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« Senhor. Tendo recebido a honra de ser consultado por vós, em virtude da minha profissão de chimico, sobre os diversos estrumes novos, que muitos industriaes tem procurado, nestes ultimos tempos, preconisar por via dos jornaes, vou com todo o gosto corresponder á demonstração de confiança que vos dignastes manifestar-me.

<< Nunca pude admittir que de nada se podesse fazer alguma coisa; quando appareceram os famosos adubos de M. Bickés, inventor do systema cultura sem estrumes, recordei-me naturalmente das memoraveis historias dos descobrimentos de Herschel na lua, da couve collossal, da grande serpente marinha, da machina de vapôr, que sustentada por uma barrica devia correr por cima das aguas, e disse para comigo: depois de taes decepções, ainda haverá credulos? - Achou-os com effeito o pó milagroso de Bickés composto de

Carbonato de cal (cré de Meudon). . . .
Carvão de lenha .
Colla forte.

70

20 10

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O adubo Dusseau, que por vós me foi remettido para analysar, compunha-se de :

Colla forte. . . . . Nitrato de potassa Saes ammoniacaes Agua...

10

10

80

100

Resultado que póde obter-se simplesmente dissolvendo um kilogrammo de nitrato de potassa, um kilogrammo de sal ammoniaco, dois de colla forte, em dezeseis kilogrammos de agua, tomando o cuidado de fazer ferver a dissolução da gelatina durante algumas horas, a fim de que se não converta em geléa. - Os vinte litros de estrumes liquidos assim preparados sahiriam apenas ao agricultor por quatro francos, em logar de 40 francos, preço porque l'os vende M. Dusseau; e não poderia incorrer na pena de falsificador de um processo privilegiado, por quanto, se bem nos recordamos a especificação no diploma de invenção de M. Dusseau é concebida nestes termos.« Põem-se a ferver em 20 litros de agua, por espaço de vinte e quatro horas, dois kilogrammos de retalhos de pelles, deixa-se assentar o liquido e decanta-se, feito o que se lhe ajunta, um kilogrammo de colombina edito de guano; depois de nova ebullição decanta-se outra vez, e finalmente dissolve-se neste liquido um kilogrammo de nitrato de potassa e um kilogrammo de chlorhydrato de ammoniaco. »>

se

Em summa, julgamos que esta nova carreira em que se pertende metter os nossos agricultores, offerece alguma vantagem tem por outro lado bastantes inconvenientes: que neste ponto, como em tudo cumpre ser eclectico, saber escolher o bom e rejeitar o máu; por isso pensamos que o methodo de tostar as sementes, antes de as lançar á terra, com adubos que contenham phosphatos, sacs ammoniacaes ou calcareos é mui digno de ser recommendado. Todavia é mister não cahir em illusões, e crer que, por beneficio daquelle methodo, os estrumes naturaes são inuteis. M. Dusseau tanto o conhece que prescreve que as terras sejam estercadas por metade do que dantes se praticava; faria melhor se mandasse lançar os estercos por inteiro. Effectivamente, pensamos com todo o fundamento, apezar dos arrazoados de M. Moigno, e de nosso antigo condiscipulo Ville, que é necessario res_

tituir ao terreno as materias salinas absorvidas pelas colheitas precedentes, e introduzir-lhe o maior numero possivel de despojos de corpos organisados; porque, a natureza não é systematica, e sabe tirar par

tido de todos os entes destruidos para reconstruir outros novos sob outras fórmas variadas. Sou etc.Nantes, 10 de Dezembro de 1850.

Ed. Moride.

LITTERATURA E BELLAS-ARTES,

UM ANNO NA CORTE.

CAPITULO XXXIV.

Amores.

