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cumentos e monumentos. Alem de dois documentos em vulgar, anteriores ao Sr. D. Affonso 3.o, unicos que o Sr. João Pedro Ribeiro reputa genuinos, só desde o reinado do Sr. D. Affonso 3., e desde a era de 1293 é que principiam a apparecer alguns na lingua vulgar, posto que em menor numero, que no reinado do Sr. D. Diniz. As inscripções, moedas, e medalhas, que nos restam deste periodo, são em lingua latina, e na mesma a legenda dos sellos.Note-se que no livro 1.° da Chancellaria do Sr. D. Affonso 3., chamado 1.° das doações do mesmo senhor no Real Archivo, são quasi todos os diplomas em latim.

No 2. periodo da 2. epocha, isto é, desde o Sr. D. Diniz até o fim do reinado do Sr. D. Affonso 5.o, ainda apparece o latim em muitos documentos. Em um Livro de Registo da Chancellaria do Sr. D. Diniz, respectivo ás appresentações de egrejas do seu padroado, até 20 de Janeiro da era 1334 se acham todas as appresentações em latim. Neste periodo e no seguinte empregou-se a lingua latina nas moedas e medalhas. Em sellos só apparece a vulgar em bem poucos as inscripções são mais ordinariamente

latinas.

Deixemos o 3.o e o 4. periodos, porque já não podem fazer ao nosso caso.

Alteração e corrupção do idioma dos romanos. Este ponto foi magistralmente tratado pelo autor da « Refutação», e para o que elle disse, desde pag. 61 a 68, remettemos os leitores. Appresentaremos porém aqui um breve resumo da sua doutrina, e pediremos licença para recordar os principios que deixámos provados no Dosso artigo 10., taes como: disposição do latim para se alterar e corromper, proveniente da perfeição muito apurada desta lingua; - difficuldade que offerecia aos proprios naturaes ;tendencia das linguas para se tornarem mais claras; - differença de propagação entre as classes elevadas e as populares das provincias conquistadas; necessidade que tiveram os pregadores do christianismo de se afastar das formulas sabias da lingua litteraria e oratoria para se fazerem entender do povo; adopção do latim pelos barbaros, e consequente alteração que deste facto havia de necessariamente provir. Presuppondo bem presentes estas idéas, e outras que tambem desenvolveremos, apoiados em opiniões de auctores competentes, vamos dar em resumo o que muito judiciosamente escreveu o auctor da

<< Refutação»: A lingua latina, pela sua mesma
perfeição, pelas suas formulas grammaticaes, sa-
bias e complicadas, pela variedade das suas cons-
trucções, era mais do que qualquer outra, sujeita
a alterar-se, maiormente sendo fallada por tantos
e tão differentes povos, quaes eram os que com-
punham o antigo mundo. Vieram os barba-
ros, e adoptando a seu modo o idioma do im-
perio romano, muito contribuiram para a cor-
romper; como porém se convertessem ao chris-
tianismo, deram logar a que continuasse sem-
pre a ser a lingua nacional, embora barbarisada
no uso vulgar, mas ao menos susceptivel de uma
tal ou qual correcção nos escriptos. - Succede-
ram-lhes os arabes, e esses, com quanto não
se convertessem ao christianismo, levaram to-
davia a sua tolerancia ao ponto de permittirem
aos christãos o uso da sua religião, e por este
modo contribuiram poderosamente para que a
lingua totalmente se não extinguisse. Era porém
tal a ignorancia em todas as classes, que a lin-
gua latina se foi constantemente corrompendo,
até á situação em que a encontramos no reinado
do Sr. D. Affonso 3.° Entre tanto a maxima
parte das palavras ficou sempre sendo a mesma ;
o fundo da lingua vulgar continuou a ser latino,
particularmente preponderante em todas as ex-
pressões da intelligencia e do sentimento; de-
vendo notar-se esta circumstancia, pois quê.
do arabe tomámos sim bastantes vocabulos, mas

todos relativos a artes e officios de segunda ne-
cessidade, a chimica e a medicina, que el-
les cultivaram-e a algumas drogas orientaes
ou de sua composição.

