esse amor que tu lhe tomaste foi a tua desgraça e a delle.

-Eu assim o julguei quando, naquella noite horrivel, naquella noite que nunca mais se me varrerá da memoria, ouvi o gemido agonisante de Francisco d'Albuquerque; quando V. R. me disse que elle estava mal ferido ; quando vi diante

- Ás vezes é crime o amor.

Será, será criminoso o amor que leva a trair juramentos solemnemente feitos, será criminoso o amor que lança a deshonra e a dôr no seio de uma familia, mas este meu amor que faz a ventura do homem que eu amo e a minha, sem que haja nem juramentos traidos, nem prantos, nem deshonra para ninguem, este amor não póde ser crime.

-E de Francisco d'Albuquerque já te esqueceste ?-perguntou Fr. Pedro, lançando um olhar escrutador sobre a Calcanhares.

-Não, não me esqueci. Se é delle que eu estou namorada, se é elle o meu amante, aquelle de quem me vem todo o jubilo, toda a felicidade, a vida, tudo emfim, como o hei de esquecer? -exclamou Margarida com exaltação.

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Então elle felizmente não morreu ? insistiu o frade.

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Uma mulher que o ama, que o ama desde a infancia; com quem elle esteve para casar...

E disseste ha pouco que, nos teus amores com Francisco de Albuquerque, não havia nem juramentos traidos, nem prantos derramados!

accudiu o frade; buscando meter escrupulos na consciencia de Margarida, para ver se podia por este modo combater um amor, que contrariava os calculos politicos de seu sobrinho.

-São prantos que se hão de estancar; e juramentos... não sei... creio que os não havia - balbuciou Margarida,

-Margarida, Margarida interrompeu Fr. Pedro em tom severo, o peccado não anda nunca desacompanhado de lagrimas e de crimes. Esse teu amor é peccaminoso, porque o não santificaram as bençãos da egreja; e, por causa delle, na solidão e na tristesa chora dia e noite uma mulher innocente, por causa desse amor os inimigos do conde, meu sobrinho, tem contra elle levantado calumnias tremendas, accusando-o de assassino despiedoso e cruel.

A estas palavras severas de Fr. Pedro a Calcanhares, debulhada em lagrimas, deixou cahir a cabeça para traz, e, com um movimento de sublime exaltação, exclamou:

| garida; e então poderás gosar tranquilla a felicidade que a Providencia te destina.

-Felicidade para mim só no amor de Francisco a póde haver; só longe, muito longe da côrte, n'um canto bem só de Portugal a poderei gozar perfeita.

--

Socega, filha: não chores, não te afflijas desse modo. Eu sou teu amigo, bem no sabes. Dize-me o que dezejas, e eu farei quanto podér para que o alcances.

- O que desejo? -perguntou a Calcanhares, enxugando as lagrimas A paz, a solidão é o que eu desejo. Estou cançada desta vida de martyrio; e não é justo que eu seja por mais tempo. condemnada a uma deshonra que não mereço. Em quanto não amava, em quanto vivia só com os delirios da fantazia, parecia-me nobre e bello esse viver em continuos sacrificios, essa dedicação com que eu, para o bem deste reino, me sugeitava a um martyrio de todos os instantes, me expunha ao odio e ao desprezo desses mesmos por quem me sacrificava. Quantas, quantas vezes, acreditando nas suas palavras de bondade, Fr. Pedro, me julguei o anjo protector de Por

E és, e tens sido o anjo protector deste reino, Margarida ?-accudiu o frade.

-Deshonrada, aviltada, accusada de crimes que não commetti, sacrificada á vingança infame de um homem sem coração, odeiada por um povo como se fora a causa de máles, que só te-tugal ? nho procurado evitar, despresada, eu pura e innocente, como uma dessas mulheres que vivem no vicio e na vergonha, desventurada sempre desde a infancia, era justo que para tantos padecimentos houvesse compensação. Eu tambem innocente chorei muitas lagrimas; eu tambem não maculada de crimes fui calumniada. Não; este a mor não pode ser, não é peccaminoso: foi vontade de Deus que elle nascesse neste coração, e, de sde que amo, sinto-me melhor, a minha alma eleva-se em mais fervorosas orações ao céu, que me conhece e que me julga.

Mas as calumnias que por tua causa tem levantado a meu sobrinho?.. atalhou o frade.

Não sou eu, é Henrique Henriques, o assassino de Francisco de Albuquerque, a causa unica dessas calumnias. Para servir o Sr. Conde, tenho eu tambem sido victima das mais infamantes calumnias, Fr. Pedro, e nem uma vez desta bocca sahiu uma queixa, nem uma accusação.

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-Acabou-se a illusão, acabou de todo, e para sempre. Esta existencia agora parece-me infame e aviltante faz-me horror. Eu amo, Fr. Pedro; e sou, quero ser só do homem que amo. Francisco não morreu: compadecida de mim, a Virgem, Nossa Senhora, salvou-mo. Está aqui, elle: e se Henrique Henriques o souber eu e elle estamos perdidos. Quero fugir para fóra de Lisboa; e espero, conto que me ha de proteger. E por isto que The eu pedi que escutasse esta minha confissão, não como juiz severo, senão como sacerdote misericordioso, que sabe perdoar, em nome de Deus, e quer salvar da morte. os desgraçados que, se peccaram, foi por muito amar.

