Page images
PDF
EPUB

ção, Defensa, Immunidade, Escudo, Patrocinio, Valhacouto, Asilo, Refugio; mas não caracterisa o valor de cada um dos diversos termos, não determina a sua especial significação, não fixa as differenças que os distinguem. Na pressa da composição, na urgencia da necessidade do momento, he fóra de duvida que acode um tal remedio; mas, ou presuppoem o conhecimento cabal da sinonimia, ou em caso contrario, a escolha do vocabulo preferido raramente satisfará ás exigencias da precisão philosophica.

Não se entenda, porém, que despresamos tão valiosos subsidios. Estamos muito longe de tal pensamento; quizémos unicamente dar a cada um o que lhe pertence, suum cuique. E para que não fique duvida sobre as nossas intenções, aconselharemos de passagem á mocidade estudiosa que procure lèr essas obras, onde hade encontrar bom soccorro. Se folhear o Vocabulario de Bluteau, encontrará até occasião de instruir-se agradavelmente. A proposito do vocabulo Adulação, diz Bluteau: Lisonja. Veneno suave. Doce engano. Louvor affectado. Fraudulenta meiguice. Estimação apparente. Urbanidade traidora. Cortezania servil. Melliflua perfidia. Hypocrisia da mentira. Artificio da conveniencia. E deste modo pinta o author a fealdade da adulação, tornando mais odiosa, á força de sinonimia, aquella funesta disposição das almas vis.-Admiravel alliança das Lettras com a moral! E para que seria cultivá-las, se ellas não tornassem melhor o homem, e não lhe inspirassem o amor da viriude!

-

Em quanto ao Diccionario Poetico de Candido Lusitano, ver-se-ha o seu alcance, e especial fim, desde que se reparar nas seguintes palavras do author: «Damos a cada vocabulo os seus sinonimos, não segundo o rigoroso sentido, e significação da nossa lingua, mas segundo aquella ampla liberdade, que sómente soffre a linguagem poetica, tendo por verdadeiros synonimos os que na realidade o não são.-Este Diccionario não he menos proveitoso ao Orador Portuguez, que principia a exercitar-se. Nelle achará Synonimos, Epithetos, Frases, Descripções, Symbolos e Comparações, quando destes soccorros necessitar a sua oração. »>=

O Ensaio, porém, de D. Fr. Francisco de S. Luiz, e o Diccionario de J. I. Roquete,-esses trabalhos, sim, merecem o recommendavel titulo de verdadeiros tratados de sinonimos.

D. Fr. Francisco de S. Luiz (Cardeal Saraiva), cujo nome illustre, por tantas vezes, havemos já nomeado e applaudido, acu

dindo ao reclamo da Academia Real das Sciencias, offereceu em 1822 áquella sabia corporação o Ensaio sobre os sinonimos da Lingua Portugueza.

O douto e incansavel Litterato merece os mais encarecidos louvores, por haver encetado uma empreza, para o desempenho da qual não lhe fornecião elementos os escriptos philologicos portuguezes. ¿Como procedeu, pois, em presença da quasi absoluta carencia de subsidios?-«Quando, diz elle, nos Classicos de melhor nota achámos expressamente definida a differença de duas ou mais palavras havidas por synonimas, essa autoridade nos bastou, quasi sem mais exame, para adoptarmos a indicada differença; mas rarissimas vezes tivemos a satisfação de encontrar tão boa e segura guia.»=

Nos outros casos, recorreu á analise, á etymologia, á decomposição das palavras, á conferencia dos vocabulos semelhantes das linguas analogas, aos tratados de sinonimos latinos e francezes; e sobre todos esses fundamentos formou o seu juizo.

Graças ao profundo conhecimento que o douto litterato possue dos nossos classicos, graças ao seu fino criterio, e apurado gosto, enriqueceu a Litteratura com um trabalho interessantissimo, e summamente recommendavel.

Que precisão de linguagem! Que lucidez de expressão! Que delicadas e finissimas apreciações de differenças quasi imperceptiveis!