Neste estado de coisas, não podia já dizer-se que a lingua era latina, antes devemos suppor que era já a formação muito imperfeita da vulgar de hoje. Mas em todo o caso, o latim conservou-se, mais ou menos puro, mais ou menos corrompido, nos claustros, como lingua que era da religião, e só quando o povo começou a não o intender, é que o Clero principiou a fazer as suas prédicas em romance, accomodando-se á rude intelligencia dos ouvintes desses nebulosos tempos. De então para cá é já muito facil ir marcando as phases da lingua, isto é, o seu progressivo desenvolvimento, acompanhando o lento progresso da civilisação no povo. Chegou o seculo XVI, e já então apparecem grandes litteratos, que concordaram nas regras fundamentaes da grammatica e estructura particular da nossa lingua; e lá vão buscar à lingua latina as

á

palavras que jaziam no esquecimento, e que por ventura tinham sido abandonadas, quando não eram precisas.

Terminarei este assumpto da alteração da lingua latina, observando que é indispensa vel, a quem quizer tratar a fundo a questão da filiação da portugueza, seguir passo e passo todo este longo e lento processo de transformação.

JOSÉ SILVESTRE RIBEIRO. (Continúa.)

CIUMES D'AUSENDA.

140 Contae, contae, ó lyra entristecida, Da tristissima Ausenda o caso estranho, Contae-lhe a viva dôr com que no peito Se lhe apertava o coração mesquinho: E vós que ouvides o funereo canto Do ministrel chorae co'a lyra triste.

Era a noite fatal!.... o céu trajava Negro crépe de morte, a dor mostrando Em copioso pranto, ai, bem parece Na chuvosa corrente anniquillar-se! Em densas trevas envolvida a terra Agitada a tremer nos labios ergue Um brado horrivel que dos seios surge Pela voz do trovão!.... O mar rugindo Parece lastimar a dor acerba

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Em
que a terra s'encontra..
a negra rocha
Do mar erguida, ao cimo alevantava
De preclaros senhor's alto castello

D'ha muito inhabitado.... Os vidros todos
Das altas jelozias só reflectem

Do relampago a luz.... n'um dó profundo
Jazia sepultada a massa enorme
Do soberbo castello! Entre as amêas,
Na mais alta de todas sustentado,

Um negro vulto immovel se apresenta :
Vem-lhe as brancas espumas levantadas
A prumo sobre o mar os pés beijar-lhe ;
Em toda a superficie o vento em furia
D'encontro o quer vergar, e elle firme
Nem ao menos se move!... a grossa enchente
Que das nuvens se esparge, bem debalde
Alagando-o pertende afugental-o;
Em torno á fronte os raios se lhe cruzam;
E sempre immovel, nem sequer dos olhos
As palpebras fechava á luz que os ferem!
O genio da tormenta assim dissereis,
Pelas humanas fórmas revestido,
A contemplar do seu poder effeitos!

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Mas não, não era um genio.... ao facho acceso
Do raio os alvos seios se descobrem
Dos molhados cabellos mal cobertos!
Os negros olhos que de roxo em manchas
A dor d'entorno ás palpebras pintára,
Das compridas pestanas desvendados
Se firmaram no céu!.... a côr dos labios
Não diff'rençava, não das brancas faces;
Na veste negra os braços descahidos
Mui perfeito contraste apresentavam!
O silencio rompendo, eis abre os labios
Ao ar matidando a voz!- « Abre os teus seios
<< Irado mar, e nas crueis entranhas

« Co'a vida minha extingue a dor acerba,
« Que mais soffrer não posso !... Oh, prazer ledo!
Porque não volves tu minha alegria

a Naquelle riso d'esperanças filho,
« Que d'outros labios para os meus voava
« Por sobre um beijo as azas balouçando?!
« Tudo fugiu.... só vejo a naturesa

« Á minha dôr unida erguer tremendos

« Brados horriveis pela voz da morte!