328 Haverá felicidade no mundo, haverá mas no coração do homem certo é que não existe; ella perfeita. Esperar e desejar, é bom ás vezes, mas a felicidade não está, não póde estar nem na esperança, nem no desejo. E se a esperança se realisar, se o desejo for satisfeito, então isso é a felicidade de certo? Pois não é porque vem a desconfiança, vem a incertesa, a incredulidade, vem o susto, vem tudo perturbar o praser, que se não chegou a gosar absolutamente completo, avivar as saudades de um passado que não merece saudades, dar vida a novas esperanças que, se um dia se realisarem, perderão o valor, o encanto, o prestigio, com que a vaga imaginação as enriqueceu.

vem

Venha o feliz triumphador, venha no momento da victoria, quando todo um povo prostrado no pó, o admira, o louva, o adora, e diga-nos se não tem no mais recondito esconderijo do coração uma tristesa profunda, que lhe não deixa gosar a felicidade da gloria, que lhe faz subir as lagrimas aos olhos, quando mal nos labios se formou o riso da alegria? Venha o avarento, com todos os seus thesouros, cercado de gemmas preciosas e de pilhas de oiro, e diga-nos, se a riqueza é a felicidade, ou se não é antes a inquietação de todas as horas, diga-nos, se a riqueza não é martyrio, quando o susto se ergue pallido diante dos olhos, e o terror cinge e aperta nos braços descarnados o corpo fragil do avarento? Venha o homem que a inspiração guiou pelos incommensuraveis espaços da poesia, a quem a da poesia, a quem a Providencia revelou algum dos sublimes segredos, que só de seculos a seculos ella diz á humanidade pela bocca dos poetas, e diga-nos, se, nas horas silenciosas da noite, nas horas da so lidão, quando o pensamento oscila incerto entre

o passado e o futuro, entre o real e o imaginario, entre a terra e o céu, diga-nos sc, nessas melancolicas horas, elle se não sentiu pequeno e fraco diante da immensidade das coisas creadas, se não sentiu infinita tristeza repassar-lhe a alma, se não pediu a Deus que lhe tirasse o dom fatal do genio, que consome o espirito, e lança na sepultura ainda no verdor dos annos os que o possuem? Venha tambem o amante, que todos imaginam, que todos julgam perfeitamente ditoso, porque passa a vida aos pés da mulher que adora, escutando-lhe palavras e suspiros que recendem ternura, venha o amante nesse mesmo momento em que recebe n'um extasi de paixão as mais ardentes, as mais fascinadoras provas de amor, e diga-nos se não sente a melancolia passar sobre a sua felicidade, como nuvem ligeira sobre a face do sol em dia de primavera, diga-nos, se vago e indefinido receio o não faz subitamente estremecer, quando elle descuidoso se entrega aos encantos de uma ventura, que nada parece ameaçar?

Francisco de Albuquerque, o capitão Francisco de Albuquerque, que nós deixámos na liadormecido o licenciado Antonio do Prado, esteira da Calcanhares, para onde o transportára tava agora, na mesma tarde em que tinham logar todos os successos, que narrámos nos ultimos camarim todo veludo, brocado e pérolas, em que pitulos, no camarim da sua amante, nesse caelle ouvíra pela primeira vez, da propria bocca de Margarida, a mais casta e suave confissão de amor que ouvidos de homem namorado pódem escutar. Com o rosto palido e ainda abatido, cercado por longos anneis de um cabello negro e brilhante,

os olhos um tanto encovados mas relusentes de amor, o corpo envolto n'uma ampla roupa de chambre de veludo azul-escuro, que abrindo-se no peito, deixava sahir em flocos as rendas que lhe ornavam a camiza de finissima cambraia, recostado ligeiramente sobre uma pilha de almofadas, Francisco de Albuquerque contemplava melancolico o rosto suave, a angelica formosura da

sua amada.

O moço capitão amava, e era amado. Separado do resto do mundo pela morte, porque todos na côrte o julgavam assassinado, elle só existia para a Calcanhares, e esta só para elle vivia tambem. Desconfiar da pureza da alma de Margarida, da castidade da singeleza daquelle coração, a que elle fizéra sentir a primeira vibração de amor, isso não fazia, não podia Fran

cisco de Albuquerque fazer já. Eram tão diaphanos os olhos de Margarida, liam-se tão claramente atravez delles os pensamentos, e depois havia tanta espontaneidade nas suas palavras, tanta candura nos seus sorrisos, tanta virgindade em todos os seus modos e gestos, que era preciso ser cégo e duro de coração para não crer em tudo que ella dizia. Os dias haviam passado, e com elles aquelles amores em vez de diminuir - dizem que o tempo mata os amores - só tinham crescido, crescido a não poderem crescer mais.