=

[ocr errors]

«He digno o que tem capacidade, idoneidade, aptidão: amerece o que faz, ou tem feito serviços. Todo o homem deve «empregar os primeiros annos da sua vida em fazer-se digno «dos cargos da republica, por seus estudos e morigeração. Logo «porém que nelles entra, deve trabalhar por exercê-los de tal «modo, que mereça a gratidão da patria, e as distincções devidas «<a quem a serve com intelligencia, fidelidade, e zelo.»>

Outro exemplo:

=«A satisfação he o sentimento, que experimentamos, «quando conseguimos o objecto de nossos desejos.-Se neste «objecto achamos o bem que esperavamos, a nossa alma des«cança no gozo delle, fica tranquilla, não deseja mais: este he «o estado de contentamento.- Quem sómente deseja o que basta «<a suas necessidades reaes, com pouco se satisfaz, gosa tran«quillamente da sua mediocridade, não fórma desejos inuteis, «vive contente.-Pelo contrario o homem ambicioso, cubiçoso, «avarento, etc. nunca tem verdadeira satisfação, porque nada

«<enche os seus desejos; sempre deseja mais: este estado he ab«solutamente incompativel com a tranquilla serenidade de es«pirito, que constitúe o estado de contentamento.»=

Seja o ultimo exemplo o seguinte:

«O ser nobre depende das leis, ou da vontade dos prin«cipes: ellas e elles podem dar e tirar a nobreza. Mas o ser «illustre depende do merecimento proprio, e da opinião que delle «tem os homens, fundada em feitos uteis, gloriosos, esplendidos. <«<Cada um póde fazer-se illustre a si mesmo, sem dependencia «da autoridade publica, e talvez a despeito della.—O homem «sem merecimento póde ser collocado na classe dos nobres, mas «nunca será illustre. Ao contrario o heróe da virtude, o homem «de genio, o artista original, o grande escriptor, que talvez a «não alcança, nem pretende grão algum de nobreza legal, póde «fazer-se illustre por suas obras, e merecer a estima, o respeito «<e a fama esclarecida, que se não concede ao nobre, sómente «por este titulo.»>=

Com quanto encurtassemos cada uma das tres citações, ainda assim mesmo temos por certo que para todos os leitores fica sendo bem clara, e determinada, a differença que se dá entre ser digno e merecer; entre satisfação e contentamento; entre nobre e illustre. Tamanha perspicuidade e exactidão se encontra no illustre author do Ensaio! E ainda isso não he tudo, pois que sobresahe a consideração de que cada um daquelles artigos he, ao mesmo tempo, um formoso trecho de moral, e um admiravel tratado de philologia, exprimidos na mais pura, elegante, e castigada phrase.

1

O Sr. Roquette publicou em 1848 o seu Diccionario dos Synonimos, e cabe-lhe a gloria de haver alargado a esphera dos trabalhos do seu illustre predecessor, pois que o Ensaio só tem 380 artigos, ao passo que o Diccionario tem 866,-bem como a de haver desentranhado das paginas dos nossos classicos, e com especialidade das de Vieira, definições seguras para bem fixar a synonimia de muitas palavras.

O Sr. Roquette rende a devida homenagem ao illustre author do Ensaio, começando por dizer: «Apezar de que já uma << douta e elegante penna escreveu acerca dos Syn. da Ling. Port., «<é comtudo entre nós fructa nova este genero de escritura.»>

1 Leia-se a este prpposito, no Tomo 2.o do Ensaio, o artigo Graça, mercé, favor; o qual tão sentencioso tem sido julgado, que até como doutrina moral ha sido reproduzido Vej. o Panorama de 1842. pag. 240.

[ocr errors]

Incitado por esta ultima consideração, e attendendo a que o primeiro Litterato portuguez de nossos dias composéra somente um Ensaio, deliberou-se a tentar um segundo, o qual, em verdade. muito abona a sua grande lição, e perspicaz juizo.

Na Introducção enuméra o Sr. Roquette as causas principaes da origem dos sinonimos, e são, no seu entender, as seguintes: 1o a diversidade dos dialectos; 2.° a variedade das origens etymologicas; 3.° a facilidade que tinhão os sabios no principio para formar novas palavras por allianças etymologicas, muitas vezes obscuras e arbitrarias; 4.° a translação das palavras do seu sentido proprio e figurado; 5.° a liberdade com que os poetas da idade aurea da nossa Litteraturà formárão palavras novas, ou aportuguezarão grandissimo numero das latinas; 6.o o neologismo.