« Ai! morte inda mais negra esta alma a sente,

« Que o temido final, tão certo a todos,

« Placido somno em que a existencia acaba !

« Vejo esconder espinhos aguçados

« Entre os mais frescos lyrios de meus annos;

« E nem sequer ao menos refrescar-me

a As vivas chagas vem os cristalinos

« Formosos prantos da corada aurora!
« Secou-se aquella fonte onde estes labios
« Avidos sempre entre o prazer libavam
« Pelas aguas de prata os arrobados

a Filhos d'amor, momentos de delirio!
Toda em fogo accendida. . . a rasão longe...
« Quasi murchando a flórida capella
« Que me pendia da virginea fronte,

« Presente aos olhos meus via somente

« Um rosto, ai Deus!.. que as chamas redobrava « Do incendio fatal!.. Mas qual tormento « Agora o coração me dilacera,

« Quando em lindas imagens se apresentam, « Na memoria fiel, os vivos traços

« Dessa historia d'amor?-Negros arcanos << Do profundado abysmo, a revelar-vos • Pela tremenda voz apresentae-vos <«< Das horridas paixões! Ai, mais que as outras, « Temivel sempre é esta em que me abraso!

(Continua.)

DA MUSICA SAGRADA E DA SUA

INFLUENCIA RELIGIOSA.

Com muita satisfação publicamos o seguinte artigo, que de Madrid nos foi mandado pelo nosso collaborador, o distincto pianista, Kontski, tão apreciado por todos quantos o tem ouvido.

Transportado a novas regiões lanço em redor de mim um olhar inspirado. Vejo o mundo em que se reflecte o esplendor do Ente sublime que o creou, o céu como que formando o tabernaculo do Eterno... a minha fraca intelligencia, curvada para o pó da terra, não póde com, pezo do espectaculo de tão augustas maravilhas: suspende-se silenciosa!..

(Herder.)

141 Que missão ha mais bella na terra para o homem, que a de testemunhar a sua profunda gratidão ao Eterno por todas as dadivas, com que nos tem beneficiado. Esta missão incumbe sobretudo aos artistas, pintores, poetas e musicos: sobre tudo estes desempenham o mais amplo e brilhante papel daquella formosa trindade, porque a musica sagrada é a que mais influe nas multidões, a que penetra no mais recondito do coração humano, e move até a minima fibra da alma christãa! É inherente á nossa santa religião, vivifica tudo, levanta do corpo terreno a alma para transportal-a ás regiões celestes, e antecipadamente lhe deixar entrever o infinito! É por tanto, repito, a mais bella missão de um artista poder pelo seu talento remontar á mais subida esphera de sua arte, isto é, á composição da musica sacra em toda a sua magestade e bellesa. Entrae n'uma cathedral na occasião da missa solemne, sentireis a sublimidade dessa musica, reboando pelas abobadas os prestigios das harmonias celestiaes, que vos cercam por todos os lados, vos repassam da santidade dos mysterios, e ora vos fazem verter lagrimas, ora estremecer, em summa, sentir o que em nenhuma outra parte poderieis sentir, porque ouvis a musica despojada de to- | das as frivolidades mundanas, e que se torna angelica, magestosa, mystica, cheia de santa inspiração. Que bello drama musical, que sublime pagina da arte o Credo! Que vôo não deve tomar a imaginação do compositor nesta parte da missa, em que de um lado ha de manifestar-se grandissima dor, e do outro o maximo jubilo; dois tão pronunciados contrastes, e tão esplendidos, que cumpre se auxiliem reciprocamente para os grandes effeitos que deve produzir e desenvolver o artista talentoso! E quando no acto da elevação, do meio do silencio e recolhimento religioso o orgão, o rei dos instrumentos, faz ouvir aquelles sons tão suaves, tão maviosos, suspirando tão sentida e gravemente. Sois commovido involuntariamente; os vossos pensamentos harmonisam-se com o verbo divino que está na musica, porque é ella tambem infinita e divina quando não a fazem trivial e prophana. Que objectos ha, com effeito, por mais sagrados que sejam, que não tenham sido desfigurados e prophanados? E por isso as coisas santas deixam de ser santas? Não; são e continuam a ser santas.