-

a propria felicidade alimentava, aquelle deslizar socegado por dias sem sombra, aquelle esvaecer da existencia por horas que se não contavam, todo aquelle viver, que não parecia deste mundo, lhe lançava no espirito um véu de melancolia que lhe embaciava a cada instante os raios de magica luz, que a formosa Margarida derramava ás torrentes em roda de si. Ou fosse vão receio ou presentimento, o que é certo, porém, é que o moço capitão encontrava naquelles amores esse travo ligeiro mas indestructivel, que em todas as felicidades da vida descobre o homem, cujos sentidos e espirito tem a necessaria delicadeza para gosar e para soffrer.

Margarida vira no rosto do seu amante a ale

A convalescença de uma longa e perigosa enfermidade, esse periodo em que os orgãos acordam do torpor que lhes causára a prostração das forças vitaes, e ao acordarem sentem com incri-gria extinguir-se pouco a pouco; vira as palpebras baixarem-se-lhe convulsivamente, e depois vel perfeição; em que a vida, recomeçando por os olhos ficarem nessa immobilidade espasmodica, assim dizer, parece mais variada nas impressões, que acompanha sempre a concentração do espia terra mais bella, mais florida, mais fragrante, rito nas pessoas melancolicas, e, para o tirar o céu mais luminoso e diaphano, o ar mais puro brandamente daquelle estado, reclinou-se tanto, e mais rico do principio que alimenta a existencia; esse periodo, em que a alma, abrindo- tanto, que os seus labios pousaram quasi sobre os se como a flor orvalhada pelo rocio da noite de-delle. Os cabellos annelados da bella Calcanhares pois de um dia abrasador, só exhala perfumes, só está disposta para a ternura, para a melanFrancolia, para o amor, esse periodo, passou-o cisco de Albuquerque nos braços da formosa, meiga, e amoravel Margarida.

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in

Margarida estava alli, meio assentada, meio ajoelhada sobre as almofadas que serviam de recosto ao namorado capitão; o corpo flexivel e onduloso dobrava-se-lhe em graciosa curva, clinando-se um pouco para diante, de modo que o seu rosto, bello como o das virgens de Murillo, e naquelle momento illuminado pelo reflexo purpureo das nuvemsinhas espalhadas no céu como ondas espumosas de um oceano phantastico, estava tão proximo do de Francisco de Albuquerque, que este podia quasi respirar o halito brando e perfumado que se lhe exhalava dos labios semi-abertos, que o prazer tornava vermelhos como as pétalas da flor da romeira.

Franscisco de Albuquerque conquistára o mais precioso thezouro, que o homem póde possuir, uma amante bella, que o amava com a candura, com o inconsiderado abandono que só no primeiro amor se encontra, e que dá suavidade de anjo á mulher pura e simples, que nem quer, nem sabe resistir aos impetos da paixão que a domina. E com tudo Francisco de Albuquerque não era perfeitamente feliz; e tinha quasi remorsos de o não ser. Aquelle amor que

passaram sobre a face de Francisco de Albuquerque, ligeiros e flexiveis, como as azas de uma borboleta; e este quasi imperceptivel contacto bastou para desvanecer as idéas melancolicas do moço namorado, para o chamar á felicidade e ao amor. Ha, é sem duvida, ha nos cabellos da mulher um fluido desconhecido, que actua sobre os nervos do homem namorado, com poder egual ao das correntes galvanicas:

Francisco cingiu com o braço direito o corpo gentil da sua amada, murmurando. -Sou feliz, Margarida.

- És feliz, Francisco, és feliz; e vejo-te sempre tão triste?-acudiu a Calcanhares surrindo, mas com lagrimas de ternura a mareja

rem-lhe dos olhos.