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Ouve, Margarida. Levanta-te senta-te
aqui ao pé de mim e escuta-me-disse Fr. Pe-
dro de Sousa, com voz branda e afavel. Não
é como juiz, nem como sacerdote
te you
que
fallar; é como um amigo, como um pae.

cadeira que tinha ao lado, o velho proseguiu :
E, quando viu a bella Margarida sentada na

-Tu, menina ainda innocente e candida, foste pela Providencia destinada para padecer, é verdade; porém, foste destinada tambem para

ser o anjo protector de muitos infelizes que, sem ti, teriam sido victimas da cólera desvairada de um rei quasi insensato: porque o é, El-rei é quasi insensato. Se não foras tu, quantas vezes teria sido impossivel ao Conde de Castello-Melhor domar-lhe as furias tresloucadas? É a mão de meu sobrinho quem sustenta a corôa na cabeça de Affonso VI. Se não fosse elle, essa corôa seria hoje do rei de Hispanha, talvez.

-Mas que necessidade tem o sr. Conde de uma pobre mulher como eu, para fazer essas grandes coisas, em que eu nem sequer me atrevo a pensar ?

-Um homem, como D. Affonso só pelo medo, ou pelo amor se póde governar: mas quando esse homem é rei, então é o amor unicamente que sobre elle tem imperio. É pela tua bocca que meu sobrinho falla á alma embrutecida de El-rei: conselhos que não passam pela tua bocca, não são nem escutados, nem attendidos.

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Mas agora ahi está a Rainha. . .

A Rainha é franceza e não portugueza; o que ella queré servir Luiz XIV, para elle a ajudar depois a satisfazer a sua desmesurada ambição.

-Já lhe disse, Fr. Pedro; não me julgo com forças para continuar a padecer este martyrio.

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El-rei cego de raiva, quer mandar assassinar o Conde da Ericeira D. Luiz, por elle o ter deixado, para seguir as partes de Sua Alteza. É necessario despersuadil-o desta louca e criminosa resolução. Um attentado contra a vida de um fidalgo como D. Luiz de Menezes, seria a deshonra d'El-rei, e a perdição de meu sobrinho.

- Que posso eu no animo d'El-rei, Fr. Pedro? Sua Magestade já nem de mim se lembra, felizmente. Ha quasi um mez que me não manda chamar ao paço.

-É preciso que te faças lembrada. A Rainha vae tomando ascendente sobre o espirito de D. Affonso...

-Então póde a Rainha, melhor do que eu, despersuadil-o...

Nem eu te peço que te sacrifiques por muito mais tempo. Seria cruel, seria injusta tal exigencia. Olha, Margarida, eu já desconfiava que Francisco d'Albuquerque não tinha morrido; disseram-mo, a ultima vez que te vi, as tuas faces menos pallidas, e o fulgor desses teus olhos ; hontem, porém, vieram dizer ao Conde, um desses mãos homens que compoem as patrulhas d'El-rei é que lho veio dizer, que tinham visto atravez das gelosias do teu camarim passar um vulto de homem. Felizmente foi ao Conde, e não a El-rei nem a Henrique Henriques, que disse ram este perigoso segredo; e nem um nem outro sabem disto ainda, porque o Conde recomendou ao homem que lhe trouxe a nova o mais profundo silencio. O que este viu, porém, outros o poderiam vêr tambem; e por isso vim ter com-accudiu Fr. Pedro. tigo para saber a verdade, e aconselhar-te, e - Mas... recommendar-te prudencia. Henrique Henriques anda desconfiado, tem suspeitas de que Francisco d'Albuquerque ainda é vivo, e se elle viesse a saber...

-Deus tenha misericordia de nós! -exclamou assustada a Calcanhares.

- Um crime póde ser perpetrado n'um mo

-Não, isso não póde, não deve passar-se assim. Os inimigos do Conde proclamariam por toda a parte calumnias, e aleivosias contra a sua honra: dir-se-hia, que é meu sobrinho quem aconselha mal El-rei, e a Rainha quem o desvia do crime, quem se oppõe as suas tirannias

Sou eu quem to peço, Margarida. Faze o que te disse, vae amanhã ao paço : mandarte-hei aviso da hora a que deves ir. Falla a Elrei no Conde, persuade-o a que lhe escute os conselhos. Combate por todos os modos a influencia da Rainha...

- Isso, isso não faço eu.

-A franceza fez hoje publicar na corte, que estava de esperanças, que ia dar um herdeiro á corda... É uma astucia de que se quer servir para alcançar os seus fins-proseguiu o frade, baixando a voz.-Ella deseja levar El-rei a assignar a liga proposta pelo ministro francez. São ordens que recebeu de Luiz XIV; e essa liga seria a perdição deste reino. Margarida faz o que te eu peço: salva a vida do Conde da Ericeira e a honra de meu sobrinho.

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