O homem de costumes depravados, falto de educação, ou com educação viciosa, malevolo, invejoso,

odiento, e curto de idéias, sevandijará tudo em que tocar, e não podendo elevar-se á immensidade, rebaixa tudo ao nivel de suas acanhadas faculdades:

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pelo contrario o homem dotado de alma nobre e generosa, e de educação superior, tendo só pensamentos puros de vicios, e amor pelo bem, cuja vida leal e christaa não alimenta rancores, nem invejas, elevar-se-ba ás mais altas regiões do grande, do bello, do sublime. E é isto o que se requer para ser verdadeiramente auclor de musica sagrada, dessa musica divina, que deve cantar os louvores de Deus e os santos mysterios da religião christãa, dessa musica, que deve despojar-se de toda a porção terrena, e entrar nos caminhos da egreja, pura e santa, perfumada de aroma divino, como virgem innocente e angelica, vestida com a tunica da alvura do cysne, e derramando em torno de si fragrancias de santidade.

A musica sacra, considerada sob este aspecto, como apoio da religião, como elevação da alma a Deus, como dotada de immensa influencia religiosa nos fieis, é o assumpto mais sublime, a missão mais nobre que póde emprehender um artista. Mas quanto deve reflectir na tarefa a que se abalança, tendo a consciencia da sua importancia. Similhante a Abel, deve offerecer a Deus a sua ovelhinha de brancura immaculada: deve offerecer a Deus os seus pensamentos mais puros, os seus mais harmoniosos accentos, as suas melodias mais suaves, emfim a essencia do mais mimoso perfume de uma alma verdadeiramente christaa. — « Porém (talvez me digam) crêdes que todos os que tem composto missas, requiem, psalmos, foram como acabais de descrever?... » De certo que não; mas, por isso, que quantidade não ha de composições de musica ecclesiastica ruins ou triviaes, que mais se parecem choros e árias de operas e bailes do que á musica sagrada. Quantos organistas julgam tocar orgão, porque conhecem o teclado; e tocam musica pessima de piano naquelle instrumento, e assentam assim que são organistas. Não são tal; e protesto com o vigor da minha consciencia artistica contra semilhante barbarie, que avilta a musica sacra, substituindo-a pela ruim musica prophana, crime, em meu entender, de lesa-religião, porque, em logar de augmentar o pio recolhimento de espirito dos fieis, lhes promove distracções mui pouco edificantes pelos retornellos de genero grotesco, que são executados de um modo nada menos analogo.

É tempo de acabar este abuso da parte mais sublime da nossa arte é tempo de recuperar a musica sacra o seu logar com toda a dignidade que reclama a nossa Santa Religião, com toda a pureza de estylo, com todo o fogo e fervor de alma piedosa. Ha muitos compositores que pensam que a musica de egreja deve seguir os movimentos do seculo, e por consequencia deve ligar o estylo dramatico-scenico ao da musica sagrada. Que êrro tão crasso! Porventura a nossa Religião é alguma paixão fogosa e mundana? Não ao contrario requer a abnegação propria, o exercicio das virtudes, alma serena e pura, recolhimento do espirito, propagação do bem, desterro e exterminio dos vicios e paixões impuras; para que pois introduzir na musica sagrada o que não tem este caracter? A musica de egreja deve ser accorde com a Religião, isto é, grandiosa, de pureza virginal, de pio recolhimento, de estylo expurgado de quanto