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Olha, Margarida, não sei o que tem esta nossa felicidade, que faz tristeza. É talvez o receio de a ver acabar; é talvez porque a alma, em quanto está aqui na terra, não tem força para gosar prazeres que são do céu; talvez... nem eu me atrevo a dizel-o, é talvez o ciume, que me faz, não estar triste, porque o não estou, cair em melancolia.

mas

-O ciume? De que tens, de que pódes tu

ter ciume?

-Ainda m'o perguntas? Pois tu não me deixas aqui só ás vezes para ir ao paço estar com El-Rei ?

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Não, ai! não. Permitta Deus que eu nunca mais lá volte.

-Então vem, vamo-nos para longe daqui. Fujamos para muito longe de Lisboa. Em toda a parte podemos ser felizes um com o outro; e aqui o nosso amor está sempre em risco.

-Não me peças que fuja comtigo: não m'o peças, porque eu não te sei resistir. Lembra-te que devo tudo ao conde de Castello-Melhor, que até ter-te vivo aqui a elle o devo; lembra-te que só eu posso domar as furias de El-rei, que tenho impedido, por muitas vezes, crimes que causariam horror ao mundo inteiro, e deitariam a perder D. Affonso e com elle o reino todo.

acu

-Pois pensa, pois dize o que quizeres diu Margarida acariciando-o;- mas não sejas. ingrato. E tem-me sempre muito amor, que é o que mais me importa.

Margarida, de véras, nós não podemos viver assim por muito tempo - disse Francisco d'Albuquerque passados alguus minutos. Eu morri para o mundo, toda a gente daqui a pouco se terá talvez esquecido de mim: só para ti existo ainda, Margarida, e é preciso que só para mim tu vivas tambem. Em quanto estivermos em Lisboa, não poderei ter um dia de socego: vem, vamos para uma herdade solitaria do Alemtejo, viver um com o outro, um para o outro.

-Fr. Pedro de Sousa ha de vir esta noite: confessar-lhe-hei tudo; pedir-lhe-hei que nos ajude, que nos aconselhe.

E accusam-te de crimes, a ti minha pobre Queres confessar tudo a Fr. Pedro? Irá dar Margarida, que és um anjo, uma santa! -ex-aviso ao sobrinho, ao Conde, e não te deixarão clamou Francisco, enternecido. sahir desta caza. E se Henrique Henriques souber que eu ainda vivo, que estou aqui, que sou amado por ti, mandar-me-ha assassinar.

-Que me importa a mim, que me accusem. Deus sabe que sou innocente; e tambem tu o sabes, não é assim?

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Henrique Henriques.

Henrique Henriques. Elle ama-te, tem ciumes de ti, traz-te cercada de espiões: devemos recear tudo de um homem assim. Bem viste que cuidados, que cautelas, que disfarces foram precisos para eu vir, mesmo fóra de horas, de Xabregas para esta caza. E quando eu lá estava naquella triste caza de Xabregas, doente quasi a morrer, quantas vezes me deixaste só dias inteiros pelo receio que tinhas desse homem ? Vem, Margarida o teu martyrio deve acabar por uma vez. El-Rei está casado; e a Rainha que é, dizem, uma virtuosa, uma sancta princesa, ahi está para aconselhar, e socegar D. Affonso.

A Rainha, Francisco, a Rainha é inimiga do Castello-Melhor; quer deital-o a perder, tirar-lhe o valimento...

-Fr. Pedro é um sancto incapaz de trair ninguem, e muito menos de me trair a mim; porque é meu amigo de véras, o sancto do velho.

-Ai, minha querida Margarida, se me vejo longe desta caza, n'um sitio bem deserto, onde não haja ninguem senão eu e tu, onde se não saibam novas do mundo, onde as nossas palavras de amor interrompam apenas o silencio da solidão, então é que eu sou feliz, então digo que não ha quem seja mais feliz do que eu !

-Cala-te! És um ingrato - exclamou a Calcanhares fechando graciosamente com um dedo a bocca do seu amante.

-Ingrato! Por querer viver só comtigo, sou ingrato, eu?

- Esqueces-te de quem te ama? -De Luiz de Mendonça ?

Desse te não esqueces tu. E que te esquecesses; conhece-lo de ha pouco, não era para admirar. Mas della... da pobre Thereza... Q moço capitão estremeceu, e o rubor subiulhe á face, ao balbuciar:

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-Não me esqueço... quero dizer...