Expoem depois a theoria dos sinonimos, e dá conta do methodo que seguio no seu trabalho. Regulando-se pela doutrina do Padre Roubaud, assentou assim a theoria: definão-se os termos, tirem-se das definições suas differenças, e confirmem-se com o uso. No que toca ao methodo, regulou-se pelos conselhos de M. Guisot, examinando a etymologia das palavras, apreciando o valor das terminações, recorrendo por vezes ás linguas analogas, authorisando-se com os authores de boa nota, sem todavia renunciar, em quanto a esta ultima parte, ao seu modo de vêr as cousas, sempre que vio desacordo entre a authoridade classica e a sinonimia de termos modernos.

[ocr errors]

Uma circumstancia ha, que muito recommenda o trabalho do Sr. Roquette, qual he a de ter diligenciado, e effectivamente conseguido, encontrar nos nossos classicos um grande numero de subsidios para compor o Diccionario. Ouçâmos a sua propria declaração a tal respeito: «Dom F. Francisco de S. Luiz «diz ter achado mui poucos subsidios em nossos Classicos para <«<compor seus synonimos, e que rarissimas vezes tivera o satis«fação de encontrar tão boa e segura guia; outro tanto não di«<remos nós, pois só Vieira nos deo grande numero de artigos, «<e ministrou definições seguras para bem fixar a synonymia de «muitas palavras, como se póde ver do contexto de nosso dic«cionario. Era Vieira tão propenso a examinar a synonymia das «palavras portuguezas, que d'um só synonymo fez um sermão: «Crer em Christo, crer à Christo.»>=

E com effeito, o author do Diccionario tirou grande partido da leitura dos nossos Classicos, e de tão rica mina desenterrou

cabedaes, que mui proveitosamente empregou no seu trabalho sobre os Synonimos. E ainda não está de todo explorada essa mina! Na occasião em que eu lia, ha pouco, a famosa carta de D. Francisco Manoel de Mello a Themudo, encontrei nella um bello exemplo de synonimia, que aos dous philologos escapára, e he o seguinte:

=<< Decisão, supposto que em commum sentido pareça o mes«mo que Sentença, sôa, a meu juizo, cousa de muito maior dig«nidade. E a razão he, que a sentença parece, que não olha tanto «<á qualidade da duvida, quanto ao conceito, que della fez o Juiz, «que sentenceia; e a decisão não olha tanto ao animo do Juiz, «quanto á qualidade da duvida. Donde se segue, que toda a de«cisão he sentença, mas nem toda a sentença he decisão. E ain«da no rigor dos verbos, em sua raiz Latina e Grega, o senten«ciar he huma manifestação do sentido de cada hum, e o deci«dir he desfazer, e cortar a duvida de dous.-Poder-se-hia <<assim dizer: Que o sentenciar cabe somente nas causas duvi«dosas, e o decidir naquellas, que duramente estão cegas, e obs«tinadas. E como todos os negocios dos homens, não só os em<<barace a duvida, que procede da ignorancia da verdade; mas «os áte, e difficulte o vinculo, que se produzio da malicia: claro <«<fica, quanto mais faz, e fará o que decidir, julgando para si e «para os outros, que o que sentenciar, apenas julgando para <«<aquelles que julga.»=

Seria curioso apresentar aqui aos Leitores um exemplo do modo porque os dous philologos, de que nos occupamos, tratão um determinado assumpto, quando succede que ambos explicão os mesmos vocabulos; mas levar-me-hia isso muito longe, e este capitulo já vai estirado.

Terminarei, expondo com franqueza o meu humilde parecer ácerca do diverso merecimento dos dous escriptos sobre synonimos.

Se a elegancia da linguagem, o castigado da dicção, e a precisão philosophica me encantão no Ensaio,-encontro no Diccionario artigos de vasta erudição, authorisados com exemplos seguros, e tratados de mão de mestre, taes são, por exemplo, os artigos: Genio, talento,' engenho;-Estrangeiro, estranho, peregrino, forasteiro; etc. O author do Ensaio tem a indisputavel gloria de ser o primeiro que abrio o caminho; o do Diccionario tem a gloria de haver alargado a esphera dos conhecimentos neste ramo de litteratura, hindo muito adiante do ponto em que parára o primeiro.

« PreviousContinue »