se

possa recordar a musica mundana. Assim compoz Palestrina; é nesse estylo tão purificado e tão sublime que escrevia os seus psalmos o illustre Marcello; entre os mais modernos, citemos Mozart, Hendel, Cherubini. Nas suas composições se reconhece o verdadeiro genio, se patenteia a riqueza da harmonia, revela a sciencia em toda a sua grandeza e magestade. Entre os hispanhoes modernos citaremos o maestro Eslava, director da Capella Real de Madrid, auctor tão sciente quanto laborioso, e que por suas obras no genero religioso é uma illustração do seu paiz.

Entre os celebres organistas, não posso ommittir o sabedor San-Clemente, organista da Sé de Sevilha, e Gomez, organista da mesma cidade. Mas quão diminuto é o numero destes artistas conscienciosos?.. E, portanto, coisa assentada, que carecemos absolutamente de uma regeneração na musica sagrada. Mas como poderemos obtel-a?.. Direi: é sabido que a penna e a tinta estão ao alcance de toda a gente, o sol resplandece assim para os bons como para os maus. É, pois, coisa facil o escrever; mas escrever bem, não é dado a todos. Haja vista quantos são os sabios auctores como Beethoven, Weber, o abbade Vogler e outros que poderia citar.

A sciencia da musica é uma sciencia mui arida, e para isso é preciso entrar nella desde a primeira mocidade: todavia, e apezar das difficuldades que appresenta, vem a ser uma lingua usual para quem a conhece miudamente. O artista chegado ao apogeu de sua arte, escreve com facilidade e sem embaraços, por que conhece todos os recursos da mesma arte, que emprega segundo a inspiração que possue; póde assim abalançar-se á grande partitura, á musica dramatica, á de sala, á de egreja, certo de que escreverá musica com correcção e sciencia. Todavia cumpre confessar, que se pode escrever sem defeitos, sem com tudo possuir o que se chama verdadeiramente talento, genio. O saber não é mais que o regulador; ao passo que o genio é a inspiração, é o vôo da alma, é a vida, é tudo... Por tanto, quando um homem dotado de imaginação ardente é ajudado de sciencia e trabalho, está no caso de produzir obras immortaes, que lhe sobrevivam, e então é que trabalha como bomem eminente, porque trabalha para a posteridade! -Mas entre os homens dotados dessas qualidades superiores, nem todos podem abranger completamente todos os generos da musica, porque ha sempre um em que sobresahem com especialidade. Cumpre, pois, que o artista examine qual é o genero para o qual acha em si mais tendencia; e que depois tenha sufficiente grandeza d'alma para se desviar dos outros generos. Na musica sagrada, é a religião que influe sobre tudo na imaginação: sem ella não ha sublimidade de pensamentos, visto que a musica é a linguagem do coração, linguagem que não tem rival. O auctor desta musica deve possuir a fé necessaria, a elevação d'alma superior a baixezas e enredos, deve caminhar desembaraçado para a sua balisa, afim de que a sua obra seja verdadeiramente religiosa, e possa arrebatar pela força do seu genio as almas de seus ouvintes. A musica sagrada, regenerada em toda a sua pureza, virá a ser um grande apoio da religião catholica. É um elemento novo da sociedade, co poder deste clemento é incalculavel.- Contemple-se que

nos primeiros tempos do christianismo, immediatos. aos dos apostolos, a força da egreja procedeu de philosophos convertidos, os Justinos, os Athenagoras, os Clementes d'Alexandria, os Tacianos, os Tertullianos, os Agostinhos, que pertenceram ás seitas philosophicas antes de serem defensores da verdadeira religião! Facil será de comprehender o que póde emanar dos esforços e zelo de todos os homens de intelligencia ligados ao christianismo. Incumbe, por tanto, aos verdadeiros artistas, aos artistas intelligentes, como fizeram aquelles philosophos a respeito dos dogmas, expurgar a parte musical prophana, indigna de nossas egrejas, que introduziram os que, por falta de fé e de sciencia, composeram obras destituidas da dignidade e pureza, convenientes á santidade da religião catholica.