Dize, Francisco: falla-me com sinceridade.

—Etem rasão a Rainha, porque o Conde...No fundo de tua alma tens pena, tens quasi remorsos de a ter abandonado, de lhe ter pago tão

- Lembra-te que foi elle quem te salvou a vida. -A vida, a vida se necessario for darei eu por ellé mas dizer o contrario do que penso, isso não faço eú.

mal o seu amor.

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Porque me fallas tu assim desse amor, que... que não existiu nunca ?

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-Não duvides, não duvides do amor daquella infeliz mulher; essa tua duvida é um sacrilegio accudiu Margarida.

Porque insistes em fallar do que mais me não deve lembrar? O que está feito, já não tem remedio.

Bem no sei; e ainda mal.
-Pesa-te de estar comigo?

-Não; a felicidade não pesa a ninguem. Mas sinto-me tão feliz, que quizera vêr todos tão felizes como eu. Agora que sei o amor que me tens, que não receio ser enganada por ti, tenho dó dessa rapariga que desde pequena te ama, que nunca teve outra idéa senão passar a vida toda comtigo.

-Mas que se lhe ha de fazer?

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-Nada: bem sei que nada se pode fazer. Nem eu consentia agora que tu fizesses coisa alguma para a consolar do seu amor malogrado-accrescentou a bella rapariga, sorrindo e fazendo um gesto de ameaça. Olha, o meu coração é uma coisa que nem eu posso entender. Ha pouco tinha ciumes de Thereza, quasi que lhe tinha odio por ella te amar; agora tenho-lhe sympathia por isso mesmo. Quando me lembro que Thereza te julga morto, e que tem chorado por ti noites e dias inteiros, quizera ir ter com ella, e contarThe tudo, dizer-lhe que ainda és vivo... Mas seria peior, talvez, para ella. Melhor é que te julgue morto a dôr ha de lhe passar, como passa a todos, e ficar-lhe-ha a saudade, que é um suave e consolador sentimento.

-Tens um coração de anjo, Margarida. -Tenho um coração que te sabe amar muito, e muito!

Um beijo de amor cortou a phrase nos labios de Margarida; e o que a voz não poderia exprimir, disseram-no então os suspiros, as caricias, os sorrisos os longos olhares nublados por lagrimas de ternura, esses mil requebros, emfim, que compõem a linguagem dos amantes; a mais persuasiva, a mais eloquente, a mais sublime linguagem, que no mundo se falla.

JOÃO DE ANDRADE CORVO.
[Continúa.]

INNOCENCIA,

Leia-me a virgem que á tarde, Á hora em que baixa o sol, No jardim passeia e para Quando escuta o rouxinol.

A. F. DE CASTILHO.

329 Formosa meiga innocencia
Casta filha do Senhor;
Nem tu sabes, nem eu quero,
Fallar-te fallas d'amor.

Vem commigo; vamos ambos
Sentar-nos ao pé do mar.
É lá que podes sem medo
Com as conchinhas brincar.
Verás as ondas pulando
Na praia virem morrer;
Levantarem-se orgulhosas
Para depois fenecer.

Contarás, uma por uma,
As estrelinhas do céu;
São como tu innocentes,
Fulguram livres, sem véu.
Verás a lua saudosa
Vir as aguas pratear;
Vêl-a-has depois tranquilla
Ir-se nas ondas banhar.
Formosa meiga innocencia,
Casta filha do Senhor;
Nem tu sabes, nem eu quero
Fallar-te fallas d'amor.

Ámanhã virás commigo,
A festejarmos o sol,

Que tinge as grimpas dos montes
Desse pallido arrebol.

Lá verás como são bellos
Esses puros raios seus.
Ambos iremos à tarde
Dizer-lhe o ultimo adeus.

Verás então as campinas
De saudades a chorar;
As flores verás pendidas
Pelos troncos a murchar.

São saudades... tu não sabes
Bem ao certo o que ellas são.
Para as ter... ail não as queiras,
Soffre muito o coração!

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