Quantas vezes não tenho presenceado, nas egrejas, a liberdade que os organistas tomam de tocar passagens da Norma, de Macbeth, de Lucia e de outras operas! Que se dirá disto? Nada, porque tudo o que se dissesse não seria bastante para reprova-los. Pela minha parte declaro que, professando a musica, fujo das festas solemnes, e só vou ás missas resadas: tal é o desgosto que me inspira ouvir ao pé de mim, como por vezes tem succedido, dizer: Repare; é um trecho de Macbeth; a proposito, como achastes hontem no theatro de *** a prima donna? E assim se encadeiam as perguntas e as respostas, esquecendo os interlocutores o logar em que estão, e sabindo com o pensamento ocupado de cantores, dançarinas, etc.

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Ninguem creia que pode vir a ser grande artista o que se limitar simplesmente á musica: o espirito cultivado, a boa educação, a leitura dos escriptos eruditos, as obras primas da litteratura, tudo isto alimenta as artes, eleva a alma, vivifica a imaginação. Então a sciencia e o genio, auxiliando-se reciprocamente, produzem o grande artista, e obras immortaes. Para as composições religiosas, a licção das mais notaveis obras de Bossuet, de Massillon, de Fénélon, de Chateaubriand, dará ao artista toda a elevação de alma, toda a nobreza de coração, e o disporá perfeitamente para escrever musica sagrada.

Se alguem se persuade que as artes degeneram, engana-se; quem degenera são os que de artistas só tem o nome, e que desprovidos de profunda sciencia, de educação conveniente, se lançaram á parte mechanica e superficial da arte, rebaixando-a ao nivel da sua insufficiente mediocridade, e materialisando uma das artes mais sublimes.

Mas, inda assim, nem a todos se ha de pôr a culpa, pois que muitas vezes procede de seus paes, que um dia tiveram a lembrança de dizer: - que hei de fazer de meu filho? Não presta para nada; é preguicoso, não tem habilidade para uma occupação grave; façamol-o musico. » E sem mais nem menos, o fazem arrauhar n'uma rebeca, ou mais geralmente dedelhar no teclado de um piano. Ao cabo de alguns annos de estudo, se tal nome merece o simples conhecimento das notas e poucos mais accessorios, sinados por um mestre de clarinete ou por um rabequista cego (porque todos assentam poder dar licções de piano), consegue o rapaz, já adulto, tocar duas ou tres peças mais ou menos limpamente, chama-se artista e julga no auge da sua fatuidade os que estão muito

en

acima delle, cujo saber disputa, e isto naturalmente, sentimentos e aspirações; de balde pertenderiamos não porque a mediocridade nunca poupou os talentos emi-reconhecer este axioma, quando o vemos convincentenentes. Chega a dar licções, ignorante elle proprio dos mente demonstrado nas exposições da academia, por principios, e a final vem a ser mui conhecido.... em quanto o materialismo e o egoismo peculiar que nos sua casa! nas obras dos artistas, que concorreram á exposição caracterisa, são representados com pasmosa verdade deste anno.

O estudo profundo e consciencioso, a applicação continua da theoria combinada com a pratica formam o homem. Somente pela grande experiencia das coisas e por elevadas meditações, chega um homem a ser senhor de si e a poder contar comsigo, quanto é dado a um ente mortal. - Entre os verdadeiros artistas não deve existir senão uma nobre emulação. Esqueçamos portanto o rasteiro ciume, e a inveja de torva catadura; e congregando-nos todos, como filhos da grande familia, consagremos nossos trabalhos nesta arte divina, Ad majorem Dei gloriam.

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DITO N.o 264.

« Os bellos retratos de Madrazo e de outres avantajados artistas mostrarão aos nossos vindouros o individualismo que é o cancro que nos corroe; e a total carencia de quadros de composição lhes mostrará a falta absoluta, em que nos achamos, de sentimentos que nos podessem servir de escada para pendurarmos nossas obras no templo da immortalidade.

« Apesar disto, a épocha presente para ser logica, é épocha de renascimento, de sentimentos, de aspirações, por mais que se pertenda dissimular, e portanto a reflexão anterior, sempre dolorosa, é desanimadora sobre tudo na situação actual.

<< Madrazo, que podia preoccupar-se de sua immortalidade, vemo-lo cada vez mais engolfado, em affagar os seus retratados, sem que o seu talento haja produsido um só quadro de composição no decurso de alguns annos; e este desleixo rebaixa-o consideravelmente da altura a que o chamava o seu feliz engenho.

« Ainda esta falta é mais notavel pelo empobrecicessiva decadencia. mento que se observa nas exposições, que vão em sucA do presente anno entristece a alma menos affeiçoada ás artes; e a quem alli buscar o sentimento profundamente phlosophico que caracterisa os artistas, auguramos amargo desengano.

Mas em compensação, encontrará retratos de Madrazo em que se nota aperfeiçoamento, as paizagens feiticeiras de Villaamil que encantam os que as contemplam, e as de Camaron, não menos naturaes, formando agradavel contraste as obras destes dois auctores com as audaciosas marinhas de Brugada; um quadro de composição de Esquivel filho, de excellente.

Decreto regulando a despéza votada para o Minis- colorido; quatro retratos de Brocheton, executados terio dos Negocios do Reino.

DITO N.° 269,

Decreto ordenando que todos os fundos que constituem a dotação do Fundo especial de amortisação, sejam entregues á Junta do Credito Publico para alli serem conservados em deposito.

DITON.o 271.

Decreto providenciando para que não haja interrupção na arrecadação dos rendimentos que constituem a dotação do Fundo especial de amortisação. Condições pelas quaes vae á praça nos dias 13, 14 e 16 de Dezembro futuro a arrematação do imposto do real de agua, da carne e vinho, e o dos tres reis addiccionaes em cada arratel de carne.

EXPOSIÇÃO ARTISTICA EM MADRID.

com fluidez e valentia, mancebo que a julgarmos pelas suas primeiras producções promette, e deve esperar bom futuro artistico; dois de Ugalde, admiraveis pela de Espalter, ousado e iracundo; umas miniaturas de sua perfeição e por sua exacta parecença um Sansão, bom toque e colorido, de Munhoz; um bonito baile singelo, executados com facilidade extraordinaria, do andaluz, pintado com graça, e dois paizes de estylo distincto artista, Garrido; algumas scenas do mesmo de provincia por Delohop, composição realçada pelo genero de Beujumea; a corrida de touros n'uma terra biblico do joven German Hernandez, em que o vecorrecto desenho e excellente colorido; um assumpto mos procurar com fervor a expressão, e que é notavel pela execução que demonstra as felizes disposições do auctor; tres magnificas academias dos pensionistas em Roma, que com justiça chamam a attenção, particularmente a de Montanez pelo pensamento, cor

Do Trabajador, periodico de educacion po-recção de desenho, e formosura de colorido. pular, n.° de 15 de Outubro ultimo, tomamos o seguinte artigo :

143 « A arte é constantemente o reflexo do espirito que predomina no gremio da sociedade, de seus

« Ha mais algumas obras de mancebos artistas, cujos, esforços sempre são louvaveis; e uma misturada de muitas coisas ruins, que denota o prurido de figurar em publico, ainda que seja pelo ridiculo, e que voga tão consideravelmente

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